segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

Proteção frágil ao BC ameaça a estabilidade. Por Alex Ribeiro

Valor Econômico

Quando as autoridades tergiversam por medo de serem responsabilizadas, as consequências podem ser sérias

O Banco Central não está acima da lei nem isento de prestar contas de seus atos. Mas as recentes iniciativas do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) para apurar o caso do Banco Master, da forma como estão sendo executadas, enfraquecem a autonomia da instituição e deixam o país mais vulnerável a crises bancárias.

Os princípios de supervisão de Basileia, um acordo internacional que visa assegurar a estabilidade financeira em todo o mundo, recomendam expressamente que os reguladores e fiscais bancários tenham proteção legal para evitar que deixem de tomar as decisões necessárias por medo de sofrer sanções.

A prescrição é clara: os supervisores só devem responder por suas ações nos casos em que agem com dolo ou má-fé. Não devem se sujeitar a punições quando o Judiciário ou órgãos de controle externo consideram que houve algum erro, seja por imperícia técnica ou por negligência.

A falta de proteção legal aos fiscais do BC tem chamado a atenção do Fundo Monetário Internacional (FMI). Nas semanas que antecederam o Natal, esteve no Brasil uma delegação do organismo para conduzir o seu Programa de Avaliação do Setor Financeiro (FSAP, na sigla em inglês).

Esse é um relatório feito nos países-membros a cada seis anos, com revisão da solidez do sistema financeiro - incluindo o arcabouço legal e as ferramentas de supervisão e de resolução de crises bancárias.

Nas últimas edições, o FMI critica o Brasil por não ter implementado, até agora, o chamado Princípio 2 de Basileia, que prega proteção ao corpo técnico do Banco Central para fazer o seu trabalho.

“A proteção jurídica para os servidores do BCB é insuficiente”, disse o FMI no relatório mais recente, de 2018. “A reforma do regime de proteção jurídica é crucial. Atualmente, os servidores do BCB dispõem de proteção jurídica limitada, uma vez que sua responsabilidade está sujeita a um padrão ordinário de culpa”, diz um documento anexo a esse mesmo relatório.

Segundo a descrição dos técnicos do FMI, a Constituição brasileira prevê que as pessoas jurídicas de direito público respondam pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o agente nos casos de dolo ou culpa.

Esse direito de regresso significa que o governo pode, em seguida, cobrar do funcionário público - no caso, o fiscal do BC - os prejuízos causados por dolo ou culpa. “A parte que pleiteia a indenização precisa apenas comprovar o nexo de causalidade - isto é, que o dano foi causado pela atuação do agente - independentemente da existência de culpa do agente”, diz o relatório do FMI.

Se o fiscal cometeu um crime ou agiu com dolo ou má-fé, nada mais justo do que responder por seus atos. Mas a preocupação do Comitê de Basileia e do FMI é com responsabilização por culpa, que tem a ver com o diagnóstico mais subjetivo que o juiz ou o órgão de controle administrativo faz da atuação do supervisor.

Veja o caso atual. O Banco Central está sendo investigado no STF por supostamente ter demorado demais para agir diante das fraudes ocorridas no caso do Banco Master. Ao mesmo tempo, o TCU abriu um procedimento para apurar suposta precipitação na liquidação do mesmo banco.

O Reino Unido dos anos 1990 mostra como esses processos podem ser traumáticos. Os supervisores ingleses foram caçados judicialmente por suposta negligência no caso do banco BCCI, cujos dirigentes, a exemplo do Master, eram acusados de fraudes grosseiras.

No fim, concluiu-se que esses processos judiciais eram abusivos - e a decisão final foi aprovar uma lei que garante proteção aos supervisores nos casos em que agem de boa-fé.

Quando as autoridades tergiversam por medo de serem responsabilizadas, as consequências podem ser sérias. No caso do Lehman Brothers, o Tesouro e o banco central dos EUA ficaram receosos de fazer o resgate da instituição. A quebra do banco desencadeou a crise financeira mundial de 2008 e jogou os EUA e boa parte do mundo em uma recessão prolongada.

No fundo, a proteção legal existe não para salvar os supervisores, mas para garantir a manutenção da estabilidade financeira - um bem público que preserva o patrimônio de quem deixa dinheiro depositado nos bancos e evita que a população, de forma geral, sofra com recessões que poderiam ser evitadas.

No último ano, o Banco Central tomou uma série de medidas para reforçar a estabilidade financeira - e a questão que cabe é se não teria feito mais se tivesse proteção legal para fazer esse trabalho.

Parte da pressão que sofreu foi pública, como o projeto no Congresso que visava remover do cargo o diretor de Regulação do BC, Renato Gomes, que estava à frente da análise da compra do Master pelo BRB.

O Banco Central também teve que tomar decisões difíceis na limpeza do sistema de pagamentos após as fraudes bilionárias que ocorreram neste ano. Apesar de todos os indícios da atuação do crime organizado, a resposta do BC teve que ser dosada em virtude do risco de ações judiciais.

Desde 2019, está parado no Congresso o projeto da nova lei de resolução bancária, que, segundo FMI, traz avanços para aumentar a proteção legal aos fiscais do Banco Central.

 

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