Ganho real do salário mínimo semeia crise futura
Por O Globo
Medida faz crescer a dívida pública, alimenta
a inflação e corrói a confiança no governo
Ao determinar o valor do salário mínimo para
2026, mais uma vez o governo decidiu conceder reajuste de quase 2,5% acima da
inflação, o limite das regras adotadas com base no arcabouço fiscal. O mínimo
irá de R$ 1.518 para R$ 1.621, alta de 6,8%. Será o terceiro ano consecutivo em
que subirá além da inflação. Nos três anos desde que o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva assumiu o governo, terá aumentado 24,5%, ante inflação estimada
em 14,6% no período — ganho real de quase 10%.
A política de aumento real do salário mínimo é celebrada pelo governo como conquista dos mais pobres. Ela tem sem dúvida impacto na renda do estrato social que Lula enxerga como sua base eleitoral — e de cujo apoio precisará em sua tentativa de reeleição no ano que se avizinha. Na economia, contudo, tal política tem três consequências nefastas com que infelizmente as gestões petistas têm se revelado recorrentemente incapazes de lidar.
A primeira é o efeito explosivo sobre as
contas públicas. Cerca de 70% dos benefícios previdenciários são indexados ao
mínimo. A Previdência tem custo superior a R$ 1,1 trilhão e déficit projetado
em quase R$ 340 bilhões no Orçamento de 2026. A estimativa é que cada real a
mais no mínimo represente R$ 400 milhões em gastos adicionais.
Em nenhuma economia estável, aposentados ou
beneficiários de programas sociais recebem aumentos reais — que costumam
ocorrer no setor produtivo. Corrigir o que recebem pela inflação seria
suficiente para manter seu poder de compra, sem gerar mais sufoco para as
contas públicas. Seria desejável desvincular a correção dos benefícios do
mínimo, de modo a acabar com a armadilha de crescimento inexorável das despesas
a cada reajuste. Na impossibilidade política disso, contudo, o correto seria
retomar a política de correção do mínimo apenas pela inflação, adotada antes do
atual governo.
A segunda consequência da alta do mínimo é
inflacionária. Ela se dá por duas vias, como demonstrou estudo do Banco Central
(BC). A primeira é o aumento na demanda e no consumo, que leva o mercado a
subir preços. A segunda é a necessidade que as empresas têm de reajustá-los
para arcar com as despesas maiores na folha de funcionários.
Por fim, o aumento indiscriminado das
despesas contribui para minar a confiança na capacidade do governo de honrar seus
compromissos. O arcabouço fiscal introduzido por Lula já se mostrou incapaz de
conter a alta da dívida pública. Com isso, o BC se vê compelido a manter os
juros em patamar mais alto para conter a inflação.
De um lado, a política econômica incentiva o consumo
e o crédito fácil. De outro, os juros altos estimulam a inadimplência. Embora o
endividamento das famílias esteja praticamente no mesmo nível desde o início do
governo Lula, os juros médios cobrados de quem se endivida têm subido e já
consomem quase um terço do orçamento familiar, de acordo com dados divulgados
pelo BC na semana passada.
As gestões petistas — e a atual em nada é
diferente — espraiam a ilusão de que favorecem os desassistidos com a política
de ganho real do mínimo. Na realidade, o que lhes dão com uma mão, a inflação e
os juros tiram com a outra. E os déficits da Previdência alimentam a dívida
pública semeando a crise fiscal que ensaia estourar no próximo governo. Já
aconteceu com Dilma Rousseff e poderá se repetir com o próprio Lula se ele for
reeleito.
Cobertura indigente de telefonia celular nas
estradas exige mais investimentos
Por O Globo
Apesar de iniciativas da Anatel e da ANTT,
Brasil ainda apresenta desempenho vergonhoso
Apenas 12% da malha rodoviária do país, de
445 mil quilômetros, dispõe de sinal de celular 5G, segundo a Agência Nacional
de Telecomunicações (Anatel). O 4G está em pouco menos da metade das rodovias
(47%). Num país que fez opção pelo modelo de transporte rodoviário, são índices
indigentes. Eles demonstram a necessidade de um plano estratégico para ampliar
a cobertura ao longo das estradas quanto antes. A população não é atendida
quando se desloca, o agronegócio padece com a falta de conexão, e o sinal nem
sequer permite usar aplicativos para pedir socorro médico ou mecânico. Acabar
com essa lacuna na telefonia celular deve ser prioridade do setor.
Há no Brasil mais celulares ativos (270
milhões) do que habitantes (213,4 milhões). Apesar disso, as estradas daqui
contrastam com as de outros países, mesmo os de dimensão continental. A quase
totalidade das rodovias mexicanas (90%) já permite conexão, assim como as
americanas. Na Europa, a França tem como meta chegar aos 100% até 2027. A China
já alcançou 80%. Estar em estágio inferior de desenvolvimento não condena
nenhum país a atraso na telefonia celular. Ao contrário, os custos decrescentes
da tecnologia ajudam.
A Anatel já inclui nos novos leilões de
frequências a obrigação de oferecer cobertura rodoviária do sinal. As próprias
empresas que venceram o leilão do 5G em 2021 têm interesse em atender seis
rodovias prioritárias nos próximos três anos. Mesmo assim, há atrasos. O
principal se deve à a desistência da Winity, operadora do Fundo Pátria que arrematou
uma das frequências nacionais, com a incumbência de conectar todas as vias
federais e suprir a deficiência da BR-101, uma das mais importantes estradas do
país, onde ainda faltam mil quilômetros de cobertura. “Não conseguimos dizer
hoje é em quanto tempo o Brasil chegará aos 100% conectados”, diz Nilo
Pasquali, superintendente de Planejamento e Regulamentação na Anatel.
A TIM, pelos dados da Anatel a operadora que
mais oferece conectividade em estradas, tem como objetivo ampliar o sinal 4G de
7,6 mil quilômetros para 10 mil quilômetros, por meio de acordos com empresas
que operam no Centro-Oeste e no Sudeste. Foi responsável pela ampliação da rede
na Via Dutra e afirma que, entre São Paulo e Seropédica (RJ), houve aumento
médio de 40% no volume de dados por usuário.
Noutra iniciativa, a Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT) autorizou concessionárias das rodovias a promover
projetos de conectividade e diz contar com 31 contratos referentes a 16,1 mil
quilômetros de estrada, em 14 estados e no Distrito Federal. Contratos antigos,
porém, ainda dependem da adesão das operadoras para ampliar a cobertura. Por
isso a agência oferece incentivos para que toda a malha rodoviária forneça
sinal de celular.
Apesar do indiscutível avanço da telefonia celular no Brasil desde a privatização da Telebras, o atraso no interior e nas estradas ainda exige mais atenção — e mais investimentos.
Partidos precisam buscar relevância na
sociedade
Por Folha de S. Paulo
Em pesquisa Datafolha, PT é o mais citado
como preferido dos eleitores com 24%; 46% não apontam nenhum
Siglas especializadas em extrair dinheiro de
fundos públicos podem até prosperar, mas não serão mais que sopa de letras para
os votantes
Por razões palpáveis, o PT lidera há
décadas pesquisas de preferência partidária no país. Trata-se de caso raro de
legenda brasileira que, goste-se ou não de suas ideias, mantém coesão interna e
inserção em setores da sociedade como sindicatos, academia e organizações não governamentais
—e, claro, conta com a liderança carismática de Luiz Inácio Lula da
Silva.
Ainda assim, essa colocação não se dá com
números muito expressivos. Em levantamento do Datafolha, o
PT é citado como sigla
de predileção por 24% dos brasileiros aptos a votar. Os que não
escolhem nenhuma agremiação somam quase o dobro disso, 46%, e compõem com folga
o maior contingente do eleitorado desde 1989, quando essa sondagem começou a
ser feita.
Na concretude das urnas, ademais, os índices
do petismo se mostram mais baixos. No mais recente pleito para a Câmara
dos Deputados, por exemplo, a federação encabeçada pelo partido, que inclui
ainda PC do B e Rede, conquistou apenas 81 cadeiras, ou 15,8% das 513 em
disputa. A figura de Lula, ao que parece, tem influência decisiva na pesquisa.
Ainda mais evidente é o papel personalista
de Jair
Bolsonaro na opção de 12% dos entrevistados pelo PL —sigla de
tradição fisiológica que era quase ignorada pelos eleitores antes de abrigar o
então presidente em 2021.
Muito pior está o restante da miríade de
legendas existentes no país. O MDB, que fez a
oposição permitida pela ditadura militar e foi a força mais importante dos
primeiros anos de redemocratização, hoje marca 2% no Datafolha. O PSDB, que governou
o país de 1995 a 2002 e disputou o segundo turno nacional em 2006, 2010 e 2014,
tem 1%, como o PSOL e
o Novo. Os demais, nem isso.
Partidos políticos são importantes numa
democracia, ou deveriam ser, ao indicar à população que ideias e interesses
seus representantes vão defender nas instâncias de poder. Os nossos claramente
não são percebidos como à altura da tarefa.
Algum avanço institucional foi promovido nos
últimos anos com normas que restringem verbas e espaços publicitários a siglas
que não obtenham votações mínimas. Assim perdem
lugar legendas de aluguel e estimulam-se fusões e federações que vão
dando mais clareza à divisão de forças nos Executivos e Legislativos.
Cabe a elas, se quiserem ganhar relevância,
organizarem-se em torno de valores e programas, mais que de nomes e
oportunidades de ocasião, e buscar o convencimento dos múltiplos setores de uma
sociedade complexa. De contribuições de pessoas físicas e jurídicas (estas hoje
infelizmente proibidas) deveria vir a maior parte de seu sustento.
O caminho oposto é formar burocracias
especializadas em extrair dinheiro de fundos públicos e negociar apoio a
governos em troca de cargos e verbas. Agremiações desse gênero podem até
prosperar por longos anos, mas não serão mais que uma sopa de letras para os
votantes.
Orçamento e ambiente devastados por emendas
Por Folha de S. Paulo
Anomalias na distribuição de máquinas usadas
para desmatamento em obras revelam desperdício de verbas
Na última década, de R$ 900 milhões
executados, 30% foi só para Rôndônia, que no período teve a maior taxa proporcional
de devastação
Levantamento da Folha mostra efeitos
nefastos do descontrole de emendas parlamentares, que desde 2015, quando sua
execução tornou-se obrigatória, abocanham fatias cada vez maiores do Orçamento
federal sem transparência ou critérios técnicos de aplicação.
Nos últimos dez anos, deputados e senadores
direcionaram por meio desse mecanismo mais de R$ 900 milhões para compra de ao
menos 1.649 máquinas pesadas que foram entregues a 467 municípios da Amazônia Legal.
Segundo especialistas, esse tipo de
maquinário —como trator de esteira e de pneus, motoniveladora e rolo
compactador— é usado em geral para remover vegetação e abrir estradas.
Trata-se de dinheiro público aplicado em
obras com potencial impacto ambiental. Assim, é necessário que sua execução
siga avaliação rigorosa para evitar distorções. Mas não é o que se vê.
Do montante total, 30% das verbas (R$ 319
milhões) e
31% das máquinas (507) foram apenas para Rondônia, que, desde 2015, teve a
maior taxa de desmatamento proporcional ao território na região, com 5,1% da
sua área devastada (12 mil km²), de acordo com o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais. Em seguida, estão Mato Grosso (R$ 145,8 milhões) e Acre
(R$ 117,8 milhões).
Dos equipamentos adquiridos para Rondônia, a
capital Porto
Velho ficou com 329, uma discrepância notável ante as outras duas
cidades que obtiveram mais máquinas pesadas na região, Cuiabá (67)
e Rio
Branco (30).
Os dados levantam dúvidas sobre se os
recursos foram direcionados a localidades e populações que de fato deles
precisam.
Outros problemas são o possível uso irregular
das máquinas em garimpos, como aponta o Ibama, e favorecimento. O deputado
federal Zezinho Barbary (PP-AC) usa sua fatia de verbas para regularizar a obra
de uma estrada que passa por terras de sua família, aberta
com desmatamento ilegal no período em que ele era prefeito de Porto
Walter (AC).
A execução impositiva de emendas abriu uma
caixa de Pandora no Orçamento. De 2015 a 2024, foram empenhados R$ 220 bilhões, R$
173 bilhões a mais do que se o montante fosse só corrigido pela inflação.
É um volume inaudito que no geral serve a
interesses políticos de congressistas por obras paroquiais, em vez de ser
alocado racionalmente em áreas prioritárias.
Interromper essa insensatez demandará um entendimento político e institucional entre os três Poderes, que por ora não está no horizonte. Ao que tudo indica, há mais escândalos pela frente.
Uma briga que vale a pena
Por O Estado de S. Paulo
STF deve julgar em 2026 a constitucionalidade
das emendas impositivas, ampliando o embate com o Congresso. Mas é um passo
necessário para corrigir a captura do Orçamento da União
Recente reportagem do Estadão informou
que o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá discutir, em 2026, a
constitucionalidade das chamadas emendas parlamentares impositivas, aquelas que
obrigam o governo federal a executar recursos indicados por deputados federais
e senadores. A sinalização foi dada pelo ministro Flávio Dino, relator de ações
que tratam do tema. Embora a decisão sobre a pauta caiba ao presidente da
Corte, ministro Edson Fachin, já é possível antever mais um episódio de tensão
entre o STF e o Congresso, tendo como pano de fundo a crescente deformação do
manejo dos bilionários recursos do Orçamento da União.
Flávio Dino relata quatro ações relacionadas
ao uso das emendas parlamentares. O debate começou com exigências de
transparência e rastreabilidade e evoluiu para questionamentos constitucionais
mais amplos, incluindo as emendas impositivas, criadas em 2015. Há duas
modalidades principais: as individuais, distribuídas igualmente a deputados e
senadores, e as de bancada, indicadas coletivamente por parlamentares de um
mesmo Estado. Em ambas, consolidou-se uma transferência excessiva de poder
orçamentário ao Legislativo, com frágil justificativa técnica e baixíssima
transparência na destinação dos recursos.
Mais recentemente, Dino abriu nova frente de
conflito ao suspender trecho de um projeto aprovado pelo Senado que
ressuscitava o pagamento de restos a pagar do chamado orçamento secreto – a
marotagem institucional revelada em 2021 pelo Estadão, ao expor um esquema
opaco de distribuição de recursos por meio das emendas de relator (RP-9).
Declarado inconstitucional pelo STF em 2022, o mecanismo reapareceu no apagar
das luzes de 2025, quando o Congresso, de forma pouco fortuita, incluiu em um
projeto de corte de benefícios tributários a possibilidade de resgatar cerca de
R$ 3 bilhões em emendas canceladas e destravar sua execução em 2026, ano
eleitoral.
As emendas impositivas representam uma
excrescência do ponto de vista republicano. Ao tornar obrigatória a execução de
indicações parlamentares, o Congresso apropriou-se de uma parcela crescente do
gasto discricionário federal, reduzindo drasticamente a capacidade do Executivo
de planejar políticas públicas de forma racional, coordenada e orientada por
prioridades nacionais. O que nasceu como instrumento de fortalecimento
federativo converteu-se em mecanismo permanente de clientelismo e barganha
política.
Em pouco mais de uma década, a fatia do
orçamento discricionário controlada por parlamentares saltou de algo residual
para cerca de um quarto do total disponível. Não há paralelo no mundo
democrático. Criou-se no Brasil uma anomalia institucional: um Congresso sem
responsabilidade executiva, mas com poder quase absoluto sobre bilhões de
reais, muitas vezes distribuídos sem critérios técnicos claros, transparência
adequada ou avaliação de resultados.
É previsível que a iniciativa de Flávio Dino
provoque reação no Congresso e reacenda críticas ao STF por suposta
interferência em prerrogativas legislativas. Também é esperado que se renovem
suspeitas de alinhamento político entre o ministro e o governo Lula da Silva.
Não é de hoje que, sempre que o Legislativo busca atuar de forma mais autônoma,
o governo mobiliza parte de sua base política para judicializar a questão e
fazer uma dobradinha com o STF, tentando manter a prerrogativa orçamentária sob
controle do Executivo. Ainda assim, evitar o confronto apenas perpetuaria uma
distorção que enfraquece o Estado, empobrece a democracia e normaliza práticas
que a política finge combater.
Discutir a constitucionalidade das emendas
impositivas não é capricho jurídico nem ativismo judicial. É uma tentativa
tardia de recolocar o Orçamento da União dentro de parâmetros minimamente
republicanos. Não se trata de eliminar a participação do Parlamento na alocação
de recursos, mas de restabelecer limites, responsabilidades e racionalidade a
um sistema que se tornou disfuncional.
Haverá mais tensionamento entre os Poderes em
2026. Mas algumas brigas são inevitáveis quando se pretende corrigir desvios estruturais.
Essa é uma delas. E é, sobretudo, uma briga que vale a pena.
O ano que desmoralizou o protecionismo
Por O Estado de S. Paulo
Tarifaço de Trump não fez empregos retornarem
para os EUA, provocou inflação e ficou pelo caminho, prova definitiva de que o
protecionismo, como bem sabe o Brasil, não funciona
No apagar das luzes de 2025, o presidente dos
EUA, Donald Trump, anunciou um pacote de ajuda de US$ 12 bilhões aos
agricultores norte-americanos vítimas do tarifaço imposto por ele próprio para
fazer “a América grande novamente”. Bilionário, o pacote passa longe de trazer
alento para o setor agrícola dos EUA que, entre outros desafios, enfrenta
concorrentes de peso como Brasil e Argentina na disputa pelo mercado chinês.
Mas, se não resolve os problemas do setor
agrícola norte-americano, o socorro de Trump ao segmento escancara de forma
incontestável a ineficácia do protecionismo como ferramenta de prosperidade
econômica.
Não que a teoria precisasse ser testada. Como
bem sabe o Brasil, décadas de isolamento comercial, subsídios generosos para
empresas “amigas” do Estado e barreiras a produtos estrangeiros que nem sequer
somos capazes de produzir não fizeram do nosso país um exemplo de prosperidade.
Muito pelo contrário.
Alheio ao case brasileiro, e
comprometido apenas com seus próprios delírios, Trump resolveu pagar para ver e
passou boa parte do ano distribuindo tarifas de importação aleatórias a
produtos de países como China, Brasil, Suíça, México e Canadá. Em certo
momento, nem mesmo ilhas habitadas por pinguins foram poupadas da sanha
protecionista do republicano.
Como era previsível, o que nasceu para dar
errado obviamente não deu certo. Chamada à guerra, a China jogou pesado com os
EUA, impôs aos produtos norte-americanos tarifas tão pesadas quanto as que
recebeu de Trump e ainda restringiu suas exportações de terras raras, minerais
essenciais para indústrias como a militar e a de tecnologia.
Derrotado em seu próprio jogo, só restou a
Trump negociar uma “trégua” comercial com a China. O republicano também foi
obrigado a recuar no tarifaço de 50% imposto sobre uma série de produtos
brasileiros como carne, café e suco de laranja.
Apesar de não ter o mesmo poder de barganha
da China, o Brasil viu Trump recuar na tarifa de 50% sobre mais de 900 produtos
que exporta para seu segundo maior parceiro comercial. Motivo: o tarifaço não
transformou os EUA em produtores de café em larga escala. Apenas serviu para
gerar inflação, pesando no bolso dos eleitores norte-americanos e minando a
popularidade de Trump.
Que as tarifas não funcionariam, eram favas
contadas. Mas a velocidade com que elas foram desmoralizadas não deixa de
impressionar. Impostas em abril, e emendadas e remendadas ao longo do ano, elas
rapidamente provaram-se um equívoco.
A explicação para isso talvez resida no fato
de que, ao contrário dos chineses, por exemplo, os americanos não estão
acostumados com escassez ou com dificuldades para consumir produtos que para
eles são básicos já há algumas décadas, como carne e café. Tão logo a inflação
bateu no bolso, apagou-se a visão de que Trump tinha um plano para melhorar a
vida dos americanos.
Não bastasse não ter transformado
positivamente a vida de seus compatriotas, as tarifas de Trump também não
impediram a China de registrar um superávit comercial recorde de mais de US$ 1
trilhão. Pequim reorientou suas exportações para mercados como União Europeia,
América Latina e Austrália, mais que compensando a queda nos embarques para os
EUA.
Trump está certo ao se preocupar com o
protagonismo chinês como fábrica do mundo, problema que inquieta também a
Europa e o Brasil, que já vê seu superávit comercial com Pequim diminuir. Mas,
se acertou no diagnóstico – o mundo inundado por produtos chineses é, sim, um
desafio nada trivial –, Trump errou feio, como comprovam suas alopradas ações
ao longo de 2025, ao apostar em barreiras comerciais como ferramenta de
reindustrialização.
Infelizmente, o experimento comprovadamente
ineficaz do republicano neste ano de 2025 não representa o fim do
protecionismo, por mais desmoralizado que ele tenha sido nessa temporada.
Severamente afetado pelas tarifas de Trump, o
México acaba de aprovar tarifas de 50% sobre importações de países como a China
e o Brasil para, ora vejam, proteger a indústria do país. A consequência, como
se sabe, será mais inflação.
Decisão inexplicável
Por O Estado de S. Paulo
Ao decretar prisão de réus por presumir que
poderiam fugir, Moraes fere direitos
No dia seguinte à malsucedida tentativa de
fuga de Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal, o ministro
Alexandre de Moraes decretou a prisão domiciliar de outros dez réus já
condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pela trama golpista. A decisão
causa perplexidade. O Poder Judiciário tem de assegurar a aplicação da lei penal,
mas a lógica do ministro para justificar o agravamento das restrições
cautelares impostas a indivíduos que, até onde se sabe, vinham cumprindo suas
obrigações enquanto aguardam o trânsito em julgado de suas sentenças, chega às
raias da injustiça.
A motivação explicitada pelo próprio ministro
é clara. Segundo Moraes, “o modus operandi da organização criminosa condenada
pelo Supremo Tribunal Federal indica a possibilidade de planejamento e execução
de fugas para fora do território nacional” de todos os réus – o que é uma
ilação. O ministro afirmou que, após a fuga do ex-deputado Alexandre Ramagem,
“a mesma estratégia de evasão do território nacional também se verificou em
relação ao corréu Silvinei Vasques”. Foi com base nessa visão presciente que
Moraes decidiu impor medidas mais duras a outros condenados, independentemente
de qualquer ato por eles praticado no mesmo sentido. Eis o problema.
Sabe-se que medidas cautelares no processo
penal não se confundem tecnicamente com penas, mas tampouco podem ser aplicadas
como sanção antecipada ou por presunção genérica de risco. No Brasil, tanto a
doutrina como a jurisprudência sempre exigiram a individualização dessas
medidas, em contraste direto com ações objetivas atribuíveis a cada réu ou
investigado. Trata-se de respeito elementar ao devido processo legal.
Punir alguém pelo que outros fizeram – ou
pelo que se imagina que possa vir a fazer – equivale a instaurar no País um
“direito penal por projeção”, chamemos assim. A legislação brasileira não
admite punições coletivas. A Constituição é taxativa ao vedar a transferência
da pena de uma pessoa para outra (artigo 5.º, inciso XLV). Ainda que se
reconheça a complexidade dos casos envolvendo organizações criminosas, como foi
tratada a articulação para a tentativa de golpe, isso não autoriza a
flexibilização de direitos e garantias fundamentais nem a substituição da prova
individualizada por suposições de comportamento grupal. É alarmante que isso
não seja considerado pela mais alta Corte de Justiça brasileira.
Nada indica que os dez condenados submetidos
agora à prisão domiciliar, entre outras medidas cautelares, tenham tentado
fugir, descumprido ordens judiciais ou atuado em conluio para frustrar a
aplicação da lei penal. Agravar sua situação jurídica com base em episódios
atribuídos a terceiros não fortalece a autoridade do STF. Ao contrário,
fragiliza-a por abrir espaço para decisões percebidas como arbitrárias.
A credibilidade do Supremo não advém só da firmeza de sua resposta aos ataques contra ordem constitucional democrática, mas também – e sobretudo – da observância rigorosa dos limites impostos pelo próprio Estado de Direito que se pretende defender. O Supremo tem de ser justo, não implacável. Praticar abusos à guisa de uma suposta cautela é institucionalizar a injustiça.
Eleições na AL favorecem alinhamento com
Trump
Por Valor Econômico
O equilibrio de forças atual parece favorecer
Trump, que está disposto a interferir diretamente nas políticas dos países da
região
Ondas de direita e esquerda se revezam nos
governos da América Latina, sem que os eleitores tenham clara preferência
ideológica, mas, sim, rejeição a gestões que não conseguem melhorar as
condições de vida ou promover o crescimento, sejam de que orientação forem. Mas
com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, resolvido a tratar o
território abaixo do Rio Grande como de interesse estratégico, o alinhamento
ideológico imediato dos governos, mesmo a curto prazo, importa, e a
configuração atual é conservadora e favorável aos interesses americanos. A
eleição de Nasry Asfura em Honduras consolidou esse alinhamento e traz mais
desafios à atual política externa brasileira, em geral alinhada à esquerda.
Seja na América Central, no Caribe ou mesmo
no Mercosul, a vitória de governos que têm bandeiras políticas semelhantes às
de Trump, como a ojeriza à imigração professada por José Antonio Kast,
recém-eleito para dirigir o Chile, ou o credo liberal radical esposado por
Javier Milei, na Argentina, dão um sinal verde para o avanço de políticas
definidas em Washington. Até recentemente, ao contrário, elas não gozavam de
popularidade na maioria dos países latino-americanos.
Na América do Sul, o Brasil começa a ficar
isolado. A segunda maior economia do Cone Sul, a Argentina, é claramente favorável
à orientação dos EUA, e tornou-se ainda mais fiel depois que o governo
americano providenciou um swap de emergência de US$ 20 bilhões para socorrer o
governo de Milei, além de auxiliá-lo a evitar uma maxidesvalorização com
compras de pesos, por bancos privados. Milei teve ampla vitória e aumentou as
chances de, com maior representação no Congresso, levar adiante sua agenda
liberal e antiperonista.
A maioria da população chilena consagrou os
partidos conservadores na eleição presidencial, mas não apenas isso: escolheu a
sua ala mais extremista, personificada por José Antonio Kast, que conseguiu ter
sucesso após duas tentativas fracassadas. Kast pôs fim à alternância entre
partidos moderados pendendo à direita e à esquerda, e proporcionou uma dura
derrota a Gabriel Boric, o mais jovem político progressista do país, que, no
entanto, não conseguiu realizar quase nenhum dos projetos para os quais foi
eleito.
A trajetória de Boric parecia promissora. É
raro para um político de esquerda fazer duras críticas à ditadura do presidente
da Venezuela, Nicolás Maduro, que é incensado pelo governo brasileiro, mas na
política doméstica não obteve apoio nem do Congresso nem da população. O
primeiro referendo para mudar a Constituição, feita durante do ditador general
Augusto Pinochet, mexeu excessivamente o pêndulo legal para a esquerda, e a
proposta acabou rejeitada amplamente por 62% dos votantes. Em seguida, um
conselho constituinte com a maioria de representantes da direita não conseguiu
consenso para aprovar as propostas de mudanças, que não foram adiante.
Aliado dos governos petistas, o governo
boliviano assistiu a um racha severo no Movimento ao Socialismo, com Evo
Morales, duas vezes presidente, e que queria continuar a ser apesar de a
Constituição não o permitir, e o candidato governista foi derrotado com grande
margem também pelas forças mais conservadoras. Após 20 anos de gestão do MAS,
dois candidatos direitistas decidiram o segundo turno, após eliminarem os
concorrentes esquerdistas. O novo presidente, Rodrigo Paz, do Partido Democrata
Cristão, que obteve 54% dos votos, espera que o apoio nas urnas seja suficiente
para que ele possa eliminar os subsídios aos combustíveis à população, uma
aposta heroica que pode colocar abaixo as esperanças com que o novo governo é
recebido.
No Mercosul, além de apoiar Milei, Trump fez
um acordo militar com o presidente paraguaio, Santiago Peña, um moderado
direitista do Partido Conservador, que permitirá o uso do país por tropas
americanas. O Paraguai assumiu a presidência rotativa do bloco. Há, além disso,
revolta da Argentina, que quer romper a união aduaneira para fazer um acordo
bilateral com os EUA.
A Venezuela já foi isolada pelo Mercosul por
não respeitar sua cláusula democrática e hoje está cercada pelas canhoneiras
dos Estados Unidos. Mas os governos ao redor tornaram-se mais hostis a Maduro.
Com exceção da Colômbia, do esquerdista Gustavo Petro, que enfrenta um duro
teste das urnas em maio e que ainda vê com benevolência a ditadura venezuelana,
Equador e Peru, assim como países da América Central, como o El Salvador do
radical Nayib Bukele, e agora Honduras, não têm boas relações com Maduro.
O equilíbrio de forças de repente parece favorecer Trump, que, com política dirigida a obter amplas licenças para explorar matérias-primas essenciais na nova corrida tecnológica, está disposto a interferir diretamente nas políticas dos países da região. Não é possível prever os efeitos dessas intervenções, mas, sim, os das políticas domésticas. A América Latina caminha para seu quarto ano consecutivo de baixo desempenho (crescimento previsto de 2,3% em 2026, segundo a Cepal), com baixa performance de seus principais países. Nenhum governo de direita ou de esquerda, que se revezam, governará em paz com políticas que não promovam expansão equilibrada, com melhoria da renda.
Soluções equilibradas para a exposição
digital
Por Correio Braziliense
O ambiente digital pode, sim, ser perverso.
Ao mesmo tempo, oferece aos jovens um rico mundo de informações e conhecimento
São a cada dia mais contundentes — e
irretorquíveis — os dados que mostram como o uso crescente de smartphones e
tablets tem gerado efeitos danosos em crianças e adolescentes. Os problemas
identificados por cientistas vão de impactos dolorosos sobre a saúde mental a
duras consequências físicas. Esse arco de desafios inclui aumento de distúrbios
de ansiedade, agravamento de problemas de sono e surgimento de disfunções
alimentares.
Na berlinda, estão não só as onipresentes
redes sociais, mas jogos em rede com exigências cada vez maiores de tempo
on-line e plataformas de vídeos com conteúdos inapropriados para cérebros ainda
em desenvolvimento. Nem os mais pequenos escapam. Divulgado neste mês, o estudo
"Proteção à primeira infância entre telas e mídias digitais" revelou
que, no Brasil, o acesso à internet entre bebês e crianças na pré-escola passou
de 11%, em 2015, para 23%, em 2024.
Também em dezembro, a Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz) publicou um informe revelando que jovens são, paradoxalmente, os
que mais se internam por problemas de saúde mental e os que menos procuram
ajuda. O estudo não tinha o objetivo de captar diretamente os impactos das
interações digitais no bem-estar psíquico, mas os autores ressaltaram que há
diversas pesquisas que "têm evidenciado que o uso intensivo das redes
sociais se configura como um fenômeno social contemporâneo com potencial de
gerar sofrimento psíquico entre jovens, afetando de forma diferenciada homens e
mulheres." Depressão e cyberbullying aparecem com riscos mais recorrentes.
O problema, evidentemente, não é simples. O
ambiente digital pode, sim, ser perverso. Ao mesmo tempo, oferece um rico mundo
de informações e conhecimento. E é preciso lidar com a realidade de muitas
famílias que se veem compelidas — por questões de segurança, por necessidade de
comunicação rápida, pelo desejo de permitirem contatos dos filhos com amigos, a
lista é interminável — a permitir o uso de aparelhos celulares por crianças
cada vez mais jovens.
A situação não será enfrentada com eficácia
se a complexidade do tema não for reconhecida. É possível, e até mesmo
desejável, restringir severamente o uso de aparelhos eletrônicos por jovens?
Basta a proibição de uso nas escolas, como adotado há pouco no Brasil? Ou a
solução está no modelo que acaba de ser formalizado na Austrália, com a
proibição de acesso de crianças e adolescentes até 16 anos às redes sociais? Há
alguma opção menos drástica a ser considerada?
O que é inegável e incontornável é a urgência
de famílias e autoridades públicas enfrentarem a questão. Com equilíbrio, sim,
mas sem medo. O ano que termina viu ser sancionado pelo governo federal o
Estatuto da Criança e do Adolescente Digital, o "ECA Digital". A
norma define maiores responsabilidades para as plataformas de redes sociais,
que deverão retirar conteúdos impróprios sem necessidade de ordem judicial e
garantir ferramentas de controle para os pais; estabelece medidas de proteção
para crianças e adolescentes em ambientes digitais, incluindo mecanismos de
verificação de idade; e impõe restrições a conteúdos considerados impróprios.
A criação do Eca Digital é um avanço. A sociedade brasileira precisa analisar, contudo, se ele é suficiente ou ainda apenas um passo no caminho rumo a um ambiente digital devidamente saudável.
Desincompatibilização e democracia
Por O Povo (CE)
A data de 3 de abril terá importância
especial no ano de 2026, que começaremos a vivenciar na próxima quinta-feira.
Trata-se do dia limite para quem ocupa cargo de confiança em gestões públicas,
nos três níveis da estrutura federativa brasileira, e pretende buscar mandato
eletivo em outubro, definir se permanecer nele ou, para atender determinação
legal, pede afastamento. As projeções indicam que será muita gente nas várias
instâncias.
Ministros e secretários estaduais e
municipais precisarão obedecer o prazo caso tenham intenção de candidatura, em
qualquer nível que isso venha a acontecer. Ação importante e necessária diante
de um histórico lamentável que acumulamos de uso da máquina pública em favor de
projetos pessoais, partidários ou de grupos políticos.
Nesse sentido, consideramos até irrelevante
saber quantos precisarão se afastar dos cargos, no governo federal, na gestão
estadual ou em prefeituras municipais. Em qualquer circunstância, fundamental
mesmo será que as instâncias responsáveis pela fiscalização das campanhas
consigam tolher abusos que se queira cometer a partir do uso do que é público
para o atendimento do interesses pessoais.
A obrigação de afastamento dos cargos,
prevista em regra da Constituição Federal, tem como principio básico garantir
que os candidatos e as candidatas submetem-se a um quadro no qual estejam
asseguradas as condições de igualdade. Claro que, nesse sentido, determinar o
afastamento de quem estiver a ocupá-los para ter direito a entrar em campanha
parece condição inicial para atender o espírito de justiça que deu base à ideia
transformada em lei.
O processo eleitoral brasileiro, no entanto,
precisa de muito mais do que isso para expressar o sentido efetivo do que
deseja a população, através do voto e da maioria que se manifeste. Em relação
àquilo que nos espera para 2026, especialmente considerando a realidade local,
cearense, espera-se um debate mais qualificado acerca dos problemas que têm
origem na ação de governo, dos erros eventuais cometidos pelo que exercem o
poder atualmente e, traçado o diagnóstico, que sejam apresentadas as propostas
de cada lado para o encaminhamento das soluções esperadas.
A troca de cadeiras que se espera para o começo de abril, com toda animação que pareça capaz de gerar no ambiente político, há de ser atendido no seu aspecto limitado, embora, reforcemos, necessário ao equilíbrio possível de forças. Deve preocupar mais aos políticos e aos partidos que cheguemos à campaha preparados para uma discussão de alto nível, que potencialize as fraquezas dos adversários, claro, faz parte, mas que busque também apontar os caminhos que podem nos levar a dias melhores. A democracia agradecerá se assim o for.

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