Folha de S. Paulo
No auge da revolta, tenhamos a sabedoria de
não culpar o mensageiro
A mesma imprensa que no governo Bolsonaro era
acusada de petista agora é pintada como aliada do ex-presidente
"Ninguém gosta do mensageiro que traz
notícias ruins", diz a famosa citação da "Antígona" de Sófocles.
Quem continua a trazer "notícias ruins" para todos os lados da
disputa política brasileira é a imprensa. Em 2026, ela continuará necessária
como sempre e atacada como nunca.
As reações de parte da esquerda à cobertura da imprensa sobre as possíveis
relações entre Banco Master e
ministros do Supremo tem seguido o roteiro que já conhecemos bem desde a Lava
Jato: especular sobre as intenções da própria imprensa e da jornalista, e não
sobre o teor do que tem sido noticiado. A lógica é: se a notícia é ruim para o
meu lado, então ela é falsa. O mensageiro é mau.
A mesma imprensa que no governo Bolsonaro era
acusada de petista agora é pintada como aliada do ex-presidente. Talvez ela só
seja, apesar de todas as críticas, independente? É claro que, como toda
profissão, o jornalismo brasileiro tem defeitos. A imprensa se beneficiaria,
por exemplo, de mais diversidade ideológica, mais pontos de vista dentro de
casa. Muitas empresas, inclusive, já estão trabalhando nisso. O que motiva as
críticas cada vez mais agressivas vindas da esquerda e da direita, contudo, não
são os defeitos, e sim suas virtudes.
Incomodar os dois lados é um sinal de jornalismo sério. Os diferentes grupos
que disputam o poder têm cada um sua narrativa. Diariamente, novos fatos
ocorrem que podem ser favoráveis às narrativas de um lado ou de outro. Como nenhum
lado tem o monopólio da ética ou do entendimento da realidade, é esperado que
surjam fatos ora favoráveis a um, ora a outro. Um jornal que seja —ou tente
ser— objetivo, refletirá essa variedade, e assim desagradará a todos em alguma
medida.
Isso porque, do lado dos leitores, a maioria de nós reage à notícia não pela
qualidade das evidências ou pela confiabilidade da publicação, mas pelo impacto
político. Ela favorece meu lado? Então é verdadeira. Ela prejudica o meu lado?
Então é falsa. Ou irrelevante; uma cortina de fumaça para encobrir a notícia
realmente relevante, aquela que prejudica meu adversário.
No passado, os leitores e espectadores
ficavam restritos à grande imprensa como sua fonte de informações. Hoje, o
consumidor de informação tem a seu dispor um cardápio infindável de fontes, que
vão do jornalismo mais sério até a página abertamente militante, cujo conteúdo
é feito sob medida para agradar a seus consumidores. Cabe a ele, e só a ele,
escolher.
O objetivo principal de um jornal sério, contudo, não é agradar, e sim informar
a população da forma mais objetiva possível, permitindo que o debate público
—parte central de uma democracia— tenha alguma aderência com a realidade e não
fique exclusivamente dependente de boatos e de propaganda. E isso pressupõe
leitores e espectadores que, hoje mais do que nunca, precisam cultivar em si a
disposição interna de valorizar mais a busca da verdade do que a confirmação de
suas preferências. É o grande desafio que se coloca a todo indivíduo neste
mundo em que os limites não virão de fora.
Com eleições, Copa, mudança climática e IA, 2026 promete ser ainda mais quente
que o 2025 que agora se encerra. Todos teremos muitos motivos para nos
indignar. No auge da revolta, no entanto, tenhamos a sabedoria de não culpar o
mensageiro. Feliz ano novo!

Nenhum comentário:
Postar um comentário