Alienação parental exige debate com menos ideologia
Por O Globo
Decisão da CCJ da Câmara que revoga lei
poderá criar vazio jurídico. Senadores deveriam corrigir falhas
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
da Câmara aprovou antes do recesso parlamentar a extinção da Lei de Alienação
Parental de modo conclusivo, que prescinde da discussão em plenário. É
essencial que o Senado se debruce com mais vagar sobre o tema e promova uma
ampla discussão em busca de um ponto de equilíbrio entre a extinção, como quer
a Câmara, ou a manutenção da situação atual.
O termo “alienação parental” resume as condutas e posturas de casais em separação litigiosa, ou de suas famílias, que usam os filhos para atingir o outro lado no conflito. Entre as práticas condenáveis classificadas pela lei estão: dificultar o contato da criança ou adolescente com pai ou mãe; mudar de endereço sem informar ao outro responsável; criar narrativas falsas para desqualificá-lo; impedir ou dificultar o acesso a informações sobre saúde, escola e outras atividades.
Em sua essência, a lei, aprovada em 2010,
estabelece referências para que juízes decidam, com a maior segurança possível,
em favor de pai ou de mãe, mas sempre em busca do melhor, do ponto de vista
psicológico e afetivo, para os filhos. Desde 2020, os processos abertos com
base na legislação não param de crescer. De 4.341 no início da década, chegaram
a 7.157 no ano passado. Neste ano, até 31 de outubro já haviam sido instaurados
6.958. Ao todo, há 13.845 dessas ações tramitando, à espera de julgamento.
Há muito tempo a Lei de Alienação Parental é
acusada por seus críticos de servir de instrumento de vingança de ex-marido
contra ex-mulher. Um estudo do Núcleo de Pesquisas em Psicologia Jurídica com
base em 404 acórdãos judiciais de quatro estados verificou que, em 63% dos
casos, o pai é o autor da denúncia. Em muitos desses casos, argumentam os
críticos, a guarda da criança acaba transferida a pais acusados de agressão ou
abuso.
A revogação da lei, contudo, poderia abrir
uma lacuna jurídica, deixando crianças e adolescentes desprotegidos em meio a
conflitos familiares tóxicos, segundo Caio Morau, representante da Associação
de Direito de Família e das Sucessões. Ele argumenta que o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA) não compensaria a falta da lei. Morau propõe que se
tornem mais duras as punições a quem manipula a legislação, desde que haja
provas robustas. A solução, no entender dele, é aperfeiçoar a lei. “Não se pode
penalizar uma legislação por eventuais usos abusivos”, afirmou à reportagem do
GLOBO.
A tramitação na CCJ foi contaminada pela
polarização política. Deputados do PT lideraram os votos favoráveis à extinção
da lei, e o PL puxou a fila dos contrários. A divisão ficou expressa no placar
de 38 votos pela revogação e 28 contra. Enxergar questões dessa natureza apenas
pelas lentes ideológicas não contribui para construir uma legislação que
assegure a melhor assistência possível aos filhos. Se o Senado referendar a
revogação, perdem-se balizas legais em vários processos. Ainda que os tribunais
resgatem jurisprudências já firmadas, tudo ficará mais difícil, mais lento e
mais caro. Os senadores deveriam se esforçar por reformular a legislação de
modo a corrigir as falhas, evitando criar um vácuo jurídico.
Regulação e fiscalização de ciclovias e
ciclofaixas desafiam cidades
Por O Globo
Mistura de bicicletas comuns, elétricas,
veículos autopropelidos e ciclomotores leva a caos e acidentes
O simples ato de pedalar em ciclovias e
ciclofaixas nas cidades brasileiras tem se tornado atividade desafiadora, dada
a profusão de veículos leves com velocidades variadas misturados a pedestres,
corredores ou skatistas. O ambiente caótico não raramente acaba em acidentes ou
discussões acaloradas sobre quem (não) tem razão. Em contraste com o excesso de
veículos, costuma imperar a falta de regras, de fiscalização e de disposição
dos usuários para compartilhar o espaço com um mínimo de civilidade.
Não é problema exclusivo do Brasil. A
profusão de veículos leves tem obrigado cidades do mundo todo a se adaptar. As
normas variam. Na União Europeia ou nos Estados Unidos, não diferem muito das
brasileiras. Bicicletas comuns e elétricas (com pedal assistido, sem acelerador
e velocidade de até 32 km/h) não exigem registro ou habilitação e podem
circular em ciclovias. É o caso também de veículos autopropelidos (com motores
de até 1.000 W e velocidade de até 32 km/h, como patinetes elétricas).
Ciclomotores mais robustos (com potência de até 4.000W e velocidade de até 50
km/h) exigem registro, licenciamento e habilitação. Não podem circular em
ciclovias.
A distinção de categorias, porém, não desfaz
a confusão. Em diferentes cidades, novas regras tentam pôr ordem no caos. Com
frota de 420 milhões de bicicletas elétricas, a China é referência. Além de
impor normas rigorosas para a circulação, como limite de velocidade de 25 km/h
e obediência a sinais de trânsito,
as cidades chinesas têm investido na infraestrutura, expandindo as malhas
cicloviárias tanto em extensão quanto em largura. Conhecida como cidade verde,
Nanning, onde há uma bicicleta para cada 1,5 morador, chegou a implantar túneis
e viadutos exclusivos para ciclistas.
No Brasil, em 2023, o Conselho Nacional de
Trânsito estabeleceu regras gerais que só serão cobradas a partir de 1º de
janeiro. A primeira é a obrigatoriedade de registro, licenciamento e
habilitação para ciclomotores, proibidos em ciclovias. As prefeituras devem
regulamentar e fiscalizar. Mas as normas ainda são confusas e, na prática,
ninguém fiscaliza. A legislação criou uma zona cinzenta em relação aos
autopropelidos, afirma a urbanista Danielle Hoppe, gerente de mobilidade ativa
do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento. “Trata-se de uma
categoria muito difusa, por isso difícil de fiscalizar”, diz ela. “Eles são
tratados como bicicletas elétricas, mas não são bicicletas elétricas. Uma
velocidade de 32 km/h numa ciclovia é alta. E velocidades vindas de fábrica são
facilmente adulteradas. Como o registro não é obrigatório, nem se sabe quantos
são.”
A expansão de veículos leves nas cidades deve ser celebrada. Eles não poluem, são silenciosos, permitem pequenos e médios deslocamentos de forma prática e ocupam menos espaço. Mas é preciso haver regras claras e fiscalização. Não só nas ciclovias e ciclofaixas. Eles andam pelas calçadas, desconhecem sinais de trânsito, mão das ruas ou faixas de pedestres. As prefeituras precisam agir com mais firmeza ou o que é solução virará problema.
Vetos derrubados indicam fragilidade
presidencial
Por Folha de S. Paulo
Fenômeno decorre de aperfeiçoamento
institucional, baixa popularidade e gestão deficiente da coalizão
Tratando-se de um Congresso fragmentado e
muito permeável a interesses de curto prazo, seu protagonismo não assegura
agenda coerente
Durante o governo Jair
Bolsonaro (PL), era comum atribuir o
grande número de vetos presidenciais derrubados pelo Congresso à inabilidade
política, quando não hostilidade, do mandatário. O mesmo não se pode dizer de
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
porém.
Levantamento feito pela Folha mostra
que Lula —historicamente reconhecido pela capacidade de negociação— teve 49,4% de
seus vetos rejeitados pelos parlamentares nos três primeiros
anos deste seu terceiro mandato. O percentual supera os 44,2% do quadriênio
bolsonarista.
Fora esses dois casos, não há nada parecido
desde que a democracia foi restabelecida no país. O índice foi de um mísero
1,6% nos dois primeiros governos do líder petista; antes, 1% sob Fernando
Henrique Cardoso (PSDB).
As cifras se elevaram, é verdade, com Dilma
Rousseff (PT), 4,9%, e Michel Temer (MDB), 14,6%.
Há mais de um motivo para o fenômeno. O
primeiro é institucional: em 2013, o Congresso disciplinou normas e prazos para
o exame dos vetos —até então, era comum que eles passassem anos, por vezes mais
de uma década, sem serem avaliados.
O correto aperfeiçoamento da legislação
também já era um sintoma do início do enfraquecimento do poder presidencial,
naquele ano marcado pela onda de protestos populares que abalou a política
brasileira. Dilma, então presidente, passou por queda de popularidade, uma
reeleição difícil em 2014 e um processo de impeachment em 2016.
Desde então, com o acirramento da
polarização, nenhum ocupante do Palácio do Planalto desfrutou de grandes taxas
de prestígio no eleitorado, o que dificulta a fidelização de congressistas.
Temer conseguiu minimizar o problema ao
dividir seu governo com as forças majoritárias no Parlamento.Já Bolsonaro, que
de início recusou nomeações políticas em seu ministério, rendeu-se ao centrão
em meados do mandato para evitar uma deposição.
Vitorioso em 2022 por margem mínima de votos,
Lula procurou reeditar a fórmula de seus primeiros governos: entregou
os principais postos ao PT e distribuiu pastas secundárias a aliados
ao centro e à direita. No novo contexto político, enfrenta crescentes
obstáculos à aprovação de seus projetos.
Em si, a derrubada de vetos presidenciais não
é algo tão nocivo quanto a multiplicação de emendas parlamentares, outra
consequência da fragilidade do Executivo. Ainda assim, elevam-se os riscos de
instabilidade, pois tal procedimento não foi concebido para ser corriqueiro,
exigindo maioria absoluta na Câmara dos
Deputados (257 dos 513 votos) e no Senado (41
de 81).
Tratando-se de um Congresso fragmentado em
mais de uma dezena de partidos de escassa consistência programática e,
portanto, muito permeável a interesses de curto prazo e pressões de grupos
organizados, seu protagonismo está longe de assegurar uma agenda coerente para
o país.
Custos da violência armada para o SUS
Por Folha de S. Paulo
Monitorar gastos com ferimentos por arma de
fogo é estratégia fundamental para integrar saúde e segurança
Em 2024, o custo médio por internação desse
tipo foi de R$ 2.680, 159% maior do que a despesa federal per capita com saúde
(R$ 1.033)
A violência armada
e a criminalidade não geram custos somente para o setor de segurança pública,
mas também para o da saúde;
este, por sua vez, pode fornecer dados que sirvam de base para refinar
políticas locais em segurança.
Tal abordagem interdisciplinar é preconizada
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para que
recursos sejam alocados de forma racional em ambas as áreas, contribuindo para
a prevenir e conter ferimentos e mortes
Divulgada neste mês, pesquisa do
Instituto sou da Paz, a partir do levantamento de dados do Sistema
de Informações Hospitalares do Ministério da
Saúde, busca mensurar esses custos.
Entre 2014 e 2024, foram gastos cerca de R$
556 milhões em internações no SUS para
cuidar de ferimentos causados por armas de fogo. Só em 2024, foram R$ 42,3
milhões, com custo médio de R$ 2.680 por internação —159% maior do que o gasto
federal per capita com saúde (R$ 1.033).
Note-se que os montantes devem ser muito
maiores, já que o estudo não mensura despesas de estados e municípios nem
inclui atendimentos ambulatoriais, reabilitação física ou acompanhamento
psicológico após a alta.
O perfil das vítimas internadas —homens
(89%), negros (82%) e mais da metade entre 15 e 29 anos— reflete as
características de quem está rotineiramente sujeito à violência armada.
Há também disparidades regionais: Norte e
Nordeste apresentam taxas de internação de mais de duas vezes as de outras
regiões, sendo que o Nordeste concentra 43% dos casos.
Ademais, o próprio acesso à saúde é
impactado. Em
territórios sujeitos a operações policiais, unidades de saúde
precisam ser fechadas com frequência —no Rio de
Janeiro, apenas até setembro deste ano, a violência armada levou a
mais de 700 suspensões de atendimentos nesse serviço.
A orientação da OMS parte da ideia de que
agressões por armas de fogo devem receber abordagem epidemiológica, com
monitoramento contínuo de dados, para o desenvolvimento de estratégias e
políticas em segurança e saúde de acordo com a situação endêmica não só de
cidades mas de áreas urbanas específicas.
A formação de médicos e profissionais da
saúde também precisa incluir esse fator, com protocolos de identificação de
riscos que podem ser aplicados nas franjas do SUS, como as unidades de atenção
primária e as equipes de saúde da família.
Problemas complexos exigem ações em rede entre órgãos e agências, e dimensionar custos é um primeiro passo nessa tarefa.
A mensuração do medo
Por O Estado de S. Paulo
Pesquisa atesta que grande parte dos
brasileiros está alterando trajetos e deixando de atender celular na rua por
temer violência, com enorme impacto nas relações sociais e na vida política
Uma pesquisa recente do Datafolha mensurou o
medo: cada vez mais brasileiros estão mudando seus hábitos quando vão para a
rua por causa da sensação de insegurança. Quando cidadãos se veem obrigados a
adotar táticas de sobrevivência em seu cotidiano, isso significa que a
violência venceu.
De acordo com o levantamento, 72% dos
entrevistados afirmaram ter alterado algo em sua rotina por temerem a
violência. O medo levou 56% dos brasileiros a deixarem de usar o celular nas
ruas, em veículos e até mesmo em ambientes fechados fora de casa. Segundo a
pesquisa, 36% contaram ter feito outro caminho para o trabalho ou a escola, 31%
passaram a andar sem aliança no dedo e 27% pararam de fazer algo prazeroso. Um
em cada quatro brasileiros nem sequer sai de casa mais.
Essa sensação de vulnerabilidade generalizada
diante da perspectiva da violência urbana atravessa todas as faixas etárias,
afeta tanto homens quanto mulheres e é suprapartidária. Segundo a pesquisa,
independentemente da idade, no mínimo sete em cada dez brasileiros têm medo da
violência. No recorte de sexo, o índice é de 68% entre os homens e chega a 76%
entre as mulheres. E tanto quem votou em Luiz Inácio Lula da Silva (70%) como
quem votou em Jair Bolsonaro (76%) vive com medo.
Hoje apenas a saúde preocupa mais os
brasileiros do que a segurança pública. Segundo o Datafolha, 20% dos
entrevistados consideram a saúde o maior problema do País, seguido de 16% que
apontam a segurança pública. Aliás, a segurança pública superou até mesmo as
aflições do brasileiro em relação à economia – maior preocupação para 11% dos
entrevistados.
Tudo isso faz desse tema uma pauta da classe
política, que está bastante atenta às demandas do ano eleitoral que se
avizinha. São discussões de propostas de legislação para endurecer penas de
crimes e também aprimorar o combate ao crime organizado. Não raro,
infelizmente, o debate é contaminado pela demagogia.
É difícil falar em qualidade de vida num país
cuja população vive amedrontada com a possibilidade de ser assaltada quando sai
de casa para trabalhar, estudar e se divertir ou, pior, de ser até vítima de um
latrocínio, o roubo seguido de morte. E esse medo, em que pesem as pontuais
variações regionais, está disseminado de norte a sul do País.
De acordo com o Datafolha, mudaram algum hábito
por temer a violência 74% dos entrevistados do Nordeste, 75% dos do
Centro-Oeste/Norte e 76% dos do Sudeste. Significa dizer que três em cada
quatro pessoas em 24 das 27 Unidades da Federação se sentem acuadas. A situação
é até um pouco melhor no Sul, mas nem por isso menos aflitiva, haja vista que
mais da metade (54%) dos entrevistados dessa região disseram também ter
alterado algo de sua rotina por medo da violência. Não dá para dizer que essa
seja uma sensação de segurança.
Esse índice é particularmente assustador
entre os moradores das regiões metropolitanas, onde chega à marca de 80% dos
entrevistados. Engana-se quem pensa que morar no interior significa estar em
paz: 66% dos entrevistados das pequenas cidades brasileiras também sentem medo
da violência.
E esse temor é particularmente mais forte
entre as mulheres. Segundo as entrevistadas, 38% delas disseram já ter mudado o
caminho; 62% não tiveram coragem de usar o celular em ambiente público; 31%
deixaram de fazer algo que lhes dá prazer; e 29% pararam de sair de casa. Em
absolutamente todos os hábitos questionados pelo Datafolha as entrevistadas
manifestaram sentir mais medo do que os homens, o que indica uma sociedade
bastante hostil às mulheres.
O impacto dessa situação é enorme – nas
relações sociais, na produtividade e na própria democracia, porque o medo
esgarça laços de solidariedade, fere o senso de comunidade e reduz a disposição
para aceitar o diferente, que passa a ser visto como ameaça.
Tudo isso colabora para que soluções de
força, muitas vezes ao arrepio das leis e dos direitos humanos, sejam
consideradas aceitáveis, tornando-se parte de discursos eleitoralmente
potentes.
Só discurso não basta
Por O Estado de S. Paulo
Governo recuperou espaço no debate climático
e registrou avanços no desmatamento, mas ainda falha em transformar
compromissos ambientais em políticas permanentes e mensuráveis
O Brasil voltou a falar a língua da agenda
climática e ambiental, imprescindível diante de problemas domésticos graves,
como o desmatamento na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal e na Mata Atlântica,
além dos desafios globais impostos pelas mudanças do clima. Recuperou espaço no
debate internacional e reiterou compromissos climáticos – ainda que, seguindo o
padrão lulopetista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha aproveitado a
retomada para se apresentar como o verdadeiro herói da floresta e salvador do
planeta. Esse reposicionamento, sobretudo quando comparado ao negacionismo e ao
isolamento internacional da época de Jair Bolsonaro, não resolve o problema
central da política ambiental brasileira. O País ainda patina naquilo que de
fato distingue governos sérios de governos performáticos: a capacidade de
transformar compromissos em políticas consistentes, mensuráveis e permanentes.
Os dados recentes permitem reconhecer avanços
sem cair em triunfalismos. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), o desmatamento na Amazônia Legal caiu cerca de 50% em relação a 2022,
alcançando em 2024 aproximadamente 6,5 mil km², uma das menores taxas da série
histórica. No Cerrado, a redução foi superior a 32,3% e, segundo o MapBiomas,
na média de todos os biomas o desmatamento chegou a 30% (dados de 2024). Também
houve queda de 40% na área atingida por incêndios florestais. São resultados
relevantes, ainda que insuficientes para assegurar o cumprimento da meta de
desmatamento zero até 2030.
Os números positivos não encerram o debate,
apenas o qualificam. O patamar absoluto segue elevado para um país que se
apresenta como liderança ambiental, e a trajetória permanece vulnerável a
retrocessos. A redução foi irregular, com meses de alta expressiva nos alertas
de desmatamento, o que revela uma política ainda dependente de ações
concentradas e episódicas. Política ambiental que oscila conforme a conjuntura
não se consolida como política de Estado.
A fragilidade se repete em outras frentes. O
combate às economias ilegais que sustentam a devastação – garimpo, grilagem,
extração ilegal de madeira – continua aquém do necessário. Falta coordenação
permanente entre órgãos federais, governos estaduais e prefeituras, enquanto
sobram operações pontuais e anúncios ruidosos. O resultado é previsível: ganhos
momentâneos seguidos de recaídas.
No campo da transição energética, a
dissonância é ainda mais evidente. O Brasil segue ancorando sua narrativa verde
na virtude histórica de uma matriz elétrica relativamente limpa, mas isso está
longe de caracterizar uma transição efetiva. A dependência de petróleo e gás
permanece elevada – e não há alternativa economicamente viável que justifique
um cenário diferente. Fora do setor elétrico, a descarbonização caminha
lentamente, sem cronograma claro, sem política industrial robusta e sem
articulação entre energia, mobilidade e desenvolvimento produtivo. O Plano
Clima, aprovado este mês, ainda tem um longo percurso para construir consenso
entre os diversos setores da economia.
Resta o que ficou evidente na COP-30, em
Belém: a transição energética só será viável se for barata, segura e
politicamente vendável – premissas que exigem inovação maciça, barateamento
tecnológico e crescimento. Nos limites expostos na conferência, ficou evidente,
de um lado, que países ricos resistem a aumentar sua contribuição para o
financiamento das ações climáticas; de outro, que países pobres e emergentes se
recusam a pagar a conta, informando que não sacrificarão crescimento e
industrialização.
A complexidade da agenda também requer
amadurecimento de setores do ambientalismo, que ainda reluta em enfrentar as
escolhas difíceis que a transição impõe: custos econômicos, impactos sociais,
restrições fiscais e necessidade de investimento privado. Defender objetivos
maximalistas sem discutir meios, prazos e trade-offs fragiliza a agenda ambiental.
O desafio imposto à política ambiental
brasileira, portanto, é consolidar os avanços obtidos e transformá-los em
trajetória permanente, reduzindo a dependência da mitificação retórica. Isso
exige governança estável, fiscalização protegida de interferência política,
orçamento previsível e coordenação federativa eficaz. Exige, sobretudo,
abandonar a fantasia de que retórica substitui execução.
O sufoco das empresas
Por O Estado de S. Paulo
Juros nas alturas ajudam a levar um número
assustador de pequenas empresas ao calote
Mais de 94% dos 8,7 milhões de CNPJs
inadimplentes em outubro pertencem a micro, pequenas e médias empresas, como
destacou o indicador do Serasa divulgado pelo Estadão. A proporção esmagadora é uma amostra
inequívoca do lado da corda que arrebenta primeiro diante da persistência da
política de gastos do governo federal, que empurra os juros às alturas,
tornando o crédito mais difícil e sufocando a capacidade de renegociação de
dívida das empresas menores.
Desde que a pesquisa começou a ser apurada,
em março de 2016, o calote nunca foi tão representativo, alcançando o total de
R$ 204,8 bilhões. Este ano, o total de inadimplentes aumentou continuamente mês
a mês, e em outubro já acumulava 1,8 milhão de empresas a mais em relação a dezembro
do ano passado. São negócios atingidos em cheio pela combinação de fatores que
têm à frente a alta de juros – num período em que a taxa básica, Selic,
estacionou em 15% – e a inflação, que atravessou quase todo o ano acima do
limite máximo de 4,5% para uma meta de 3% ao ano.
Os juros exorbitantes encarecem o crédito e
prejudicam principalmente as empresas menores, que dispõem de menos mecanismos
de financiamento. A inflação aumenta os custos operacionais e pressiona as
margens de lucro. Ambos, juros e inflação, são consequência direta da política
fiscal expansionista adotada desde o início deste terceiro governo de Luiz
Inácio Lula da Silva. Essa política, que marca as gestões petistas, faz agora
um estrago maior em razão da tensão geopolítica global, que tem derrubado as
cotações das commodities, nosso principal produto de exportação.
À expansão dos gastos públicos, o governo
Lula adiciona medidas de incentivo ao consumo e contribui para engrossar o
caldo da inadimplência, que atinge não apenas as empresas, mas também as
pessoas físicas. Dados de novembro, de outra pesquisa da Serasa Experian,
mostrou que há 80,6 milhões de endividados, o maior contingente de toda a série
histórica, que registrou 11 meses consecutivos de alta.
Em janeiro de 2023, o Brasil contava 70,1
milhões de endividados, de acordo com a série da Serasa. Lula assumiu
prometendo retirar todos da inadimplência. A meta populista do programa
Desenrola, lançado em julho daquele ano, era zerar as dívidas em atraso de 70
milhões de pessoas. Ele foi oficialmente encerrado em maio de 2024, com o
governo divulgando a adesão de 15,5 milhões ao programa. Hoje, tanto o total de
pessoas como o volume das dívidas estão maiores.
Isso mostra que, por mais bem intencionadas que sejam iniciativas para a redução da inadimplência, o endividamento não será resolvido por medidas pontuais. Pessoas físicas e jurídicas estão inadimplentes em despesas correntes, operacionais, o que expõe a necessidade de uma mudança estrutural. O governo precisa criar as condições para a queda da taxa de juros, buscando a redução da inflação, esse fantasma que assombra empresas e consumidores. Espremido entre inflação e juros altos, o batalhão de endividados continuará a crescer.
Desaceleração da China e bolha da IA são
riscos em 2026
Por Valor Econômico
Os juros de longo prazo serão mais altos, a rolagem de dívidas crescentes será mais cara, e as suspeitas sobre solvência fiscal, mais disseminadas e frequentes
Um ano que se desenhava terrível para a
economia global, com a guerra tarifária do presidente Donald Trump, terminou
com um crescimento normal, ao redor de 3%. Não houve a temida recessão geral, o
comércio mundial não entrou em depressão e mostrou-se resistente, embora tenha
mudado suas rotas, em muitos casos se desviando dos Estados Unidos. Uma boa
parte das economias punidas pelas tarifas americanas conseguiu até mesmo
aumentar suas exportações totais. A China, alvo principal da ofensiva
protecionista dos EUA, obteve o maior superávit de sua história, de US$ 1,08
trilhão até novembro, mesmo depois que as barreiras lhes custassem US$ 100
bilhões em vendas perdidas no mercado americano. Impasses geopolíticos
persistem sem solução: a Rússia avança posições na Ucrânia invadida, e o
conflito de Israel com os palestinos vive uma trégua instável e precária.
A reviravolta protecionista de Trump não
provocou os grandes estragos previstos por muitos motivos. O primeiro é que ele
voltou atrás nas tarifas extorsivas em muitos casos, principalmente em relação
à China. Movimentos de antecipação de compras diante da imposição tarifária
impediram que o aumento dos preços desabasse imediatamente nos preços,
diluindo-os ao longo dos meses. E, de maneira global, como explica o Relatório
de Política Monetária do Banco Central (BC) de dezembro, "no curto e médio
prazos, a combinação de políticas monetárias menos contracionistas e políticas
fiscais mais expansionistas continuam sustentando a atividade nas principais
economias e se contrapondo à persistente incerteza de política econômica".
O ano de 2026 será definido pelo desempenho
das duas maiores potências, China e EUA. A economia chinesa deve desacelerar, o
que reduzirá seu apetite por commodities e a incentivará a continuar acelerando
exportações enquanto tenta reerguer o consumo interno. A economia americana
mantém-se forte (expansão de 4,3% no terceiro trimestre) e pode crescer mais no
ano que vem, quando entra em vigor o pacote de corte de impostos de Trump. A
inflação americana ainda está longe da meta, perto de 3%.
O BC brasileiro aponta dois fatos que terão
implicações de 2026 em diante. O ciclo de flexibilização monetária está perto
do fim em praticamente todas as economias avançadas, mas a estabilização dos
juros tem se dado em um nível bem superior ao das taxas do período 2010-2019.
O endividamento crescente dos países
desenvolvidos foi feito a taxas muito baixas ou até mesmo negativas até o fim
da pandemia, mas isso acabou. Os juros de longo prazo serão mais altos, a
rolagem de dívidas crescentes será mais cara, e as suspeitas sobre solvência
fiscal, mais disseminadas e frequentes. Mesmo assim, não há sinais de que um
aperto fiscal nas principais economias. Ao contrário. A Europa entrará em
escalada armamentista para se reequipar, depois que o guarda-chuva de proteção
americano lhe foi rispidamente fechado, e prepara gastos de 800 bilhões de
euros.
Os EUA, mesmo reservando mais dinheiro a seu
orçamento de defesa, reduziu impostos e seu endividamento subirá por isso algo
entre US$ 4,5 trilhões a US$ 5,5 trilhões em uma década. O déficit público
chinês, de 90% do PIB, e o rombo fiscal nominal, de 8,5% do PIB, tampouco
declinarão. Em sua revisão da economia da China, o Fundo Monetário
Internacional (FMI) recomendou políticas fiscais expansionistas para estimular
o consumo, reduzir o excesso de produção, apreciar o câmbio e sustentar o
crescimento. O FMI prevê que o PIB chinês cresça 4,5% em 2026 e a OCDE, 4,4%,
menores taxas de expansão do país em ao menos duas décadas, exceto na pandemia.
Se o ritmo da desaceleração econômica chinesa
traz preocupação sobre seu impacto, em especial nos países emergentes,
possíveis instabilidades financeiras nos EUA poderão frustrar um ambiente
previsto de desaceleração suave da economia mundial. Boa parte da expansão dos
EUA está baseada nos investimentos em inteligência artificial das Big Techs,
cuja necessidade de financiamento é estimada em US$ 1,5 trilhão pelo Morgan
Stanley (FT, 24-12). As empresas não têm tido dificuldades em obter recursos,
mas crescem as dúvidas sobre os resultados. Uma performance abaixo das altas
expectativas criadas levará a uma correção intensa da Bolsa de Nova York, dando
início a uma reprecificação abrupta de ativos globais, com forte potencial
destrutivo.
Outras futuras complicações podem estar sendo
gestadas nos EUA. Trump está prestes a divulgar o sucessor de Jerome Powell no
Federal Reserve (Fed, o BC americano), cujo mandato expira em maio. A julgar
pelos votos de outro indicado seu à diretoria, Stephen Miran, é bastante
plausível que o escolhido resolva reduzir bem mais os juros, já próximos do
nível neutro (3%). O secretário do Tesouro, Scott Bessent, levantou do nada a
ideia de mudar a meta de inflação, acrescentando-lhe uma banda de variação.
Um erro de calibragem nos juros americanos aqueceria uma economia já impulsionada por abatimentos fiscais, derrubaria o dólar e jogaria a inflação para cima. As taxas de longo prazo disparariam, encarecendo o custo de financiamento das dívidas soberanas de países já muito endividados, Brasil incluído.
Desmatamento: uma prática que o Brasil
precisa banir
Por Correio Braziliense
A perda de vegetação nativa segue elevada,
com consequências diretas para a biodiversidade, o clima global e a qualidade
de vida
Entre os eventos de importância da agenda do
Brasil durante 2025, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas (COP30), realizada em Belém, no Pará, no mês de novembro, foi
destaque. Marcado pelo esforço de implementar compromissos assumidos em edições
anteriores — em especial, as metas do Acordo de Paris e a transição energética
para fontes renováveis, além de aumentar o financiamento para países em
desenvolvimento, promovendo a justiça ambiental —, o encontro deixou legados
significativos. Mas, diante dos desafios da atualidade que vêm afetando
progressivamente a vida no planeta, uma prática antiga no Brasil permanece
presente: o desmatamento.
As estatísticas mais recentes mostram
avanços, porém também revelam o tamanho do problema. Entre agosto de 2024 e
julho de 2025, a Amazônia Legal perdeu cerca de 5.796 quilômetros quadrados de
floresta, uma diminuição de 11,08% em comparação ao ano anterior, atingindo o
menor índice em 11 anos, segundo o Projeto de Monitoramento do Desmatamento por
Satélite (Prodes) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No
Cerrado, a queda foi de 11,49%, passando para 7.235 quilômetros quadrados de
áreas desmatadas. Ambas as reduções são expressivas; no entanto, os números
indicam pressão contínua sobre áreas verdes de relevância fundamental. Os dados
traduzem uma realidade que não é nova: há progresso derivado de políticas
públicas e fiscalização reforçada, mas a perda de vegetação nativa segue
elevada, com consequências diretas para a biodiversidade, o clima global e a
qualidade de vida.
Diante da guerra contra a devastação
ambiental no país, uma das batalhas é dissociar a ideia de que preservação é
sinônimo de estagnação econômica. Estudos e experiências nacionais e
internacionais demonstram que internalizar valores ambientais em cadeias
produtivas atrai investimentos responsáveis e amplia os valores agregados.
Nesse sentido, o setor privado tem papel central e precisa operar com
transparência, rastreabilidade de origem, redução de emissões e respeito ecológico.
Já a atuação do Estado tem de ser robusta e
articulada, sempre em sintonia com a produção. O fortalecimento dos órgãos de
fiscalização ambiental não pode ser encarado como despesa. Ao contrário: é
investimento para garantir uma economia sólida. A tecnologia aplicada para
manter o monitoramento e criar sistemas de controle eficiente deve estar em
constante aprimoramento.
Por sua vez, a sociedade é parte vital no
combate ao desmatamento e deve atuar como agente ativo de transformação
ambiental, econômica e cultural. A preservação das florestas não depende apenas
de governos, da fiscalização e do cumprimento de leis; ela se consolida quando
valores, escolhas e práticas sociais caminham nessa direção. Normalmente, ações
ligadas à devastação e à exploração predatória só prosperam porque encontram
"mercado".
A mobilização e o controle cidadão — por meio de denúncias e vigilância das políticas públicas —, aliados à mudança de hábitos, são capazes de impedir retrocessos e têm a força necessária para promover o fim do desmatamento ilegal. Preservar o meio ambiente não é tarefa somente institucional e governamental. É uma responsabilidade compartilhada, que exige uma sociedade informada, mobilizada e comprometida com um plano de desenvolvimento que reconheça a floresta e a vegetação não como obstáculos, mas como bases estratégicas para o futuro do Brasil.
Brasil não alcança meta para erradicar
tuberculose
Por O Povo (CE)
O Ministério da Saúde faria bem se, em sua
política de combate à doença, considerasse o estudo e as sugestões indicadas
pela Fiocruz Bahia
Com o propósito de erradicar a doença do
mundo até 2035, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou em 2014 o programa
Estratégia Fim da Tuberculose. A meta para o Brasil, em 2025, era reduzir 50%
da incidência e 75% da mortalidade. O País, porém, registrou uma tendência
contrária e viu o número de infecções aumentar desde 2015.
Foram registrados 85 mil casos de tuberculose
no território brasileiro no ano passado, com seis mil mortes, sendo uma das
doenças infecciosas que mais mata no Brasil. As informações foram divulgadas
pela plataforma de notícias Deutsche Welle (DW).
Em 2023, haviam sido registrados 39,7 casos
de tuberculose por 100 mil habitantes, acima da média da OMS, de 6,7 casos por
100 mil. Estudo da Fiocruz Bahia publicado no início do ano prevê aumento na
taxa, podendo chegar a 42,1 por 100 mil habitantes até 2030.
A Fiocruz Bahia já vinha alertando, conforme
reportagem publicada pela Agência Brasil em fevereiro deste ano, que as
políticas públicas em curso eram insuficientes para atingir a meta preconizada
pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a eliminação da tuberculose. Ao
contrário, o estudo indicava tendência de aumento da doença.
O levantamento foi feito a partir da análise
de registros da doença entre janeiro de 2018 e dezembro de 2023. Os
pesquisadores, anotou a Agência Brasil, não questionaram a importância das
políticas públicas que vinham sendo aplicadas, mas defendiam a criação de
estratégias integradas, apontando os desafios que deveriam ser enfrentados.
Entre outras medidas, os cientistas ressaltaram também a necessidade de
aprimorar os programas de controle da tuberculose nas prisões.
O encarceramento em massa como fator
determinante da epidemia de tuberculose na América Latina e os efeitos
projetados de políticas alternativas, publicado em 2024. Embora a incidência
global da doença tenha diminuído 8,7% desde 2015, na América Latina aumentou
19%.
Coautor do estudo, o professor da
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) Júlio Croda disse à DW que
37% das infecções no Brasil estão ligadas ao encarceramento, ainda que não
diretamente aos presos. São pessoas expostas à infecção quando privados de
liberdade, mas que desenvolvem a doença somente depois de soltos.
No entanto, em informativo divulgado no dia
8/12, o Ministério da Saúde (MS) destaca que, segundo a OMS, o Brasil manteve
uma das maiores taxas de detecção da tuberculose em 2024. No entanto, o MS nada
comenta sobre o aumento dos casos, mas reconhece que o Boletim Epidemiológico
Tuberculose 2025, registrou 85.936 casos novos em 2024, e que ocorreram 6.025
mortes no país em decorrência da doença.
O Ministério da Saúde faria bem se, em sua
política de combate à doença, considerasse o estudo e as sugestões indicadas
pela Fiocruz Bahia.

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