segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Alienação parental exige debate com menos ideologia

Por O Globo

Decisão da CCJ da Câmara que revoga lei poderá criar vazio jurídico. Senadores deveriam corrigir falhas

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou antes do recesso parlamentar a extinção da Lei de Alienação Parental de modo conclusivo, que prescinde da discussão em plenário. É essencial que o Senado se debruce com mais vagar sobre o tema e promova uma ampla discussão em busca de um ponto de equilíbrio entre a extinção, como quer a Câmara, ou a manutenção da situação atual.

O termo “alienação parental” resume as condutas e posturas de casais em separação litigiosa, ou de suas famílias, que usam os filhos para atingir o outro lado no conflito. Entre as práticas condenáveis classificadas pela lei estão: dificultar o contato da criança ou adolescente com pai ou mãe; mudar de endereço sem informar ao outro responsável; criar narrativas falsas para desqualificá-lo; impedir ou dificultar o acesso a informações sobre saúde, escola e outras atividades.

Em sua essência, a lei, aprovada em 2010, estabelece referências para que juízes decidam, com a maior segurança possível, em favor de pai ou de mãe, mas sempre em busca do melhor, do ponto de vista psicológico e afetivo, para os filhos. Desde 2020, os processos abertos com base na legislação não param de crescer. De 4.341 no início da década, chegaram a 7.157 no ano passado. Neste ano, até 31 de outubro já haviam sido instaurados 6.958. Ao todo, há 13.845 dessas ações tramitando, à espera de julgamento.

Há muito tempo a Lei de Alienação Parental é acusada por seus críticos de servir de instrumento de vingança de ex-marido contra ex-mulher. Um estudo do Núcleo de Pesquisas em Psicologia Jurídica com base em 404 acórdãos judiciais de quatro estados verificou que, em 63% dos casos, o pai é o autor da denúncia. Em muitos desses casos, argumentam os críticos, a guarda da criança acaba transferida a pais acusados de agressão ou abuso.

A revogação da lei, contudo, poderia abrir uma lacuna jurídica, deixando crianças e adolescentes desprotegidos em meio a conflitos familiares tóxicos, segundo Caio Morau, representante da Associação de Direito de Família e das Sucessões. Ele argumenta que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não compensaria a falta da lei. Morau propõe que se tornem mais duras as punições a quem manipula a legislação, desde que haja provas robustas. A solução, no entender dele, é aperfeiçoar a lei. “Não se pode penalizar uma legislação por eventuais usos abusivos”, afirmou à reportagem do GLOBO.

A tramitação na CCJ foi contaminada pela polarização política. Deputados do PT lideraram os votos favoráveis à extinção da lei, e o PL puxou a fila dos contrários. A divisão ficou expressa no placar de 38 votos pela revogação e 28 contra. Enxergar questões dessa natureza apenas pelas lentes ideológicas não contribui para construir uma legislação que assegure a melhor assistência possível aos filhos. Se o Senado referendar a revogação, perdem-se balizas legais em vários processos. Ainda que os tribunais resgatem jurisprudências já firmadas, tudo ficará mais difícil, mais lento e mais caro. Os senadores deveriam se esforçar por reformular a legislação de modo a corrigir as falhas, evitando criar um vácuo jurídico.

Regulação e fiscalização de ciclovias e ciclofaixas desafiam cidades

Por O Globo

Mistura de bicicletas comuns, elétricas, veículos autopropelidos e ciclomotores leva a caos e acidentes

O simples ato de pedalar em ciclovias e ciclofaixas nas cidades brasileiras tem se tornado atividade desafiadora, dada a profusão de veículos leves com velocidades variadas misturados a pedestres, corredores ou skatistas. O ambiente caótico não raramente acaba em acidentes ou discussões acaloradas sobre quem (não) tem razão. Em contraste com o excesso de veículos, costuma imperar a falta de regras, de fiscalização e de disposição dos usuários para compartilhar o espaço com um mínimo de civilidade.

Não é problema exclusivo do Brasil. A profusão de veículos leves tem obrigado cidades do mundo todo a se adaptar. As normas variam. Na União Europeia ou nos Estados Unidos, não diferem muito das brasileiras. Bicicletas comuns e elétricas (com pedal assistido, sem acelerador e velocidade de até 32 km/h) não exigem registro ou habilitação e podem circular em ciclovias. É o caso também de veículos autopropelidos (com motores de até 1.000 W e velocidade de até 32 km/h, como patinetes elétricas). Ciclomotores mais robustos (com potência de até 4.000W e velocidade de até 50 km/h) exigem registro, licenciamento e habilitação. Não podem circular em ciclovias.

A distinção de categorias, porém, não desfaz a confusão. Em diferentes cidades, novas regras tentam pôr ordem no caos. Com frota de 420 milhões de bicicletas elétricas, a China é referência. Além de impor normas rigorosas para a circulação, como limite de velocidade de 25 km/h e obediência a sinais de trânsito, as cidades chinesas têm investido na infraestrutura, expandindo as malhas cicloviárias tanto em extensão quanto em largura. Conhecida como cidade verde, Nanning, onde há uma bicicleta para cada 1,5 morador, chegou a implantar túneis e viadutos exclusivos para ciclistas.

No Brasil, em 2023, o Conselho Nacional de Trânsito estabeleceu regras gerais que só serão cobradas a partir de 1º de janeiro. A primeira é a obrigatoriedade de registro, licenciamento e habilitação para ciclomotores, proibidos em ciclovias. As prefeituras devem regulamentar e fiscalizar. Mas as normas ainda são confusas e, na prática, ninguém fiscaliza. A legislação criou uma zona cinzenta em relação aos autopropelidos, afirma a urbanista Danielle Hoppe, gerente de mobilidade ativa do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento. “Trata-se de uma categoria muito difusa, por isso difícil de fiscalizar”, diz ela. “Eles são tratados como bicicletas elétricas, mas não são bicicletas elétricas. Uma velocidade de 32 km/h numa ciclovia é alta. E velocidades vindas de fábrica são facilmente adulteradas. Como o registro não é obrigatório, nem se sabe quantos são.”

A expansão de veículos leves nas cidades deve ser celebrada. Eles não poluem, são silenciosos, permitem pequenos e médios deslocamentos de forma prática e ocupam menos espaço. Mas é preciso haver regras claras e fiscalização. Não só nas ciclovias e ciclofaixas. Eles andam pelas calçadas, desconhecem sinais de trânsito, mão das ruas ou faixas de pedestres. As prefeituras precisam agir com mais firmeza ou o que é solução virará problema.

Vetos derrubados indicam fragilidade presidencial

Por Folha de S. Paulo

Fenômeno decorre de aperfeiçoamento institucional, baixa popularidade e gestão deficiente da coalizão

Tratando-se de um Congresso fragmentado e muito permeável a interesses de curto prazo, seu protagonismo não assegura agenda coerente

Durante o governo Jair Bolsonaro (PL), era comum atribuir o grande número de vetos presidenciais derrubados pelo Congresso à inabilidade política, quando não hostilidade, do mandatário. O mesmo não se pode dizer de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), porém.

Levantamento feito pela Folha mostra que Lula —historicamente reconhecido pela capacidade de negociação— teve 49,4% de seus vetos rejeitados pelos parlamentares nos três primeiros anos deste seu terceiro mandato. O percentual supera os 44,2% do quadriênio bolsonarista.

Fora esses dois casos, não há nada parecido desde que a democracia foi restabelecida no país. O índice foi de um mísero 1,6% nos dois primeiros governos do líder petista; antes, 1% sob Fernando Henrique Cardoso (PSDB). As cifras se elevaram, é verdade, com Dilma Rousseff (PT), 4,9%, e Michel Temer (MDB), 14,6%.

Há mais de um motivo para o fenômeno. O primeiro é institucional: em 2013, o Congresso disciplinou normas e prazos para o exame dos vetos —até então, era comum que eles passassem anos, por vezes mais de uma década, sem serem avaliados.

O correto aperfeiçoamento da legislação também já era um sintoma do início do enfraquecimento do poder presidencial, naquele ano marcado pela onda de protestos populares que abalou a política brasileira. Dilma, então presidente, passou por queda de popularidade, uma reeleição difícil em 2014 e um processo de impeachment em 2016.

Desde então, com o acirramento da polarização, nenhum ocupante do Palácio do Planalto desfrutou de grandes taxas de prestígio no eleitorado, o que dificulta a fidelização de congressistas.

Temer conseguiu minimizar o problema ao dividir seu governo com as forças majoritárias no Parlamento.Já Bolsonaro, que de início recusou nomeações políticas em seu ministério, rendeu-se ao centrão em meados do mandato para evitar uma deposição.

Vitorioso em 2022 por margem mínima de votos, Lula procurou reeditar a fórmula de seus primeiros governos: entregou os principais postos ao PT e distribuiu pastas secundárias a aliados ao centro e à direita. No novo contexto político, enfrenta crescentes obstáculos à aprovação de seus projetos.

Em si, a derrubada de vetos presidenciais não é algo tão nocivo quanto a multiplicação de emendas parlamentares, outra consequência da fragilidade do Executivo. Ainda assim, elevam-se os riscos de instabilidade, pois tal procedimento não foi concebido para ser corriqueiro, exigindo maioria absoluta na Câmara dos Deputados (257 dos 513 votos) e no Senado (41 de 81).

Tratando-se de um Congresso fragmentado em mais de uma dezena de partidos de escassa consistência programática e, portanto, muito permeável a interesses de curto prazo e pressões de grupos organizados, seu protagonismo está longe de assegurar uma agenda coerente para o país.

Custos da violência armada para o SUS

Por Folha de S. Paulo

Monitorar gastos com ferimentos por arma de fogo é estratégia fundamental para integrar saúde e segurança

Em 2024, o custo médio por internação desse tipo foi de R$ 2.680, 159% maior do que a despesa federal per capita com saúde (R$ 1.033)

violência armada e a criminalidade não geram custos somente para o setor de segurança pública, mas também para o da saúde; este, por sua vez, pode fornecer dados que sirvam de base para refinar políticas locais em segurança.

Tal abordagem interdisciplinar é preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para que recursos sejam alocados de forma racional em ambas as áreas, contribuindo para a prevenir e conter ferimentos e mortes

Divulgada neste mês, pesquisa do Instituto sou da Paz, a partir do levantamento de dados do Sistema de Informações Hospitalares do Ministério da Saúde, busca mensurar esses custos.

Entre 2014 e 2024, foram gastos cerca de R$ 556 milhões em internações no SUS para cuidar de ferimentos causados por armas de fogo. Só em 2024, foram R$ 42,3 milhões, com custo médio de R$ 2.680 por internação —159% maior do que o gasto federal per capita com saúde (R$ 1.033).

Note-se que os montantes devem ser muito maiores, já que o estudo não mensura despesas de estados e municípios nem inclui atendimentos ambulatoriais, reabilitação física ou acompanhamento psicológico após a alta.

O perfil das vítimas internadas —homens (89%), negros (82%) e mais da metade entre 15 e 29 anos— reflete as características de quem está rotineiramente sujeito à violência armada.

Há também disparidades regionais: Norte e Nordeste apresentam taxas de internação de mais de duas vezes as de outras regiões, sendo que o Nordeste concentra 43% dos casos.

Ademais, o próprio acesso à saúde é impactado. Em territórios sujeitos a operações policiais, unidades de saúde precisam ser fechadas com frequência —no Rio de Janeiro, apenas até setembro deste ano, a violência armada levou a mais de 700 suspensões de atendimentos nesse serviço.

A orientação da OMS parte da ideia de que agressões por armas de fogo devem receber abordagem epidemiológica, com monitoramento contínuo de dados, para o desenvolvimento de estratégias e políticas em segurança e saúde de acordo com a situação endêmica não só de cidades mas de áreas urbanas específicas.

A formação de médicos e profissionais da saúde também precisa incluir esse fator, com protocolos de identificação de riscos que podem ser aplicados nas franjas do SUS, como as unidades de atenção primária e as equipes de saúde da família.

Problemas complexos exigem ações em rede entre órgãos e agências, e dimensionar custos é um primeiro passo nessa tarefa.

A mensuração do medo

Por O Estado de S. Paulo

Pesquisa atesta que grande parte dos brasileiros está alterando trajetos e deixando de atender celular na rua por temer violência, com enorme impacto nas relações sociais e na vida política

Uma pesquisa recente do Datafolha mensurou o medo: cada vez mais brasileiros estão mudando seus hábitos quando vão para a rua por causa da sensação de insegurança. Quando cidadãos se veem obrigados a adotar táticas de sobrevivência em seu cotidiano, isso significa que a violência venceu.

De acordo com o levantamento, 72% dos entrevistados afirmaram ter alterado algo em sua rotina por temerem a violência. O medo levou 56% dos brasileiros a deixarem de usar o celular nas ruas, em veículos e até mesmo em ambientes fechados fora de casa. Segundo a pesquisa, 36% contaram ter feito outro caminho para o trabalho ou a escola, 31% passaram a andar sem aliança no dedo e 27% pararam de fazer algo prazeroso. Um em cada quatro brasileiros nem sequer sai de casa mais.

Essa sensação de vulnerabilidade generalizada diante da perspectiva da violência urbana atravessa todas as faixas etárias, afeta tanto homens quanto mulheres e é suprapartidária. Segundo a pesquisa, independentemente da idade, no mínimo sete em cada dez brasileiros têm medo da violência. No recorte de sexo, o índice é de 68% entre os homens e chega a 76% entre as mulheres. E tanto quem votou em Luiz Inácio Lula da Silva (70%) como quem votou em Jair Bolsonaro (76%) vive com medo.

Hoje apenas a saúde preocupa mais os brasileiros do que a segurança pública. Segundo o Datafolha, 20% dos entrevistados consideram a saúde o maior problema do País, seguido de 16% que apontam a segurança pública. Aliás, a segurança pública superou até mesmo as aflições do brasileiro em relação à economia – maior preocupação para 11% dos entrevistados.

Tudo isso faz desse tema uma pauta da classe política, que está bastante atenta às demandas do ano eleitoral que se avizinha. São discussões de propostas de legislação para endurecer penas de crimes e também aprimorar o combate ao crime organizado. Não raro, infelizmente, o debate é contaminado pela demagogia.

É difícil falar em qualidade de vida num país cuja população vive amedrontada com a possibilidade de ser assaltada quando sai de casa para trabalhar, estudar e se divertir ou, pior, de ser até vítima de um latrocínio, o roubo seguido de morte. E esse medo, em que pesem as pontuais variações regionais, está disseminado de norte a sul do País.

De acordo com o Datafolha, mudaram algum hábito por temer a violência 74% dos entrevistados do Nordeste, 75% dos do Centro-Oeste/Norte e 76% dos do Sudeste. Significa dizer que três em cada quatro pessoas em 24 das 27 Unidades da Federação se sentem acuadas. A situação é até um pouco melhor no Sul, mas nem por isso menos aflitiva, haja vista que mais da metade (54%) dos entrevistados dessa região disseram também ter alterado algo de sua rotina por medo da violência. Não dá para dizer que essa seja uma sensação de segurança.

Esse índice é particularmente assustador entre os moradores das regiões metropolitanas, onde chega à marca de 80% dos entrevistados. Engana-se quem pensa que morar no interior significa estar em paz: 66% dos entrevistados das pequenas cidades brasileiras também sentem medo da violência.

E esse temor é particularmente mais forte entre as mulheres. Segundo as entrevistadas, 38% delas disseram já ter mudado o caminho; 62% não tiveram coragem de usar o celular em ambiente público; 31% deixaram de fazer algo que lhes dá prazer; e 29% pararam de sair de casa. Em absolutamente todos os hábitos questionados pelo Datafolha as entrevistadas manifestaram sentir mais medo do que os homens, o que indica uma sociedade bastante hostil às mulheres.

O impacto dessa situação é enorme – nas relações sociais, na produtividade e na própria democracia, porque o medo esgarça laços de solidariedade, fere o senso de comunidade e reduz a disposição para aceitar o diferente, que passa a ser visto como ameaça.

Tudo isso colabora para que soluções de força, muitas vezes ao arrepio das leis e dos direitos humanos, sejam consideradas aceitáveis, tornando-se parte de discursos eleitoralmente potentes.

Só discurso não basta

Por O Estado de S. Paulo

Governo recuperou espaço no debate climático e registrou avanços no desmatamento, mas ainda falha em transformar compromissos ambientais em políticas permanentes e mensuráveis

O Brasil voltou a falar a língua da agenda climática e ambiental, imprescindível diante de problemas domésticos graves, como o desmatamento na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal e na Mata Atlântica, além dos desafios globais impostos pelas mudanças do clima. Recuperou espaço no debate internacional e reiterou compromissos climáticos – ainda que, seguindo o padrão lulopetista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha aproveitado a retomada para se apresentar como o verdadeiro herói da floresta e salvador do planeta. Esse reposicionamento, sobretudo quando comparado ao negacionismo e ao isolamento internacional da época de Jair Bolsonaro, não resolve o problema central da política ambiental brasileira. O País ainda patina naquilo que de fato distingue governos sérios de governos performáticos: a capacidade de transformar compromissos em políticas consistentes, mensuráveis e permanentes.

Os dados recentes permitem reconhecer avanços sem cair em triunfalismos. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento na Amazônia Legal caiu cerca de 50% em relação a 2022, alcançando em 2024 aproximadamente 6,5 mil km², uma das menores taxas da série histórica. No Cerrado, a redução foi superior a 32,3% e, segundo o MapBiomas, na média de todos os biomas o desmatamento chegou a 30% (dados de 2024). Também houve queda de 40% na área atingida por incêndios florestais. São resultados relevantes, ainda que insuficientes para assegurar o cumprimento da meta de desmatamento zero até 2030.

Os números positivos não encerram o debate, apenas o qualificam. O patamar absoluto segue elevado para um país que se apresenta como liderança ambiental, e a trajetória permanece vulnerável a retrocessos. A redução foi irregular, com meses de alta expressiva nos alertas de desmatamento, o que revela uma política ainda dependente de ações concentradas e episódicas. Política ambiental que oscila conforme a conjuntura não se consolida como política de Estado.

A fragilidade se repete em outras frentes. O combate às economias ilegais que sustentam a devastação – garimpo, grilagem, extração ilegal de madeira – continua aquém do necessário. Falta coordenação permanente entre órgãos federais, governos estaduais e prefeituras, enquanto sobram operações pontuais e anúncios ruidosos. O resultado é previsível: ganhos momentâneos seguidos de recaídas.

No campo da transição energética, a dissonância é ainda mais evidente. O Brasil segue ancorando sua narrativa verde na virtude histórica de uma matriz elétrica relativamente limpa, mas isso está longe de caracterizar uma transição efetiva. A dependência de petróleo e gás permanece elevada – e não há alternativa economicamente viável que justifique um cenário diferente. Fora do setor elétrico, a descarbonização caminha lentamente, sem cronograma claro, sem política industrial robusta e sem articulação entre energia, mobilidade e desenvolvimento produtivo. O Plano Clima, aprovado este mês, ainda tem um longo percurso para construir consenso entre os diversos setores da economia.

Resta o que ficou evidente na COP-30, em Belém: a transição energética só será viável se for barata, segura e politicamente vendável – premissas que exigem inovação maciça, barateamento tecnológico e crescimento. Nos limites expostos na conferência, ficou evidente, de um lado, que países ricos resistem a aumentar sua contribuição para o financiamento das ações climáticas; de outro, que países pobres e emergentes se recusam a pagar a conta, informando que não sacrificarão crescimento e industrialização.

A complexidade da agenda também requer amadurecimento de setores do ambientalismo, que ainda reluta em enfrentar as escolhas difíceis que a transição impõe: custos econômicos, impactos sociais, restrições fiscais e necessidade de investimento privado. Defender objetivos maximalistas sem discutir meios, prazos e trade-offs fragiliza a agenda ambiental.

O desafio imposto à política ambiental brasileira, portanto, é consolidar os avanços obtidos e transformá-los em trajetória permanente, reduzindo a dependência da mitificação retórica. Isso exige governança estável, fiscalização protegida de interferência política, orçamento previsível e coordenação federativa eficaz. Exige, sobretudo, abandonar a fantasia de que retórica substitui execução.

O sufoco das empresas

Por O Estado de S. Paulo

Juros nas alturas ajudam a levar um número assustador de pequenas empresas ao calote

Mais de 94% dos 8,7 milhões de CNPJs inadimplentes em outubro pertencem a micro, pequenas e médias empresas, como destacou o indicador do Serasa divulgado pelo Estadão. A proporção esmagadora é uma amostra inequívoca do lado da corda que arrebenta primeiro diante da persistência da política de gastos do governo federal, que empurra os juros às alturas, tornando o crédito mais difícil e sufocando a capacidade de renegociação de dívida das empresas menores.

Desde que a pesquisa começou a ser apurada, em março de 2016, o calote nunca foi tão representativo, alcançando o total de R$ 204,8 bilhões. Este ano, o total de inadimplentes aumentou continuamente mês a mês, e em outubro já acumulava 1,8 milhão de empresas a mais em relação a dezembro do ano passado. São negócios atingidos em cheio pela combinação de fatores que têm à frente a alta de juros – num período em que a taxa básica, Selic, estacionou em 15% – e a inflação, que atravessou quase todo o ano acima do limite máximo de 4,5% para uma meta de 3% ao ano.

Os juros exorbitantes encarecem o crédito e prejudicam principalmente as empresas menores, que dispõem de menos mecanismos de financiamento. A inflação aumenta os custos operacionais e pressiona as margens de lucro. Ambos, juros e inflação, são consequência direta da política fiscal expansionista adotada desde o início deste terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Essa política, que marca as gestões petistas, faz agora um estrago maior em razão da tensão geopolítica global, que tem derrubado as cotações das commodities, nosso principal produto de exportação.

À expansão dos gastos públicos, o governo Lula adiciona medidas de incentivo ao consumo e contribui para engrossar o caldo da inadimplência, que atinge não apenas as empresas, mas também as pessoas físicas. Dados de novembro, de outra pesquisa da Serasa Experian, mostrou que há 80,6 milhões de endividados, o maior contingente de toda a série histórica, que registrou 11 meses consecutivos de alta.

Em janeiro de 2023, o Brasil contava 70,1 milhões de endividados, de acordo com a série da Serasa. Lula assumiu prometendo retirar todos da inadimplência. A meta populista do programa Desenrola, lançado em julho daquele ano, era zerar as dívidas em atraso de 70 milhões de pessoas. Ele foi oficialmente encerrado em maio de 2024, com o governo divulgando a adesão de 15,5 milhões ao programa. Hoje, tanto o total de pessoas como o volume das dívidas estão maiores.

Isso mostra que, por mais bem intencionadas que sejam iniciativas para a redução da inadimplência, o endividamento não será resolvido por medidas pontuais. Pessoas físicas e jurídicas estão inadimplentes em despesas correntes, operacionais, o que expõe a necessidade de uma mudança estrutural. O governo precisa criar as condições para a queda da taxa de juros, buscando a redução da inflação, esse fantasma que assombra empresas e consumidores. Espremido entre inflação e juros altos, o batalhão de endividados continuará a crescer.

Desaceleração da China e bolha da IA são riscos em 2026

Por Valor Econômico

Os juros de longo prazo serão mais altos, a rolagem de dívidas crescentes será mais cara, e as suspeitas sobre solvência fiscal, mais disseminadas e frequentes

Um ano que se desenhava terrível para a economia global, com a guerra tarifária do presidente Donald Trump, terminou com um crescimento normal, ao redor de 3%. Não houve a temida recessão geral, o comércio mundial não entrou em depressão e mostrou-se resistente, embora tenha mudado suas rotas, em muitos casos se desviando dos Estados Unidos. Uma boa parte das economias punidas pelas tarifas americanas conseguiu até mesmo aumentar suas exportações totais. A China, alvo principal da ofensiva protecionista dos EUA, obteve o maior superávit de sua história, de US$ 1,08 trilhão até novembro, mesmo depois que as barreiras lhes custassem US$ 100 bilhões em vendas perdidas no mercado americano. Impasses geopolíticos persistem sem solução: a Rússia avança posições na Ucrânia invadida, e o conflito de Israel com os palestinos vive uma trégua instável e precária.

A reviravolta protecionista de Trump não provocou os grandes estragos previstos por muitos motivos. O primeiro é que ele voltou atrás nas tarifas extorsivas em muitos casos, principalmente em relação à China. Movimentos de antecipação de compras diante da imposição tarifária impediram que o aumento dos preços desabasse imediatamente nos preços, diluindo-os ao longo dos meses. E, de maneira global, como explica o Relatório de Política Monetária do Banco Central (BC) de dezembro, "no curto e médio prazos, a combinação de políticas monetárias menos contracionistas e políticas fiscais mais expansionistas continuam sustentando a atividade nas principais economias e se contrapondo à persistente incerteza de política econômica".

O ano de 2026 será definido pelo desempenho das duas maiores potências, China e EUA. A economia chinesa deve desacelerar, o que reduzirá seu apetite por commodities e a incentivará a continuar acelerando exportações enquanto tenta reerguer o consumo interno. A economia americana mantém-se forte (expansão de 4,3% no terceiro trimestre) e pode crescer mais no ano que vem, quando entra em vigor o pacote de corte de impostos de Trump. A inflação americana ainda está longe da meta, perto de 3%.

O BC brasileiro aponta dois fatos que terão implicações de 2026 em diante. O ciclo de flexibilização monetária está perto do fim em praticamente todas as economias avançadas, mas a estabilização dos juros tem se dado em um nível bem superior ao das taxas do período 2010-2019.

O endividamento crescente dos países desenvolvidos foi feito a taxas muito baixas ou até mesmo negativas até o fim da pandemia, mas isso acabou. Os juros de longo prazo serão mais altos, a rolagem de dívidas crescentes será mais cara, e as suspeitas sobre solvência fiscal, mais disseminadas e frequentes. Mesmo assim, não há sinais de que um aperto fiscal nas principais economias. Ao contrário. A Europa entrará em escalada armamentista para se reequipar, depois que o guarda-chuva de proteção americano lhe foi rispidamente fechado, e prepara gastos de 800 bilhões de euros.

Os EUA, mesmo reservando mais dinheiro a seu orçamento de defesa, reduziu impostos e seu endividamento subirá por isso algo entre US$ 4,5 trilhões a US$ 5,5 trilhões em uma década. O déficit público chinês, de 90% do PIB, e o rombo fiscal nominal, de 8,5% do PIB, tampouco declinarão. Em sua revisão da economia da China, o Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendou políticas fiscais expansionistas para estimular o consumo, reduzir o excesso de produção, apreciar o câmbio e sustentar o crescimento. O FMI prevê que o PIB chinês cresça 4,5% em 2026 e a OCDE, 4,4%, menores taxas de expansão do país em ao menos duas décadas, exceto na pandemia.

Se o ritmo da desaceleração econômica chinesa traz preocupação sobre seu impacto, em especial nos países emergentes, possíveis instabilidades financeiras nos EUA poderão frustrar um ambiente previsto de desaceleração suave da economia mundial. Boa parte da expansão dos EUA está baseada nos investimentos em inteligência artificial das Big Techs, cuja necessidade de financiamento é estimada em US$ 1,5 trilhão pelo Morgan Stanley (FT, 24-12). As empresas não têm tido dificuldades em obter recursos, mas crescem as dúvidas sobre os resultados. Uma performance abaixo das altas expectativas criadas levará a uma correção intensa da Bolsa de Nova York, dando início a uma reprecificação abrupta de ativos globais, com forte potencial destrutivo.

Outras futuras complicações podem estar sendo gestadas nos EUA. Trump está prestes a divulgar o sucessor de Jerome Powell no Federal Reserve (Fed, o BC americano), cujo mandato expira em maio. A julgar pelos votos de outro indicado seu à diretoria, Stephen Miran, é bastante plausível que o escolhido resolva reduzir bem mais os juros, já próximos do nível neutro (3%). O secretário do Tesouro, Scott Bessent, levantou do nada a ideia de mudar a meta de inflação, acrescentando-lhe uma banda de variação.

Um erro de calibragem nos juros americanos aqueceria uma economia já impulsionada por abatimentos fiscais, derrubaria o dólar e jogaria a inflação para cima. As taxas de longo prazo disparariam, encarecendo o custo de financiamento das dívidas soberanas de países já muito endividados, Brasil incluído.

Desmatamento: uma prática que o Brasil precisa banir

Por Correio Braziliense

A perda de vegetação nativa segue elevada, com consequências diretas para a biodiversidade, o clima global e a qualidade de vida

Entre os eventos de importância da agenda do Brasil durante 2025, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada em Belém, no Pará, no mês de novembro, foi destaque. Marcado pelo esforço de implementar compromissos assumidos em edições anteriores — em especial, as metas do Acordo de Paris e a transição energética para fontes renováveis, além de aumentar o financiamento para países em desenvolvimento, promovendo a justiça ambiental —, o encontro deixou legados significativos. Mas, diante dos desafios da atualidade que vêm afetando progressivamente a vida no planeta, uma prática antiga no Brasil permanece presente: o desmatamento.

As estatísticas mais recentes mostram avanços, porém também revelam o tamanho do problema. Entre agosto de 2024 e julho de 2025, a Amazônia Legal perdeu cerca de 5.796 quilômetros quadrados de floresta, uma diminuição de 11,08% em comparação ao ano anterior, atingindo o menor índice em 11 anos, segundo o Projeto de Monitoramento do Desmatamento por Satélite (Prodes) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No Cerrado, a queda foi de 11,49%, passando para 7.235 quilômetros quadrados de áreas desmatadas. Ambas as reduções são expressivas; no entanto, os números indicam pressão contínua sobre áreas verdes de relevância fundamental. Os dados traduzem uma realidade que não é nova: há progresso derivado de políticas públicas e fiscalização reforçada, mas a perda de vegetação nativa segue elevada, com consequências diretas para a biodiversidade, o clima global e a qualidade de vida.

Diante da guerra contra a devastação ambiental no país, uma das batalhas é dissociar a ideia de que preservação é sinônimo de estagnação econômica. Estudos e experiências nacionais e internacionais demonstram que internalizar valores ambientais em cadeias produtivas atrai investimentos responsáveis e amplia os valores agregados. Nesse sentido, o setor privado tem papel central e precisa operar com transparência, rastreabilidade de origem, redução de emissões e respeito ecológico.

Já a atuação do Estado tem de ser robusta e articulada, sempre em sintonia com a produção. O fortalecimento dos órgãos de fiscalização ambiental não pode ser encarado como despesa. Ao contrário: é investimento para garantir uma economia sólida. A tecnologia aplicada para manter o monitoramento e criar sistemas de controle eficiente deve estar em constante aprimoramento.

Por sua vez, a sociedade é parte vital no combate ao desmatamento e deve atuar como agente ativo de transformação ambiental, econômica e cultural. A preservação das florestas não depende apenas de governos, da fiscalização e do cumprimento de leis; ela se consolida quando valores, escolhas e práticas sociais caminham nessa direção. Normalmente, ações ligadas à devastação e à exploração predatória só prosperam porque encontram "mercado".

A mobilização e o controle cidadão — por meio de denúncias e vigilância das políticas públicas —, aliados à mudança de hábitos, são capazes de impedir retrocessos e têm a força necessária para promover o fim do desmatamento ilegal. Preservar o meio ambiente não é tarefa somente institucional e governamental. É uma responsabilidade compartilhada, que exige uma sociedade informada, mobilizada e comprometida com um plano de desenvolvimento que reconheça a floresta e a vegetação não como obstáculos, mas como bases estratégicas para o futuro do Brasil. 

Brasil não alcança meta para erradicar tuberculose

Por O Povo (CE)

O Ministério da Saúde faria bem se, em sua política de combate à doença, considerasse o estudo e as sugestões indicadas pela Fiocruz Bahia

Com o propósito de erradicar a doença do mundo até 2035, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou em 2014 o programa Estratégia Fim da Tuberculose. A meta para o Brasil, em 2025, era reduzir 50% da incidência e 75% da mortalidade. O País, porém, registrou uma tendência contrária e viu o número de infecções aumentar desde 2015.

Foram registrados 85 mil casos de tuberculose no território brasileiro no ano passado, com seis mil mortes, sendo uma das doenças infecciosas que mais mata no Brasil. As informações foram divulgadas pela plataforma de notícias Deutsche Welle (DW).

Em 2023, haviam sido registrados 39,7 casos de tuberculose por 100 mil habitantes, acima da média da OMS, de 6,7 casos por 100 mil. Estudo da Fiocruz Bahia publicado no início do ano prevê aumento na taxa, podendo chegar a 42,1 por 100 mil habitantes até 2030.

A Fiocruz Bahia já vinha alertando, conforme reportagem publicada pela Agência Brasil em fevereiro deste ano, que as políticas públicas em curso eram insuficientes para atingir a meta preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a eliminação da tuberculose. Ao contrário, o estudo indicava tendência de aumento da doença.

O levantamento foi feito a partir da análise de registros da doença entre janeiro de 2018 e dezembro de 2023. Os pesquisadores, anotou a Agência Brasil, não questionaram a importância das políticas públicas que vinham sendo aplicadas, mas defendiam a criação de estratégias integradas, apontando os desafios que deveriam ser enfrentados. Entre outras medidas, os cientistas ressaltaram também a necessidade de aprimorar os programas de controle da tuberculose nas prisões.

O encarceramento em massa como fator determinante da epidemia de tuberculose na América Latina e os efeitos projetados de políticas alternativas, publicado em 2024. Embora a incidência global da doença tenha diminuído 8,7% desde 2015, na América Latina aumentou 19%.

Coautor do estudo, o professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) Júlio Croda disse à DW que 37% das infecções no Brasil estão ligadas ao encarceramento, ainda que não diretamente aos presos. São pessoas expostas à infecção quando privados de liberdade, mas que desenvolvem a doença somente depois de soltos.

No entanto, em informativo divulgado no dia 8/12, o Ministério da Saúde (MS) destaca que, segundo a OMS, o Brasil manteve uma das maiores taxas de detecção da tuberculose em 2024. No entanto, o MS nada comenta sobre o aumento dos casos, mas reconhece que o Boletim Epidemiológico Tuberculose 2025, registrou 85.936 casos novos em 2024, e que ocorreram 6.025 mortes no país em decorrência da doença.

O Ministério da Saúde faria bem se, em sua política de combate à doença, considerasse o estudo e as sugestões indicadas pela Fiocruz Bahia.

 

 

 

 

 

 

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