sábado, 29 de junho de 2013

OPINIÃO DO DIA – ITV: outro planeta

O Brasil está indo à lona, mas a presidente da República só quer tratar de um assunto: impor ao país um plebiscito sobre reforma política. Chega a ser quase um escárnio ao desejo expresso pelos milhões de brasileiros nas manifestações das três últimas semanas. Plebiscito, nesta altura do campeonato, é coisa de lunáticos ou, mais provavelmente, de gente muito mal intencionada e que não está nem aí para os reais problemas do país. É farsa ou golpe.

Instituto Teotônio Vilela, in “Em outro planeta”28/6/2013

Manchetes dos jornais de hoje

O GLOBO
Donadon se entrega e Brasil tem 1º deputado presidiário
Bolsa: pior semestre desde 2008
Herança maldita para 2015
Projeto ameaça contratos em vigor
Promessa de diálogo

FOLHA DE S. PAULO
Aprovação a Dilma despenca de 57% a 30% em 3 semanas
Deputado é o 1º parlamentar preso na redemocratização
Oito em cada dez pessoas apoiam as manifestações
Bolsa paulista tem pior semestre em quase 5 anos
Economista está entre saqueadores de protesto em SP
Governos não deixarão legado da Copa, diz Paes

O ESTADO DE S. PAULO
Donadon se entrega e é o 1º deputado preso desde 1974
Presidente se cala sobre ‘cura gay’ em reunião com o LGBT
‘Dilma não ouviu a voz das ruas’, diz Marina
Bovespa tem pior semestre desde 2008

ESTADO DE MINAS
Impasse nas estradas
Deputado se entrega e vai para a cadeia

O TEMPO (MG)
Oposição acusa Planalto de mascarar plebiscito
Após ser considerado foragido, deputado Donadon se entrega à Polícia Federal
Dólar fecha em alta de 1,63% e volta a ultrapassar R$ 2,20

CORREIO BRAZILIENSE
Do Congresso para a Papuda
Nas ruas contra os cubanos
Dólar em alta puxa inflação

GAZETA DO POVO (PR)
Chuvas deixam 59 municípios paranaenses em estado de emergência
Alkmin corta gastos. Dilma vai ouvir jovens
Funcionários de parque matam garota de 14 anos

ZERO HORA (RS)
Fracassa acordo para resolver crise da areia
Projeto UFRGS estuda aderir ao Sisu em 2014
Como passar a limpo os gastos da Copa

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Justiça enfraquece a greve dos ônibus
Prisões simbólicas de políticos
Dilma se aproxima
Copa do Mundo não interfere no PIB do país sede, diz pesquisa

O que pensa a mídia - editoriais do jornais de hoje

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Aprovação a Dilma despenca de 57% a 30% em 3 semanas

Popularidade de Dilma cai 27 pontos após protestos

Ricardo Mendonça

SÃO PAULO - Pesquisa Datafolha finalizada ontem mostra que a popularidade da presidente Dilma Rousseff desmoronou.

A avaliação positiva do governo da petista caiu 27 pontos em três semanas.

Hoje, 30% dos brasileiros consideram a gestão Dilma boa ou ótima. Na primeira semana de junho, antes da onda de protestos que irradiou pelo país, a aprovação era de 57%. Em março, seu melhor momento, o índice era mais que o dobro do atual, 65%.

A queda de Dilma é a maior redução de aprovação de um presidente entre uma pesquisa e outra desde o plano econômico do então presidente Fernando Collor de Mello, em 1990, quando a poupança dos brasileiros foi confiscada.

Naquela ocasião, entre março, imediatamente antes da posse, e junho, a queda foi de 35 pontos (71% para 36%).

Em relação a pesquisa anterior, o total de brasileiros que julga a gestão Dilma como ruim ou péssima foi de 9% para 25%. Numa escala de 0 a 10, a nota média da presidente caiu de 7,1 para 5,8.

Neste mês, Dilma perdeu sempre mais de 20 pontos em todas regiões do país e em todos os recortes de idade, renda e escolaridade.

O Datafolha perguntou sobre o desempenho de Dilma frente aos protestos. Para 32%, sua postura foi ótima ou boa; 38% julgaram como regular; outros 26% avaliaram como ruim ou péssima.

Após o início das manifestações, Dilma fez um pronunciamento em cadeia de TV e propôs um pacto aos governantes, que inclui um plebiscito para a reforma política. A pesquisa mostra apoio à ideia.

A deterioração das expectativas em relação a economia também ajuda a explicar a queda da aprovação da presidente. A avaliação positiva da gestão econômica caiu de 49% para 27%.

A expectativa de que a inflação vai aumentar continua em alta. Foi de 51% para 54%. Para 44% o desemprego vai crescer, ante 36% na pesquisa anterior. E para 38%, o poder de compra do salário vai cair --antes eram 27%.

Os atuais 30% de aprovação de Dilma coincidem, dentro da margem de erro, com o pior índice do ex-presidente Lula. Em dezembro de 2005, ano do escândalo do mensalão, ele tinha 28%.

Com Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a pior fase foi em setembro de 1999, com 13%.

Em dois dias, o Datafolha ouviu 4.717 pessoas em 196 municípios. A margem de erro é de 2 pontos para mais ou para menos



Fonte: Folha de S. Paulo

País em protesto - 8 em cada 10 brasileiros apoiam protestos

Segundo Datafolha, apesar de alta aprovação a manifestações, 65% são contra tarifa zero se for preciso parar obras

Pesquisa também mostra que maioria considera que atos trouxeram mais lucro do que prejuízo ao país

SÃO PAULO - Oito em cada dez brasileiros (81%) apoiam as manifestações que tomaram as ruas do país nas últimas semanas, segundo pesquisa Datafolha. Apenas 15% dizem ser contrários aos protestos.

A maioria --65%-- diz acreditar que esses atos trouxeram mais lucros do que prejuízos, enquanto 26% pensam de maneira contrária.

Já a tarifa zero, bandeira principal do Movimento Passe Livre (MPL), teve pouca aceitação: 65% disseram ser contra a adoção dessa medida no transporte público urbano caso a contrapartida para viajar de graça seja a paralisação de obras e serviços.

Nesse quesito, 24% disseram preferir parar obras para arcar com as despesas totais do transporte público.

No dia 19, ao anunciar a revogação do reajuste das tarifas de ônibus, metrô e trens, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito Fernando Haddad (PT) disseram que isso levaria à redução de investimentos em São Paulo.

Após a série de protestos, a passagem do transporte coletivo paulistano caiu R$ 0,20 --voltando a custar R$ 3.

O MPL, cujas manifestações em São Paulo detonaram outras pelo país, afirma que o financiamento da tarifa zero pode vir de várias alternativas, como o aumento do IPTU --proposta que chegou a ser estudada na capital paulista, nos anos 1990.

A pesquisa Datafolha foi realizada entre anteontem e ontem, com 4.717 entrevistas em 196 municípios brasileiros. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Pouca variação

As opiniões sobre os protestos sofrem pequenas variações dependendo do gênero, faixa etária, preferência partidária, escolaridade e região do entrevistado.

Os que mais se opuseram aos protestos têm mais de 60 anos (23%) e escolaridade fundamental (24%) e renda mensal de até dois salários mínimos (20%).

No recorte partidário, 79% dos simpáticos ao PT se disseram a favor dos protestos, menor do que o apoio dos que preferem o PSDB (88%).

Com relação à tarifa zero, 63% dos ouvidos na região metropolitana de São Paulo se opõem caso haja corte em investimentos, dois pontos percentuais a menos do que a média nacional.

A onda de manifestações pelo Brasil teve início em São Paulo, quando o Movimento Passe Livre começou a organizar os protestos contra o aumento de R$ 0,20 nas tarifas de ônibus e metrô.

A primeira manifestação do MPL ocorreu no último dia 6. Reuniu ao menos 2.000 pessoas e fechou avenidas importantes. Após confronto com a polícia, houve depredação de estações do metrô.

Após a quarta manifestação, marcada pela truculência policial, houve uma onda de apoio aos protestos --que se multiplicaram pelo país.

Fonte: Folha de S. Paulo

‘Dilma não ouviu a voz das ruas’, diz Marina

Possível candidata em 2014, Marina Silva disse, em entrevista ao ‘Estado’, que o discurso da presidente Dilma Rousseff em reação aos protestos foi orientado pelo marketing e não tinha condições de funcionar.

‘Dilma anuncia pauta em vez de construí-la com sociedade’

Na avaliação da ex-senadora Marina Silva (sem partido), que pretende disputar a eleição de 2014 pelo nova sigla Rede Sustentabilidade - em formação - a presidente Dilma Rousseff ainda não ouviu a voz das ruas e erra ao tentar enquadrar os protestos em uma agenda tradicional, a ser resolvida entre Planalto e Congresso. “A força que está aí, em estado de presença e latência, porque vai continuar, não é para ser trata¬da dessa maneira”, disse em entrevista ao Estado.

Para Marina, o primeiro discurso de reação ao protestos, pela TV, foi orientado pelo marketing e não tinha condições de funcionar. A presidente também teria errado, segundo sua análise, no encontro com os governadores, quando falou e não ouviu.

A ex-ministra do Meio Ambiente, que teve 19,6 milhões na eleição presidencial de 2010 e ficou em terceiro lugar, é favorável a uma consulta popular sobre reforma política, desde que a sociedade ajude a formular as perguntas que serão apresentadas aos eleitores.

Ela falou ao Estado na quinta-feira à noite, após participar de um evento organizado pela revista Trip para homenagear pessoas e projetos que estão transformando a sociedade. A ex-senadora fez uma palestra de uma hora e ao final foi aplaudida de pé.

• Como a sra. analisa as reações do governo aos protestos?

Isso que está acontecendo no Brasil é de uma riqueza política, social e cultural tão grande que vamos levar muito tempo ainda para ter uma medida. Subtraindo a meia dúzia que fica querendo fazer baderna, tivemos milhões de pessoas que foram pacificamente às ruas marcar uma posição. E a posição que ficou mais clara é que há uma apartação entre a dita classe política que está aí e esse movimento, que já existia em estado de latência e dava sinais de que estava aí. Eles colheram mais de 1 milhão de assinaturas contra o projeto do Código Florestal, mas disseram que não valia porque era só no virtual; colheram mais de 1 milhão de assinaturas contra Belo Monte e disseram que não valia porque era só no virtual; colheram mais de um milhão de assinaturas contra Renan Calheiros e disseram que não valia porque era só no virtual; e tem outros milhões que nem vou citar. Eu dizia que era só questão de tempo e que uma hora iria transbordar para o presencial. Acabou transbordando. E, ao transbordar, o centro não pode agora ter uma atitude de encapsular a borda.

• O que achou das ações da presidente Dilma?

Era óbvio que a ideia de fazer um discurso orientado pelo marketing não iria funcionar. Depois houve a tentativa de anúncio ancorado pela orientação política partidária dela, no velho estilo de chamar os governadores para anunciar para eles, em vez de conversar, em vez de anunciar para a sociedade e de construir com ela. Fechar a discussão entre Palácio, governadores e Congresso é não levar em consideração o que está sendo dito a todos nós. É o velho estilo de transformar tudo numa mera pauta de reivindicações. Houve um processo de desautorização por parte do PMDB de boa parte das propostas que foram apresentadas pelo governo. A força que está aí, em esta¬do de presença e latência, por¬que vai continuar, não é para ser tratada dessa maneira.

• E qual é a maneira adequada?

Isso nos dá força e energia, se tivermos humildade, coragem e sabedoria, para produzir uma agenda com eles. O que está aí tem a força de uma agenda, na qual a reforma política está dentro, mas também a reforma tributária, o problema da educação, da saúde, da segurança pública. Uma agenda que não é para se fazer para eles, mas sim com eles. Os jovens estão dizendo que querem mais. Mas não é mais do mesmo. Querem mais e melhores serviços públicos, qualidade da representação.

• Como estabelecer essa agenda?

Em primeiro lugar conversando com os diferentes segmentos. É preciso criar os meios para o estabelecimento dessa conversa, porque ela não envolve os setores já organizados.

• Pelo que a sra. diz, a presidente Dilma mais falou do que ouviu.

Com certeza. Ela falou mais do que ouviu e está fechando tudo na relação Palácio e Congresso. Esquece o que está entre Congresso, que tem sido ferrenhamente questionado, e o Palácio.

• E o que está meio?

É essa sociedade que se expressa. Uma agenda que seja capaz de fazer com o que o Brasil não fique à deriva do governo ou do partido de plantão. Quando você tem uma agenda estratégica, não importa se é PT, PSDB ou PMDB, ela acaba sendo encaminhada, porque o termo de referência está vindo da sociedade.

• A sra. é a favor de uma consulta popular sobre a reforma política, como sugeriu a presidente?

Sim, o plebiscito, desde que a gente saiba quem é que vai fazer as perguntas. Elas não podem ser formuladas apenas pelo Palácio e pelo Congresso.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Em outro planeta

O Brasil está indo à lona, mas a presidente da República só quer tratar de um assunto: impor ao país um plebiscito sobre reforma política. Chega a ser quase um escárnio ao desejo expresso pelos milhões de brasileiros nas manifestações das três últimas semanas. Plebiscito, nesta altura do campeonato, é coisa de lunáticos ou, mais provavelmente, de gente muito mal intencionada e que não está nem aí para os reais problemas do país. É farsa ou golpe.

O Brasil está indo à lona, mas a presidente da República só quer tratar de um assunto: impor um plebiscito que cuidará, entre outras coisas, de definir se o país terá voto distrital misto ou puro, em lista fechada ou não. Que planeta Dilma Rousseff pensa que está governando?

Chega a ser surreal que, após a bela manifestação de cidadania demonstrada por milhões de brasileiros nas três últimas semanas, a resposta que o mundo oficial tenha a oferecer seja uma discussão extemporânea e alienada dos reais problemas da nação. Soa quase como escárnio ao desejo expresso pelos cidadãos.
Fica claro que o governo e o PT insistem no plebiscito – que pode chegar a custar R$ 2 bilhões, segundo O Globo – porque querem ludibriar a opinião pública e tentar manobrar as massas. É puro diversionismo para desviar o foco dos reais problemas do país, como destacou ontem a oposição em nota oficial assinada por PSDB, PPS e DEM.

Pior ainda, o plebiscito é uma mal disfarçada tentativa dos petistas de impor mudanças que fortaleçam o partido que detém o poder e cerceiem ainda mais as chances das correntes oposicionistas. Pretendem fazer isso na lei ou na marra, como mostram movimentos recentes de seus líderes.

Anteontem, Dilma disse a sindicalistas que, com seus "pactos” vazios, quer "disputar a voz das ruas”. No mesmo dia, Lula avisou que convocará os movimentos sociais aparelhados nos últimos anos pelo petismo a sair do sofá – ontem mesmo, UNE, UJS e assemelhados começaram a cumprir a ordem, sem muito efeito, porém.

O PT também já ameaça com casuísmos como a redução de prazos para que as mudanças eleitorais tenham validade, hoje de no mínimo um ano. Para tanto, propõe uma emenda constitucional, já que para o partido dos mensaleiros a lei maior do país é apenas um mero detalhe.

De prático, após uma frenética rodada de conversas – em poucos dias nesta semana Dilma teve ter falado com mais gente do que em anos de governo – a presidente disse ontem que encaminhará uma proposta ao Congresso na terça-feira com pontos que pretende ver contemplados no plebiscito. Muito mais adequada, a alternativa do referendo foi rechaçada por ela.

A pauta oficial coincide, surpresa!, com o que prega o PT. Os famigerados financiamento público (o seu, o meu, o nosso dinheiro paga as campanhas dos políticos) e voto em lista fechada (o eleitor vota, mas é o partido que escolhe quem vai ou não se eleger), por exemplo, provavelmente estarão lá. O fim da reeleição certamente não estará.

O mais deplorável disso tudo é ver a agenda real do país paralisada por uma discussão que pode até ser importante, mas é absolutamente secundária neste momento. Imagine a dona de casa lá do rincão, em pânico com a inflação e com a escola ruim do filho, tendo que escolher entre um "sim” e um "não” a esquisitices como voto proporcional, voto distrital, voto distrital misto e entre voto em lista aberta ou lista fechada...

O país está indo ladeira abaixo, mas disso não se ouve patavina da presidente da República. Ontem mesmo, o Banco Central divulgou seus prognósticos para os próximos meses: a inflação de 2013 vai ser maior que a do ano passado e o crescimento, menor que o até agora previsto. Há quem já aposte numa taxa próxima de zero, com possibilidade até de retração do PIB no fim do ano, como mostra Claudia Safatle na edição de hoje do Valor Econômico.

A agenda real do país não inclui apenas a carestia que corrói os salários. Contempla também a melhoria da péssima saúde pública brasileira, para a qual a resposta de Dilma é a importação de médicos. Note-se que, para mostrar que dão conta da complexidade local, os estrangeiros passarão por uma avaliação de três meses – alguém aí falou nos quase dez anos que um médico brasileiro estuda antes de começar a clinicar?

A lista de problemas reais e dificuldades enfrentadas cotidianamente pelos cidadãos é extensa o suficiente para demonstrar que o governo petista está completamente fora de órbita quando impõe ao país, nesta altura do campeonato, um plebiscito sobre reforma política. Isso é coisa de lunáticos ou, mais provavelmente, de gente muito mal intencionada e que não está nem aí para os brasileiros. Ou é farsa ou é golpe.

Fonte: Instituto Teotônio Vilela

Dilma Rousseff decide que não verá final no Maracanã no domingo

Presidente muda de ideia e não estará presente na partida entre Brasil e Espanha

Tânia Monteiro

BRASÍLIA - Depois das manifestações que tomaram as ruas nas últimas semanas, a presidente Dilma Rousseff decidiu não comparecer, neste domingo, ao jogo entre Brasil e Espanha, na final da Copa das Confederações. A ideia inicial de Dilma era estar presente no Maracanã no encerramento do campeonato, apesar de ter recebido uma sonora vaia, em Brasília, na abertura da competição, no estádio Nacional (Mané Garrincha).

Mas, preocupada com o acirramento dos ânimos e aconselhada por auxiliares diretos, a presidente entendeu que seria uma exposição desnecessária ir ao Maracanã onde certamente o público dominante seria hostil à sua presença, repetindo as vaias da abertura da Copa das Confederações, ainda mais no Rio de Janeiro, estado onde os torcedores são ainda mais irreverentes. Em 2007, o seu antecessor e padrinho político, Luiz Inácio Lula da Silva, também foi vaiado no Maracanã, na abertura dos Jogos Pan-Americanos.

Não havia uma justificativa oficial para a mudança de planos da presidente, apesar de ela estar trabalhando no texto das perguntas para o plebiscito, na elaboração das regras para contratação dos médicos estrangeiros e se preparando para uma reunião ministerial.

No dia seguinte às vaias, em Brasília, na capital federal, os auxiliares diretos da presidente Dilma asseguraram que ela não se intimidaria e estaria presente na final. Mas os planos mudaram com a ampliação dos protestos, principalmente em volta dos estádios, e levaram a presidente a desistir de ir ao Rio de Janeiro para não se submeter a uma nova vaia.

Depois de ficar atônita com as crescentes manifestações, tentando entender o que estava acontecendo, a presidente Dilma passou as duas últimas semanas se reunindo com interlocutores de vários segmentos para preparar uma reação do governo.

A previsão de estar no Maracanã neste domingo, para a final da Copa das Confederações, chegou a entrar na previsão de agenda da presidente Dilma, mas sumiu do sistema de informações. O escalão precursor, que viaja antecipadamente para verificar as condições da cidade a ser visitada pela presidente, nem chegou a ser acionado. Na noite de sexta-feira, a informação oficial era que Dilma não iria ao Rio de Janeiro.

Desde o início a presidente Dilma tinha intenção de comparecer à final da Copa das Confederações. Tanto que, em fevereiro, quando esteve na Nigéria, chegou a desejar boa sorte ao time nigeriano na Copa das Confederações e afirmou: "Asseguro que sua seleção será muito bem recebida no Brasil, em junho, para a Copa das Confederações. Tenho certeza que o presidente Goodluck Jonathan e eu assistiremos juntos à final Brasil e Nigéria no Maracanã".

Fonte: O Estado de S. Paulo

Dilma teme ser hostilizada no Rio

A agenda oficial de Dilma Rousseff, divulgada na noite de ontem, descarta a participação da presidente na final da Copa das Confederações, entre Brasil e Espanha, amanhã, no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Na abertura do torneio, há duas semanas, em Brasília, ela foi vaiada e não proferiu o discurso que havia preparado. A presidente deve convidar a Seleção Brasileira para visitar o Palácio do Planalto na semana que vem.

Ao longo da semana, Dilma Rousseff ainda cogitava ir ao jogo, mas sem discursar e sem que sua imagem aparecesse no telão. Ela foi convidada, pelo comitê organizador da Fifa, para participar da cerimônia de premiação, como todos os presidentes dos países sede, mas ainda não havia decidido se aceitaria. O temor é de ser hostilizada durante a entrega das medalhas aos atletas.

A Secretaria de Comunicação chegou a confirmar a presença de Dilma antes de divulgar a agenda, mas recuou ontem. A avaliação do Planalto é a de que o momento atual é ainda mais desconfortável do que na abertura da Copa das Confederações devido à onda de protestos no país, e que seria difícil evitar constrangimentos.

Oficialmente, a Secretaria de Imprensa da Presidência informou que nunca houve previsão para Dilma ir ao Maracanã, já que, na data, estava prevista anteriormente uma viagem de Estado ao Japão. A viagem foi cancelada na semana passada, depois que os protestos levaram a presidente a avaliar que o momento era inoportuno para passar uma semana inteira fora do Brasil.

"Fair play"

Na abertura da Copa das Confederações, em Brasília, Dilma e o presidente da Fifa, Joseph Blatter foram vaiados quando anunciados no telão para abrir oficialmente os jogos. A presidente mostrou-se contrariada e deixou de fazer o discurso. Blatter chegou a pedir respeito e "fair play" no microfone, mas foi ignorado. No mesmo dia, uma manifestação acontecia ao redor do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, onde foram registrados confrontos com a polícia.

Bandeira arco-íris no Planalto

A presidente Dilma Rousseff recebeu ontem, em seu gabinete no Palácio do Planalto, representantes de movimentos da juventude e LGBT. Questionadas sobre o projeto de cura gay que tramita na Câmara, as ministras Eleonora Menicucci (Políticas para a Mulher) e Maria do Rosário (Direitos Humanos) limitaram-se a dizer que a presidente é contra qualquer tipo de discriminação. Na Câmara, líderes de partidos contrários ao projeto que autoriza psicólogos a tentar mudar a orientação sexual de indivíduos assinaram requerimento de urgência para que a proposta seja votada — e derrubada — rapidamente, para atender as demandas das ruas. Pelo Twitter, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) criticou a presidente. "Não há explicação para o desprezo e a desconsideração da presidente Dilma com o segmento evangélico", escreveu. No encontro com a juventude, pela manhã, Dilma disse para os estudantes que o substitutivo que destina 25% dos royalties para a saúde é "uma boa solução". (JB)

Lula longe dos estádios

Um dos maiores defensores da candidatura do Brasil como país sede da Copa do Mundo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem evitado aparições públicas desde o início dos protestos no país e não esteve em nenhum dos jogos realizados até agora pela Copa das Confederações. Amanhã, quando o Brasil enfrenta a Espanha na final do torneio, Lula nem sequer estará no país. Ele participará de um encontro sobre a fome na Etiópia.

O evento do qual participará na África é organizado pelo Instituto Lula, em parceria com a União Africana e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O ex-presidente fará hoje o discurso de abertura.

Durante os protestos, que se intensificaram ao longo das últimas duas semanas, Lula fez uma única declaração sobre os atos, por meio de nota publicada em uma rede social. "Ninguém em sã consciência pode ser contra manifestações da sociedade civil, porque a democracia não é um pacto de silêncio, mas sim a sociedade em movimentação em busca de novas conquistas", disse.

Protestos continuam no país

A sexta-feira teve protestos menores e mais pacíficos pelo Brasil. A exceção foi Natal, onde pelo menos 10 mil manifestantes participaram do maior ato do dia. Mesmo após a redução de R$ 0,10 no preço do bilhete de ônibus na cidade, que voltou a custar R$ 2,20, o movimento #RevoltadoBusão pediu melhorias no transporte público e o passe livre estudantil. Não houve repressão policial violenta, mas oito pessoas foram presas por porte de bombas caseiras e pelo menos outras 13 por atos de vandalismo. O grupo passou pelas principais ruas da cidade, durante toda a tarde e início da noite, mas não houve confrontos. Durante parte da tarde, o perfil da Polícia Militar do estado foi hackeado e recebeu postagens com referências ao grupo Anonymous.

Em Campinas (SP), manifestantes tentaram protocolar uma pizza na Câmara dos Vereadores da cidade, pois não conseguiram apoio dos parlamentares para a criação de uma CPI do Transporte. Nove pessoas se acorrentaram ao prédio e solicitaram a presença do presidente da Casa, mas desistiram antes de serem atendidas.

Na Grande São Paulo, um pequeno grupo tentou invadir a prefeitura de Guarulhos, no início da noite, mas foi contido pela guarda municipal com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. No mesmo horário, todas as faixas da Avenida Paulista, no centro, voltaram a ser ocupadas por manifestantes. A Via Dutra, estrada que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, e a rodovia estadual SP-332 foram obstruídas por protestantes, ao longo do dia. Em Cosmópolis, cabines de cobrança de pedágio foram incendiadas e cinco pessoas presas. Também houve manifestações em Guarujá, prejudicando o acesso ao porto de Santos.

No Rio de Janeiro, a diversidade de solicitações marcou o dia. Profissionais da área de saúde foram às ruas contra o Ato Médico; cerca de 1 mil militantes LGBT pediram o arquivamento do projeto da "cura gay", em tramitação na Câmara Federal e, à tarde, 700 taxistas saíram em carreata, causando grande lentidão no trânsito, contra a medida judicial que exige procedimentos licitatórios para a concessão de novas linhas de táxi.

No início da noite, em Vitória, 800 estudantes saíram da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) para uma passeata pelas ruas da cidade, ganhando a adesão de outras pessoas. Ao todo, cerca de 5 mil pessoas marcharam pela capital capixaba. Até o fechamento desta edição, não havia registro de vandalismo. Em Cuiabá, mais de 1 mil pessoas marcharam pelas ruas de forma pacífica.

Em Juiz de Fora(MG), no interior do estado, cerca de 80 manifestantes mantiveram ontem a ocupação da Assembleia Municipal, iniciada na quinta-feira, e prometem não sair do local até que haja redução da passagem de ônibus e do salário dos vereadores. Em Curvelo, no interior do estado, foi enterrado Douglas Henrique Souza, de 21 anos, morto na quarta-feira após cair de um viaduto, durante protesto em Belo Horizonte.

Em Santa Maria (RS), a Câmara dos Vereadores também continua ocupada por manifestantes. Desde a última terça-feira, familiares de vítimas do incêndio na boate Kiss estão no local, para pedir o fim da CPI que apura as responsabilidades do poder público na tragédia. Isso porque há um suposto acordo tramado entre os vereadores para eximir de responsabilidades o prefeito, Cezar Schirmer (PMDB).

Em Altamira, no Pará, cerca de 1 mil pessoas pediram o cumprimento das contrapartidas socioambientais por parte da empresa Norte Energia, responsável pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu. A obra mais cara da segunda edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) previa uma série de compensações que reduziriam os impactos da construção, mas até agora nenhum prazo foi respeitado.

Fonte: Correio Braziliense

Manifestações não inspiram oposição

Partidos contrários ao governo se mostram acuados com a dimensão dos protestos e dizem que as legendas não devem se capitalizar com as ações populares

Bruna Serra

Ainda que a maior vitrine das manifestações que tomaram o Brasil seja o governo em exercício - com contestações mais imediatas ao PT da presidente Dilma Rousseff (PT) -, a oposição tem demonstrado dificuldades em catalisar os anseios populares. Desde que o movimento foi iniciado, há aproximadamente 15 dias, os partidos que são contrários à administração petista se posicionam apenas por meio de notas públicas, deixando transparecer que estão acuados com a dimensão dos protestos.

Na próxima semana, as lideranças de Democratas, PSDB e PPS devem se encontrar com a presidente para que seja acordada uma agenda de modo a atender novas demandas dos manifestantes. O ex-íder do PSDB na Câmara Federal, o deputado Bruno Araújo, defende o bloco oposicionista afirmando que não é possível nenhum partido político capitalizar com os movimentos. Para o tucano, quem não tiver a compreensão desse momento terá dificuldades para permanecer na vida pública.

"Do ponto de vista de oposição está claro que esses importantes movimentos encerram um ciclo de cultura de passividade. Eles contestam um sistema político como um todo, mas gera um passivo muito maior para quem preside o status quo do poder hoje que é o PT, que é levado a falar e gera um desgaste maior dentro da contestação do todo do sistema", avalia.

Sintonia

Araújo ataca o governo afirmando que todas as demandas da população atendidas até agora devem ser computadas na conta do Congresso Nacional. De acordo com o parlamentar, o cenário para 2014 ficou ainda mais nublado.

"Um viés importante de troca de começa a se confirmar. Um viés de alta para um eventual alternância de poder para 2014", provocou. A disposição do bloco oposicionista em relação ao encontro da próxima semana é jogar no colo do governo o peso de sua base aliada. "As oposições querem saber da presidente porque ela não orienta a base a derrubar o veto à emenda 29, por exemplo, que retirou dezenas de bilhões da saúde."

Tentando demonstrar sintonia com a pauta das ruas, o PPS usou seu horário político nacional para abordar as reivindicações. Presidente nacional do partido, o deputado federal Roberto Freire está apostando na força dos manifestantes para derrubar ainda mais a popularidade da presidente. "O que pode acontecer em 2014 já aconteceu agora, com o governo sendo contestado. A próxima pesquisa deve indicar uma queda maior na avaliação da presidente e do governo. A oposição está se articulando, se afirmando e vai ter uma participação em 2014", assegurou o oposicionista.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Presidente deu ‘banana’ para as centrais, diz sindicalista

Líderes da Força Sindical criticaram ontem a presidente Dilma Rousseff, que foi acusada de ignorar as demandas da classe trabalhadora. A Força e outras centrais sindicais se reuniram com a presidente na quarta-feira para levar uma pauta com reivindicações da categoria, mas parte dos presentes reclamou que Dilma os ouviu a contragosto.Os ataques a Dilma foram feitos durante plenária realizada ontem,em São Paulo,para organizar a greve marcada para 11 de julho, em ato batizado como Dia Nacional de Lutas.

“Na quarta, Dilma falou por 40 minutos e, com muita raiva, deixou que a gente falasse. Quando terminou, se levantou e foi embora, sem nenhuma decisão concreta”, disse o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (PDT-SP). “Dilma deu banana para as forças sindicais. Ela não tem compromisso com os sindicalistas”, disse Valdir de Souza Pestana, presidente da Federação dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário do Estado de São Paulo.

As centrais sindicais decidiram no começo da semana promover uma série de paralisações em todo o País como forma de protestar contra o que consideram uma falta de atenção de Dilma à pauta trabalhista. A categoria também reclama dos poucos encontros que a presidente fez com as lideranças. Desde que assumiu, Dilma esteve duas vezes com representantes das centrais.

Em nota, a Força anunciou que portuários, metalúrgicos, trabalhadores da construção pesada e civil e o setor de transportes vão parar no dia 11 de julho.

Ato. “Será um protesto contra a falta de atendimento de nossas reivindicações. Três anos depois de a presidente ser eleita, nada da pauta trabalhista foi cumprido”, disse Paulinho. O ato terá apoio de outras centrais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central Sindical e Popular (CSP- Conlutas) e a União Geral dos Trabalhadores (UGT).

Paulinho disse ter se encontrado com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB),para falar sobre a greve. Ele disse ao governador que as manifestações serão pacíficas. “Não terá baderna”, garantiu o presidente da Força Sindical.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Não caiu a ficha - Cristovam Buarque

As surpreendentes mobilizações dos últimos dias podem ser explicadas em dez letras: "Caiu a ficha." Não se sabe exatamente o que levou a ficha a cair neste exato momento, mas todos os ingredientes já estavam dados. A maior surpresa foi a surpresa. Caiu a ficha de que o Brasil ficou rico sem caminhar para a justiça: chegou a sexta potência econômica, mas continua um dos últimos na ordem da educação mundial. Também caiu a ficha de que sem educação não há futuro, e de que, por isso, 13 anos depois de criada, a Bolsa Família continua necessária, sem abolir sua necessidade.

Caiu a ficha de que em 20 anos de governos socialdemocratas e dez anos do PT no poder ampliamos o consumo privado, mas mantivemos a mesma tragédia nos serviços sociais, nos hospitais públicos e nas escolas públicas. Caiu a ficha de que o aumento no número de automóveis em nada melhora o transporte, ao contrário, piora o tempo de deslocamento e endividamento das famílias. Caiu a ficha de que o PIB não está crescendo e se crescesse não melhoraria o bem-estar e a qualidade de vida. Caiu a ficha de que, no lugar de metrópoles que nos orgulhem, temos "monstrópoles" que nos assustam.

Caiu a ficha do repetido sentimento de que a corrupção não apenas é endêmica, ela é aceita; e os corruptos, quando identificados, não são julgados; e se julgados não são presos; e se presos não devolvem o roubo. E de que os políticos no poder desprezam as repetidas manifestações de vontade popular.

Caiu a ficha de que o povo paga a construção de estádios, mas não pode assistir aos jogos. E de que a Copa não vai trazer benefícios na infraestrutura urbana das cidades-sede, como foi prometido. Aos que viajam ao exterior, caiu a ficha da péssima qualidade de nossas estradas, aeroportos e transporte público.

Caiu a ficha de que somos um país em guerra civil, onde 100 mil morrem por ano por assassinato direto ou indireto no trânsito.

Caiu a ficha também de que as mobilizações não precisam mais de partidos que organizem, de jornais que anunciem, de carros de som que conduzam, porque o povo tem o poder de se autoconvocar por meio das mídias sociais. A praça hoje é do tamanho da rede de internet, e é possível sair das ruas sem parar as manifestações e voltar a marchar a qualquer momento. Na prática, caiu a ficha de que é fácil fazer guerrilha-cibernética: cada pessoa é capaz de mobilizar milhares de outras de um dia para o outro em qualquer cidade do país.

Mas, entre os dirigentes nacionais, ainda não caiu a ficha de que mais de dois milhões de pessoas nas ruas não se contentam com menos do que uma revolução. Mais de dois milhões não param por apenas 20 centavos nas passagens de ônibus. Eles já ouvem as ruas, mas ainda não entendam o idioma da indignação. Nem caiu a ficha de que só manifestações não bastam. É preciso fazer uma revolução na estrutura, nos métodos e nas organizações da política no Brasil: definir como eleger os políticos, como eles agirão, como fiscalizá-los e puni-los.

Cristovam Buarque, senador(PDT-DF)

Fonte: O Globo

Indignação furiosa - Luiz Eduardo Soares

A classe média descobriu a brutalidade policial, que os pobres e negros nunca ignoraram. Polícia tornou-se um dos temas chave nas ruas

A sociedade brasileira tomou as ruas e sequestrou para si o título que lhe custara bilhões de reais e, por decisões autocráticas, a excluíra: o grande evento. Centenas de milhares de pessoas deslocaram o campo de futebol para o meio da rua e vestiram a camisa do país, assumindo inaudito protagonismo histórico. Resta ao intérprete calçar as sandálias da humildade e admitir sua ignorância e perplexidade ante o fenômeno radicalmente novo. O interesse público fora confiscado pela tecnocracia, aliada a empreiteiras e subserviente à tutela arrogante (e voraz) da Fifa. Os chamados "grandes eventos" serviram de justificativa para lucros extraordinários e para a festa da especulação imobiliária, sob a retórica do legado social, enquanto a mobilidade urbana tornava-se, crescentemente, uma contradição em termos. A massa rompeu expectativas e a tradição de apatia, inventando um movimento que será, por suas lições e efeitos, o verdadeiro legado às gerações futuras. A narrativa passou a ser escrita, nas ruas e nas redes virtuais, por milhões de mãos e vozes, desejos e protestos, inscrevendo seus autores na cena global, em diálogo com outras praças, outras multidões, outras lutas. A sociedade virou o jogo.

Aplicar velhos esquemas cognitivos serve apenas para exorcizar o novo, domesticar a diferença e mascarar a insegurança intelectual, confirmando velhas crenças e categorias. O momento exige humildade do intérprete e o reconhecimento de que também as categorias tradicionais com que opera estão em xeque, desestabilizadas pela potência disruptiva e criadora do movimento social. Além disso, é necessário reconhecer que a disputa central agora é pelos significados do que está acontecendo, porque do consenso que se construir sobre o sentido dependerá o desdobramento do processo político. Projetando-se os modelos cognitivos convencionais sobre o que é radicalmente diferente, só se vê o que o movimento não é: "não organizado, sem liderança ou centro, desprovido de ideologia e de objetivos, irracional etc." Entretanto, ele existe. Como descrever sua positividade? Comecemos por ecoar sua polifonia.

A terra treme porque o país avançou, e as desigualdades, embora ainda imensas, reduziram-se significativamente. As manifestações não são sintoma de declínio, mas afirmação de força e fé no futuro, ainda que pelo avesso, isto é, sob a forma de protesto indignado contra o que, contrastando com os avanços – e mesmo tendo sido por décadas naturalizado – agora tornou-se inaceitável. O pensador francês do século 19 Tocqueville nos ensinou que a miséria e a vulnerabilidade social só conduzem à reiteração da impotência. Rebelam-se os que têm a perder, conquistaram avanços, sentem-se potentes e sob ameaça. A sociedade brasileira aprendeu a valorizar a cidadania e despertou da inércia.

Os atores reunidos nas ruas, na maioria jovens, são os mais diversos, têm diferentes origens sociais, falam todas as línguas ideológicas e vocalizam as mais variadas denúncias e reivindicações. Seria artificial e contrário ao espírito das manifestações submeter o coro de contrários a uma univocidade ortopédica.

Entretanto, uma certeza é consensual: a representação política ruiu. Não é de hoje, mas somente agora o escárnio das esquinas, a repulsa ao mundo político que se limitava às conversas cotidianas ganhou corpo e visibilidade, tanto quanto ganharam visibilidade e reconhecimento milhões de cidadãos antes unidos pelo ressentimento, sentindo-se diariamente desrespeitados pelas autoridades, pelas instituições, pelo transporte público, pelas condições da saúde e da educação. 

O colapso da representação vinha sendo coberto pela competência do executivo federal, por políticas públicas exitosas, pelo carisma de Lula. Na atual conjuntura, o executivo não é mais escudo protetor para a ilegitimidade do Parlamento, em razão de inúmeros tropeços: repique inflacionário, retrocesso na proteção ao meio ambiente, passividade ante assassinato de indígenas, alianças com impostores venais que tornaram "governabilidade" sinônimo de vale tudo, passividade ante chantagens obscurantistas e regressivas de religiosos fundamentalistas, e tantas hesitações e contradições de um governo claudicante, que recorre ao BNDES para selecionar vencedores, não tem capacidade de investimento, convive com uma infraestrutura sucateada, é insensível ao desafio da competitividade industrial e mantém-se fiel a um modelo econômico insustentável, voltado para o consumo e a proliferação epidêmica de automóveis. Observe-se que nesta lista de problemas há munição ampla o suficiente para atingir a todos, à direita e à esquerda. O colapso da representação política significa o divórcio entre o Estado e a sociedade.

Um fator determinante foi a cooptação do PT e de um grande número de sindicatos e movimentos sociais por parte do governo federal. A história é pródiga em exemplos de desastres provocados pela superposição entre Estado, governo e partido. Resultado: o PT perdeu a rua, e a UNE, devorada pelo aparelhismo do PCdoB, foi a grande ausente. Erro dramático do PT e do governo federal: no começo, um mar de rosas, ruas vazias, aplausos das categorias, paz para governar. Agora, o vazio, a impotência, a impossibilidade para liderar, dirigir e até mesmo disputar. E o país diante da necessidade de reinventar a política.

E a violência nas ruas?

Imaginemos a seguinte descrição do despertar da sociedade brasileira:

O paciente coletivo respirava por instrumentos na UTI. Graças às melhorias socioeconômicas das últimas duas décadas, recuperou a consciência e os movimentos do corpo, ergueu-se, descobriu que sua casa fora ocupada por políticos venais interessados na reprodução de seus mandatos, cúmplices de empreiteiras e do capital financeiro vinculado à especulação imobiliária, vândalos oficiais a serviço do modelo automotivo de desenvolvimento insustentável, arruaceiros do interesse público, baderneiros bem-comportados de paletó e gravata, desordeiros de colarinho branco. Furioso, o paciente, agora impaciente, espana os parasitas com o vigor redescoberto.

Creio que esse relato traduza o sentimento que flui nas manifestações. O que parecia ser ordem, antes da onda de protestos, correspondia a transgressões continuadas à Constituição e aos princípios mais elementares da moralidade pública.

Consultemos, agora, imaginariamente, os sentimentos e as percepções difusas dos jovens mais pobres que têm convivido, diariamente, com a brutalidade policial. Tomo como exemplo acontecimentos desta semana, no complexo de favelas cariocas da Maré: policiais do Bope invadiram residências (derrubando portas e sem mandado judicial), quebraram utensílios domésticos, humilharam, agrediram e ameaçaram moradores dentro de suas casas. Na operação, morreram 10 pessoas: um policial, sete considerados suspeitos de participação no tráfico de drogas e dois oficialmente tidos por inocentes. Contemplemos por um instante outros fatos recorrentes no Rio e em vários outros Estados: chacinas são perpetradas por policiais, milicianos tiranizam comunidades, armas e drogas são apreendidas a ferro e fogo, em incursões bélicas que ferem e matam inocentes, mas são devolvidas em seguida, mediante negociações com traficantes locais ou facções rivais, à luz do dia, diante da comunidade. As autoridades prometem investigar com rigor – e não alteram os protocolos da ação policial. O Ministério Público é responsável pelo controle externo da atividade policial, mas tem sido omisso, com plena anuência da Justiça – ressalvadas as honrosas exceções, entre elas a saudosa juíza Patrícia Acioli, assassinada com 21 tiros por policiais. Quantos profissionais das polícias, envolvidos em chacinas, no rastro dos ataques do PCC em São Paulo, em 2006, foram punidos? 

Quantos foram investigados e punidos no Rio, onde 9.231 mortes foram provocadas por ações policiais entre 2003 e 2012? Esses dados deveriam levar-nos a compreender a fonte da indignação furiosa de quem depreda – deixo de lado, evidentemente, os criminosos que se aproveitam da situação. Não se trata de justificar a violência, mas de entender suas raízes e, sobretudo, de explicar por que a massa considera hipócrita o foco da mídia na ação dos assim chamados "vândalos". Antes das manifestações, não havia ordem e normalidade, mas vandalismo continuado, praticado por aparelhos do Estado contra muitos, nas periferias, Brasil afora. Falta equidade no tratamento por parte do Estado e da mídia. A ordem tida como natural antes da eclosão das manifestações não era menos destrutiva do que a desordem promovida por alguns manifestantes. Esse é o ponto – o qual, insisto, não justifica a violência, mas a torna inteligível.

A violência cometida nas ruas por grupos sempre atuantes, embora francamente minoritários, têm sido o maior obstáculo ao sucesso do movimento. Quem pratica saques e quebra-quebras põe-se como inimigo da massa que se manifesta nas ruas e contribui para a estigmatização do movimento e seu esvaziamento. Essa prática coloca para qualquer polícia, mesmo a melhor do mundo e a mais democrática, um desafio trágico, um problema insolúvel. Uma polícia para a democracia tem o dever de garantir direitos. É este seu mandato constitucional. Há os direitos dos cidadãos à livre manifestação e também aqueles que estão sendo violados por quem age com violência destrutiva. Está em jogo o interesse público seja na plena liberdade do movimento, seja na proteção ao patrimônio público. Quando manifestantes depredam, criam um dilema incontornável para o poder público e a polícia – e por isso o fazem: projetam seu ódio e buscam um cadáver, geram as condições para o surgimento do mártir, diante do qual as manifestações seriam empurradas para o abismo das retaliações recíprocas intermináveis. O que deve fazer uma polícia comprometida com a legalidade constitucional? Reduzir danos, atuar no limite superior da tolerância e inferior do uso da força, buscar o diálogo, apostar na compreensão da imensa maioria sobre os impasses. O que uma polícia que serve à cidadania, cumprindo o mandato constitucional democrático, não deve fazer? 

Aquilo que tem sido a rotina no Rio e tem ocorrido em outras cidades e Estados: investir na vingança, provocar manifestantes, prender discricionariamente, agredir indivíduos desarmados e isolados, acuar grupos em vez de suscitar condições para que dispersem, atacar arbitrariamente, ostentar o sorriso de escárnio como bandeira de seu ressentimento, reafirmando pela prepotência a profundidade de sua própria insegurança e de seu descompromisso com a legalidade. Tampouco deve usar armas menos letais como se fossem não letais. Pior: como se fossem brinquedos inofensivos de uso ilimitado. De sua parte, cabe ao movimento, mesmo mantendo-se descentralizado e apartidário, organizar-se minimamente para inibir as práticas que, de fato, tentam desqualificá-lo, politicamente.

Duas questões me parecem decisivas:

(1) A classe média descobriu a brutalidade policial, que os pobres e negros nunca ignoraram. Polícia tornou-se um dos temas chave, nas ruas. Por que a presidente omitiu o debate em torno da mudança do modelo policial, que envolve a desmilitarização, e que vem sendo adiada desde a transição democrática? É urgente estender a transição à segurança pública. O silêncio oficial tem sido cúmplice de milhares de execuções extrajudiciais, de torturas, violações cotidianas, inclusive contra os próprios policiais. Até quando reinará a negligência? Nada mais desconectado das ruas e da realidade do que a proposta patética das oposições: "mais verbas para a segurança pública". Como alimentar essa máquina de morte, essa fonte de violações? Nenhum centavo deveria ser concedido antes que se refundassem as polícias.

(2) A proposta presidencial sobre reforma política sem dúvida dialoga com o eixo dos protestos, isto é, focaliza o colapso da representação. Entretanto, só fará sentido se mostrar-se capaz de quebrar os mecanismos em curso. Isso não guarda relação clara para a maioria dos manifestantes com sistema eleitoral – distrital, simples ou misto, ou proporcional –, voto em lista, financiamento de campanha etc. O que poderia conversar com as ruas seria uma proposição radical, que sepultasse a representação política como carreira e negócio. 

Eis um exemplo: para o parlamento, eleições a cada dois anos com apenas uma reeleição, candidaturas avulsas da sociedade seriam possíveis, salários dos deputados seriam iguais aos dos professores, cada um teria três assessores, nada de carro oficial, verba de gabinete ou aposentadoria por oito anos de trabalho, dinheiro para campanha apenas aquele doado por cidadãos (tendo 500 reais como teto – sobre os recursos deveria haver plena transparência com informação em tempo real via internet), nada de tempo na TV, que virou moeda (utilize a internet quem quiser e puder mobilizar sua rede). Eleitos seriam os mais votados, sem os coeficientes partidários e as coligações. Para o Senado, não haveria suplente, os mandatos seriam de quatro anos sem reeleição e as condições seriam as mesmas dos deputados. Para o executivo, apenas um mandato de cinco anos e regras específicas. Enfim, uma transformação realmente profunda poderia sensibilizar a maioria da sociedade e reconectá-la à representação.

Luiz Eduardo Soares, sociólogo e professor da Uerj

Fonte: Zero Hora (RS)

Mudar para ficar igual - Denise Rothenburg

Os políticos poderiam considerar, pelo menos uma vez na vida, os limites da ingenuidade do eleitor. As tentativas do Congresso e do Planalto em apresentar respostas às manifestações nas cidades serviram apenas para demonstrar o quanto as autoridades atrapalham o jogo democrático. Todas as medidas, entre promessas e projetos aprovados para diminuir o barulhos dos protestos, estão longe de resultados. E, sabe-se, entraram na pauta efetiva da Esplanada depois das imagens do mar de gente com cartazes improvisados a reivindicar de tudo. Um tudo resumido em transparência, algo difícil ao poder político.

Reportagem de Amanda Almeida, Juliana Colares e Diego Abreu publicada na edição de ontem deste Correio mostrou que todas as medidas apresentadas até agora têm grandes entraves para serem colocadas em prática. Mesmo com os sustos das manifestações, os políticos voltaram a fazer o que sabem: burocratizar a pauta. Primeiro, com ideias sobre plebiscito, tão desamarradas que é impossível apostar ou botar alguma fé. Pelo menos no que depender das reuniões feitas até agora entre Dilma e a base aliada. Ali, a cada encontro aumenta o pacote de propostas do tal plebiscito.

Depois de o Palácio do Planalto anunciar que as perguntas serão centradas no financiamento público de campanha e o sistema eleitoral — o que já daria uma confusão danada —, a pauta de itens do plebiscito só tem aumentado. Apareceu um com a ideia de ouvir a população sobre a reeleição e sobre se é possível esticar o mandato presidencial para cinco anos. Daqui a pouco, outro vai querer diminuir o número de parlamentares no Congresso. A lista será infindável, tudo para melar o plebiscito. É o que a maior parte dos políticos quer.

Satisfação

Na real, os políticos estão satisfeitos com o atual modelo. Qualquer ensaio de mudanças na verdade é uma tentativa de manter as coisas no devido lugar. Os exemplos são os mais variados. E os mais tristes. Por mais de 60 anos, parlamentares receberam 15 salários anuais, dois a mais do que qualquer trabalhador. E só pararam de receber este ano depois de uma campanha efetiva deste Correio, e com a troca do comando da Câmara dos Deputados, que, a partir de uma agenda positiva, viu na proposta a chance de reabilitar a imagem. Agora, com as manifestações, decidiu-se acabar com o voto secreto.

O fim do voto secreto chegou a ser estampado em uma das faixas da manifestação de quinta-feira da semana passada em Brasília. E foi considerado pelos políticos como uma reivindicação das ruas. Assim, apresentaram uma resposta, aprovando o texto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. O detalhe é que o projeto que está na pauta põe fim ao voto secreto apenas nos casos de cassação de parlamentares. Todos os outros, como veto presidencial, continuam fechados.

As dificuldades de implementação das propostas também aparecem na destinação dos royalties, responsabilidade fiscal, destinação de dinheiro para mobilidade urbana, aceleração de julgamentos por improbidade — uma meta do Judiciário —, passe livre para estudantes, redução do grande número de ministérios de Dilma e a rejeição do projeto de "cura gay".

Sem contar com a própria mudança de tipificação da corrupção, que passa a ser considerada crime hediondo. A alteração no rigor da lei nem sempre reduz a roubalheira dos políticos, como mostram alguns estudos. Como em quase todos os crimes.

Assim, as mudanças políticas estão longe da urgência das ruas. Os eleitores sabem disso, sem ingenuidade.

Quem precisa de oposição?

Depois de cometer todos os erros políticos nos primeiros dias das manifestações, Dilma Rousseff parece disposta a ouvir setores sociais. Mesmo que por sobrevivência política, a ação foi festejada por parte do PT, que espera um suspiro nos próximos dias dentro do Palácio do Planalto. Tal parte trata-se dos petistas mais ligados a Dilma. Os correligionários de Lula no partido preveem dias mais conturbados.

Fonte: Correio Braziliense

Plebiscito ou crise - Fernando Rodrigues

O Planalto encalacrou o Congresso e deixou dois caminhos principais para deputados e senadores. Um deles é aprovar o plebiscito sobre a reforma política a jato, como deseja a presidente. A outra saída é derrotar Dilma Rousseff e dar início ao fim de seu governo.

O Congresso estará colaborando com Dilma se fingir que acha tudo maravilhoso e aprovar o plebiscito com itens que ajudarão o PT a se perpetuar no poder --como o sistema de voto em listas fechadas e com nomes pré-ordenados pelo partido. Nessa hipótese, o Legislativo assume de maneira ostensiva um papel de subserviência ao Executivo.

Se deputados e senadores tiverem um raro surto de independência e rejeitarem o plebiscito, será uma declaração de guerra. Da janela do Palácio do Planalto, a presidente apontará para o Congresso: "Vejam todos. Ali estão os vendilhões da pátria. São eles que ignoram o clamor das ruas. Não querem modernizar a política e não ligam para o Brasil".

Há uma possível saída intermediária. Aprovar um plebiscito desfigurado, incompreensível ou só para ser aplicado na eleição de 2014. Uma embromação. Nesse caso, morreriam todos abraçados, Executivo e Legislativo. Prometeram uma montanha e estariam parindo um rato.

Problemas políticos só se resolvem com mais política. Alta política, no caso. As (poucas) cabeças pensantes do Congresso e do Planalto podem muito bem fazer uma pauta mínima de modernização do sistema. Uma cláusula de desempenho para partidos, evitando a proliferação de aventureiros do aerotrem. O fim das coligações malucas entre comunistas e capitalistas, que só confundem o eleitor. Regras de democracia interna para as siglas deixarem de ser controladas por oligarquias.

Essas medidas podem ser aprovadas por meio de lei. Reduziriam a temperatura. Mas dependem de políticos com a cabeça no lugar e bom-senso. Aí já é querer demais.

Fonte: Folha de S. Paulo

O golpe do PT - Merval Pereira

É claro que a reforma política é fundamental para avançarmos no processo democrático, e não é à toa que há anos buscam-se fórmulas para aperfeiçoar nosso sistema político-partidário, responsável principal pelas distorções na atividade política.

Quando os manifestantes nas ruas dizem que não se sentem representados pelos partidos políticos, e criticam a defasagem entre representante e representado, estão falando principalmente da reforma política.

Mas há apenas uma razão para que o tema tenha se tornado o centro dos debates: uma manobra diversionista do governo para tentar assumir o comando da situação, transferindo para o Congresso a maior parte da culpa pela situação que as manifestações criticam.

O governo prefere apresentar o plebiscito sobre a reforma política como a solução para todos os males do país e insistir em que as eventuais novas regras passem já a valer na eleição de 2014, mesmo sabendo que dificilmente haverá condições de ser realizado a tempo, se não pela dificuldade de se chegar a um consenso sobre sua montagem, no mínimo por questões de logística.

A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, convocou para terça-feira uma reunião com todos os presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) para começar a organizar a logística para um possível plebiscito.

Ao mesmo tempo, a diretoria de Tecnologia do TSE já começou a estudar qual a maneira mais rápida de montar uma consulta popular nas urnas eletrônicas. Só depois dessas reuniões, o TSE terá condições de estimar o tempo previsto para implementar o plebiscito, e até mesmo sua viabilidade, já que o sistema binário (de sim ou não) pode não ser suficiente para a definição de temas tão complexos quanto o sistema eleitoral e partidário.

Mas já há movimentos dentro do governo no sentido de que o prazo mínimo de um ano para mudanças nas regras eleitorais, definido pela Constituição, seja reduzido se assim o povo decidir no plebiscito. Ora, isso é uma tentativa de golpe antidemocrático que pode abrir caminho para outras decisões através de consultas populares, transformando-nos em um arremedo de república bolivariana. A questão certamente acabará no Supremo, por inconstitucional.

A insistência na pressa tem boas razões. O sonho de consumo do PT seria mudar as regras do jogo com a aprovação das candidaturas em listas fechadas, em que o eleitor vota apenas na legenda, enquanto a direção partidária indica os candidatos eleitos.

Como o partido com maior apelo de legenda, o PT teoricamente seria o de maior votação. Mas, se as mudanças não acontecerem dentro do cronograma estabelecido pelo Palácio do Planalto, será fácil culpar o Congresso pela inviabilização da reforma política, ou o TSE.

Já no 3º Congresso do PT, em 2007, o documento final - que Reinaldo Azevedo, da "Veja", desencavou - defende exatamente os pontos anunciados pela presidente Dilma em seu discurso diante dos governadores e prefeitos.

Ela própria admitiu que gostaria que do plebiscito saíssem o voto em lista e o financiamento público de campanha. Até mesmo a Constituinte exclusiva, que acabou sendo abortada, está entre as reivindicações do PT desde 2007. "Para que isso seja possível, a reforma política deve assumir um estatuto de movimento e luta social, ganhando as ruas com um sentido de conquista e ampliação de direitos políticos e democráticos", diz o documento do PT.

Para os petistas, "a reforma política não pode ser um debate restrito ao Congresso Nacional, que já demonstrou ser incapaz de aprovar medidas que prejudiquem os interesses estabelecidos dos seus integrantes". A ideia de levar a reforma para uma Constituinte exclusiva tem como objetivo impedir que "setores conservadores" do Congresso introduzam medidas como o voto distrital e o voto facultativo, "de sentido claramente conservador", segundo o PT.

De acordo com o mesmo documento, "a implantação, no Brasil, do financiamento público exclusivo de campanhas, combinado com o voto em listas preordenadas, permitirá contemplar a representação de gênero, raça e etnia".

Portanto, a presidente Dilma está fazendo nada menos que o jogo do seu partido político, com o agravante de ser candidata à Presidência da República na eleição cujas regras pretende alterar.

Os pontos-chave
1. O governo apresenta o plebiscito sobre a reforma política como a solução, mesmo sabendo que dificilmente haverá condições de ser realizado a tempo

2. O sonho do PT seria mudar as regras do jogo com a aprovação das candidaturas em listas fechadas

3. Já no 3º Congresso do PT, em 2007, o documento final defende exatamente os pontos anunciados por Dilma

Fonte: O Globo

O que disseram as ruas? - Sergio Amaral

Nos Cadernos do Cárcere, Gramsci faz uma curiosa comparação: os fenômenos políticos são por vezes como as doenças de pele, podem aparecer de um dia para o outro, mas são o resultado de um longo processo de transformações orgânicas. As manifestações de rua estão de volta. Ocorreram nos EUA (Ocupe Wall Street), na Grécia e na Espanha (contra a política de austeridade), na França (contra o casamento gay) no Egito (sob a influência da Primavera Árabe) e em tantos outros países e pelas mais distintas razões. São a expressão de um processo mais amplo de enfraquecimento do Estado-nação sob o efeito pinça das pressões que vêm de cima - em decorrência da globalização dos fluxos econômicos - e das demandas que vêm de baixo - como resultado do fortalecimento da sociedade civil. A noção mesmo de Estado-nação sofre expressiva revisão, com considerável impacto sobre a fisionomia da democracia.

Em termos simplistas e até mesmo caricatos, o cidadão quer pagar menos impostos, mas exige mais e melhores serviços; não se contenta em ser representado, mas quer participar das decisões; e assume, mediante novas formas de organização da sociedade, um conjunto de atribuições que eram antes privativas do Estado. O terceiro setor vem desempenhando papel relevante na defesa de causas legítimas, como a igualdade entre homens e mulheres, a defesa do meio ambiente e a proteção dos direitos humanos, temas que se incorporaram à agenda dos países e dos foros internacionais.

Era difícil prever que as ruas das principais cidades brasileiras viessem a ser tomadas por manifestações espontâneas e tão numerosas. Entre nós, as passeatas anunciam a chegada da crise econômica ao cotidiano das pessoas e das empresas - o baixo crescimento, o endividamento, a inadimplência e a inflação. Mas expressam também o repúdio à corrupção e a revolta contra o desperdício. Basta ouvir o que os manifestantes gritam na rua e ler o que dizem seus cartazes para entender o que significam. É um desabafo, ainda difuso, contra as privações do cotidiano e uma frustração crescente com um sistema político que não é capaz de dar curso às demandas da sociedade e transformar reclamos justificados em decisões acertadas.

À sua maneira, as passeatas explicitam a falta de legitimidade das instituições. Os sindicatos perderam boa parte da relevância que já tiveram. Os partidos políticos não se mostram capazes de representar e conciliar os interesses da sociedade. Os governos hesitam diante da rapidez e magnitude das transformações.

Essas manifestações são ainda, predominantemente, uma iniciativa da classe média. As camadas de renda mais baixa estiveram, pelo menos até agora, mais atentas ao processo de distribuição de renda e aos programas sociais que as beneficiem. Nesse sentido, as passeatas organizadas pelo Movimento Passe Livre (MPL) deixam uma indagação no ar, que está em saber como a mensagem das ruas foi ou será filtrada para os grupos de baixa renda.

Até agora o governo não logrou cumprir com promessas que já havia feito: o crescimento continua a derrapar, a inflação sobe, os investimentos na infraestrutura ainda não decolaram. Os agentes econômicos parecem ter perdido a confiança no País, não investem ou emigram. Saúde, educação, transportes e segurança continuam precários, enquanto os gastos para a Copa do Mundo são percebidos como injustificados ou abusivos se comparados com as reais necessidades da população. Em São Paulo, como noticiado pela imprensa, os usuários dos transportes aumentaram 16%, enquanto a frota de ônibus encolheu.

A representação parlamentar enredou-se no mensalão, emitiu sinais confusos no trato dos direitos humanos, mobilizou-se por causas equivocadas, como no caso da PEC 37, que visava a tolher o papel do Ministério Público nas investigações. O cidadão, hoje mais consciente e participativo, não se considera representado por aqueles em quem votou.

A mensagem das ruas é ainda difusa. Falta-lhe por vezes foco. Mas foram assim também as primeiras manifestações do Movimento Verde, que chegou a propor a paralisação do crescimento. Com o tempo as propostas amadureceram e se tornaram convincentes.

O MPL mostrou maturidade. Corretamente evitou ser confundido com arruaceiros e assaltantes. Quis deliberadamente afastar-se da companhia oportunista de partidos políticos. Percebeu claramente que sua força não está na violência ou na desordem, mas na conquista da opinião pública e na capacidade de colocar seus temas na agenda prioritária de partidos políticos e governantes.

As manifestações não vão desaparecer, tampouco perenizar-se. Poderão ser suspensas quando o objetivo for atingido, como ocorreu agora em relação ao preço das passagens. Ou amainar quando a resposta parecer convincente. Mas deverão voltar às ruas caso não melhore a qualidade das políticas públicas na área social ou persista a impunidade em casos notórios de corrupção. A esse respeito, uma eventual reversão na condenação dos réus do mensalão terá um efeito explosivo.

As passeatas não são um fato novo. Mas ganharam em capacidade de organização e de divulgação com o avanço das tecnologias da comunicação. Estão-se tornando mais frequentes e consequentes. Numa era de afirmação da democracia em escala mundial, em que golpes e revoluções têm espaço cada vez mais reduzido, os movimentos sociais e suas manifestações se afirmam como instrumento crucial para a transformação da sociedade.

Os gritos da rua são um sinal de alerta. Como bem assinala Manuel Castells, "o eco dos movimentos sociais é bem mais forte do que os próprios movimentos, assim como as suas consequências nas instituições e no mundo dos negócios".

Sergio Amaral é diplomata, foi secretário de Comunicação Social da Presidência da República no governo FHC

Fonte: O Estado de S. Paulo

O real, a rua e o governo - Edmar Bacha

O Real completa 19 anos em meio a enormes manifestações populares nas ruas brasileiras. O estopim para os protestos foram os reajustes em junho dos preços das passagens dos ônibus no Rio e em São Paulo, normalmente feitos em janeiro ou fevereiro. O objetivo do governo federal com o adiamento dos reajustes foi tentar impedir que a alta dos preços superasse no início do ano o teto de 6,5% da meta de inflação. Apesar de ter vindo acompanhado de controles do governo sobre os preços da energia e da gasolina, de nada valeu aquele adiamento, pois o teto da meta de inflação estourou de qualquer jeito em março.

Durante a preparação do Plano Real, há 19 anos, eram intensas as pressões sobre o ministro da Fazenda e sua equipe para congelar os preços quando da introdução da nova moeda. A equipe econômica resistiu com sucesso a essas pressões arguindo com o fracasso do Plano Cruzado, que foi baseado no congelamento de preços e salários. O real pôde então ser criado como uma moeda na qual os preços refletiam livremente seus custos e não a vontade dos governantes de mantê-los artificialmente baixos.

O atual governo parece haver esquecido essa lição, ao tentar inutilmente reprimir a inflação com controles de preços e desonerações fiscais. O ministro da Fazenda inventou uma tal de "nova matriz macroeconômica" que supostamente permitiria fazer a quadratura do círculo, evitando que os preços subissem apesar da expansão descontrolada do crédito e dos gastos do governo. A presidente da República, por sua vez, somente permitiu que o Banco Central aumentasse tardiamente os juros quando as pesquisas de opinião pública mostraram sua popularidade em rápido declínio por causa da inflação alta, colocando em risco sua reeleição.

A repressão pelo governo dos preços administrados vem minando a saúde financeira da Petrobras, da Eletrobras e das demais concessionárias de serviços públicos. Apesar disso, o povo nas ruas pede "passe livre" e isso não somente para os transportes públicos. Por enquanto, a resposta dos governos foi cancelar os reajustes dos preços dos ônibus e metrôs. Mas de sua tribuna na presidência do Senado, Renan Calheiros apresenta um projeto de lei para dar, Brasil afora, passe livre nos ônibus para os estudantes. A demagogia ameaça correr solta em Brasília.

Sempre antenados, os investidores tratam de se livrar das ações das concessionárias de serviços públicos, ao antecipar que doravante será difícil manter os reajustes de preços programados. Nesse ambiente conturbado, cabe perguntar o que acontecerá com os leilões de concessão de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos programados para o fim do ano. Será que grupos empresariais sérios se candidatarão a adquirir concessões que já vêm com o rótulo da "modicidade tarifária", quando a demanda das ruas é por tarifas menores do que as atuais?

Esse encolhimento dos investidores ajuda o dólar a disparar e se agrega à alta dos juros para piorar as perspectivas da economia. A consequência provável é que os pibinhos que se vêm se manifestando desde 2011 continuarão a mostrar sua cara feia neste e no próximo ano. Não é só a cara, o nome também é feio: trata-se da estagflação, uma combinação de estagnação com inflação.

O governo colhe os frutos de se ter comportado como o proverbial aprendiz de feiticeiro. Brincou com a inflação que tanto custou a ser contida há 19 anos, ao promover uma expansão descontrolada do crédito dos bancos públicos e dos gastos governamentais, ao postergar os reajustes dos preços controlados e ao não deixar o Banco Central atuar a tempo para conter a alta dos preços. Agora terá que lidar não só com as novas demandas populares mas também com a estagflação que ronda a economia.

Resta-nos torcer para que o despertar do Brasil que se manifesta nas ruas de todo o país produza tempos melhores para todos nós.

Edmar Bacha, economista

Fonte: O Globo

O disfarce dos subsídios ao transporte no Rio - Paulo Pinheiro

Em 2010, no segundo ano do primeiro mandato do prefeito Eduardo Paes, foi realizada a primeira licitação das linhas de ônibus da cidade do Rio e, após três anos, não há o que comemorar. As vencedoras da concorrência, organizadas em consórcios, são 40 das 47 empresas que já atuavam no Rio, e o padrão dos serviços dispensa comentários.

A tarifa básica, de R$ 2,40, foi substituída na mesma ocasião pelo bilhete único, e o prefeito declarou com orgulho que não haveria subsídios para as empresas. Quanto às gratuidades, a presunção foi sempre a do cumprimento da Lei Orgânica do Município, que garante o benefício para idosos, alunos da rede pública, portadores de deficiência, seus acompanhantes e crianças até cinco anos.

Mas os fatos contrariam as declarações oficiais e, diga-se de passagem - sem trocadilho - cláusulas do próprio edital da licitação deveriam ser suficientes para afastar quaisquer dúvidas em torno da fórmula que compõe o preço da passagem na cidade. A inexistência de contrapartida para as gratuidades dos estudantes, por exemplo, consta do edital. Mas mesmo assim a Prefeitura passou a agregar R$ 100 milhões por ano ao já bilionário faturamento das empresas de ônibus. Se R$ 100 milhões é muito ou pouco, não importa tanto quanto a transparência dos números e dos contratos. Afinal, todos querem saber como pagam e pelo que pagam.

Com o tempo essa conta foi sendo desvendada e, hoje, alguns poucos sabem que ela representa a soma de um inusitado contrato entre a Secretaria de Educação e o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Município com o valor da renúncia fiscal decorrente da redução do imposto sobre serviços (ISS) das empresas, de 2% para 0,01%, a partir de 2010.

O contrato com o Sindicato dos Ônibus prevê o fornecimento de transporte para os alunos e um inacreditável controle de assiduidade nas escolas, ou seja, o Sindicato passou receber pelo que era gratuito e a fazer uma espécie de chamada eletrônica das crianças por delegação da Secretaria de Educação. Sinais de modernidade ou inversão de funções e valores? Claro que acertou quem optou pela segunda hipótese. Este serviço custa hoje aos contribuintes R$ 55 milhões por ano, e é financiado, em parte, por recursos do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Quanto à renúncia do ISS, demonstrativo da própria Prefeitura revela que as empresas de ônibus deixarão de pagar R$ 56,4 milhões em 2014, R$ 59,6 milhões em 2015 e R$ 62,7 milhões em 2016. Estes números, somados aos dos três exercícios anteriores e ao surpreendente contrato da Secretaria de Educação com o Sindicato das Empresas de Ônibus, representam uma transferência de meio bilhão de reais em favor das empresas de ônibus até 2016 - o equivalente a meio Maracanã, pelos rígidos padrões da Fifa.

Portanto, quando se discute o preço dos ônibus no Rio, é preciso que fique muito claro que há subsídios, sim, como, aliás, é abertamente declarado em São Paulo. Mas sabe-se lá por que o prefeito do Rio insiste em disfarçá-los, omitindo a renúncia do ISS e negando o fato de as gratuidades já serem computadas no cálculo da tarifa. Fez bem o prefeito, juntamente com o governador Cabral, ao recuar e revogar o último aumento, mas, como as regras e os números não são nada transparentes, o carioca pode perfeitamente concluir que ainda está pagando mais do que deveria e que há folga suficiente para outras reduções, sem recorrer a sofismas ou demagogia.

*Paulo Pinheiro é vereador (PSOL) no Rio de Janeiro

Fonte: O Globo

Para decifrar o Brasil - Por Carlos Guilherme Mota

FHC: visões e interpretações decisivas da cultura, sociedade e política

"Onde o Brasil?", perguntava Carlos Drummond de Andrade em conhecido e denso verso. A seca indagação nos transporta para além do óbvio e solicita nova reflexão. Readquire significado nesta hora em que a sociedade brasileira parece querer se descobrir em "manifestações de rua", expressão que alcança, ela também, novo significado.

Hora de acordar, pois, ao lado de uma elite nem tão educada, surgem "rebeldes primitivos" anunciados, sobretudo oriundos do setor de serviços e escolar, que procuram fazer-se ouvir, por vezes tartamudeando, dado o enorme vácuo de formação e de boas escolas e universidades, característica deste país nos últimos anos. É a tal "carência mental" que, sob o nazismo, agoniava Karl Mannheim. Ou seja, vive-se a sociedade precária na qual o que entendíamos por "educação" política é marcada pela abstinência de leituras, o que explica por que, no atual quadro, a perspectiva histórica se tornou rala e rudimentar a sociologia, em mar de palpites sobre "classe média", "desenvolvimento sustentável", "neocapitalismo", "globalização", "sociedade em rede", "pós-modernidade".

Para além desse caldeirão de conceitos mal cozidos, multidões saem às ruas nessa magnífica mistura de frações sociais, em busca de algum horizonte histórico-cultural que lhes permita (quando menos) ensaiar participação e inclusão na cidadania, ainda que utopicamente como em 68, na invenção de sua/nossa história. Que deseja tal multidão?, perguntará o leitor. Resposta: respeito, transparência na política e na vida pública. E transitar da condição precária de súditos-contribuintes à de cidadãos ativos e válidos.

Nesse contexto, "Pensadores Que Inventaram o Brasil" (Companhia das Letras, 329 págs., R$ 39,50), que Fernando Henrique Cardoso acaba de lançar, torna-se importante, por analisar e "conversar" com estadistas e intelectuais que procuraram inventar ou reinventar o Brasil. Atualidade plena, pois, como diria Joaquim Nabuco, um dos estadistas estudados por FHC, "muitas vezes um país percorre um longo caminho para voltar, cansado e ferido, ao ponto donde partiu" (no diário de Joaquim Nabuco, 11-9-1877). Enfim, o Brasil de hoje.

Nessa publicação recolhem-se, em dez ensaios, visões e interpretações decisivas da cultura, da sociedade e da política do Brasil contemporânea. Estudos escritos em momentos e circunstâncias diversas, podem ser lidos separadamente, embora interligados pela obsessão de seu autor em explicar o sentido de nossa história, das "raízes" à atualidade. Bem escrito, em tom ensaístico, mas direto, a obra possui, além de outras qualidades, a de oferecer aos menos familiarizados ou "esquecidos" de nossos clássicos sólido roteiro para atualização de sua formação, e aqui incluo professores, profissionais liberais e "neoliberais" (?) como também jovens jornalistas e antigos sindicalistas, desacorçoados com as lutas de classes.

Acompanhado no fim de listagem de obras que inventaram o Brasil e de esclarecedor posfácio do historiador José Murilo de Carvalho, a obra condensa os diálogos intelectuais, políticos e até filosóficos que o ex-presidente manteve com alguns de nossos principais formadores, como os escolhidos na seleção seus interlocutores Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Antonio Candido, Florestan Fernandes, Celso Furtado e Raymundo Faoro. E sobretudo do grande "formador" Gilberto Freyre, a quem FHC dedica o segundo melhor ensaio do livro (o primeiro é sobre seu mestre e ex-catedrático Florestan), de modo que honrou seu campo de conhecimento, ao tratar dos nossos dois maiores sociólogos-historiadores do século XX brasileiro.

FHC escolheu pensadores-pesquisadores que foram, de algum modo, homens de ação e voltados ao tempo presente, que iluminaram o caminho que o levou, rapazote ainda na década de 1940, do Colégio Estadual Presidente Roosevelt, onde, orientado por professores de excelência, a ler Euclides da Cunha, Freyre e Caio Prado, à antiga Faculdade de Filosofia da USP da rua Maria Antônia, já na década de 1950. Na Maria Antônia, como aluno e professor, redescobriu o Brasil com Buarque, Candido, Fernando de Azevedo, Florestan e (talvez menos) Paulo Prado, mas também o vasto mundo das ciências humanas, de Marx, Weber, Mannheim, Durkheim, Sartre e inúmeros outros intelectuais. E logo conheceu homens de Estado, como Furtado, principal formulador das teorias do desenvolvimento e subdesenvolvimento, de pré-revolução e reforma. Teorias e práxis que o levaram ao exílio após o golpe de 1964, onde descobriu a América Latina, a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina) de Raúl Prebisch, respirou os novos ares do marxismo e do mundo e elaborou, com outros cientistas sociais, as teorias da dependência.

A partir de então aprofundou pesquisas e iniciou diálogo com os principais intelectuais e políticos de nosso tempo. Bom articulador e sempre juntando peças do quebra-cabeça brasileiro, não conseguiu, porém, fazer com que Caio e Furtado se entendessem... O fato é que FHC proferiu incontáveis conferências aqui e no exterior e muito polemizou: em larga medida, sua obra deriva e se alimenta de aulas, conferências e desses debates, confrontos e revisões.

Após descobrir o tamanho do mundo e circular pelos principais centros universitários mundiais, retornou ao país, envolveu-se na resistência à ditadura e, depois, na busca de um novo modelo político para o Brasil. Envolveu-se nas campanhas pela redemocratização do país (com o mesmo vigor que participara da campanha pela escola pública nos anos 60 e da Sociedade para o Progresso da Ciência nos anos de chumbo), incrementou seu "côté" publicista e, não surpreendentemente, após a senatoria e o Ministério de Relações Exteriores, conquistou a Presidência, mercê do mais acabado programa de recuperação nacional até então aplicado no país: o Plano Real, que, aliás, daria fôlego e seria malbaratado nos governos seguintes.

O título do livro indica com clareza o foco: pensadores que inventaram o Brasil, nada banal, pois a construção de um Estado e de uma cultura democrática moderna implica sofisticada arquitetura intelectual para embasá-los. Dir-se-ia "cum granum salis" que o problema também é o design do Estado brasileiro, dada a rudeza do universo político-cultural em que vicejam Renans, mais a carência de Estadistas (com E maiúsculo), o que dá razão ao historiador Caio Prado em seu mais duro diagnóstico. O historiador, com quem FHC manteve relações até o fim da vida, dizia que "o Brasil é um país muito atrasado". E, depois de mais refletir, repetia: "Muito atrasado".

Três ensaios sobre Nabuco abrem a coletânea, em que o leitor encontrará uma síntese do perfil do estadista, seu "olhar latino-americano" e uma análise aguda de sua ideologia democrática. FHC inclui na conversa clássicos como Tocqueville e Thiers, e historiadores, como nosso contemporâneo Murilo de Carvalho. Talvez seja este o estudo com o qual FHC mais se identifique e apareça de corpo inteiro, pois o autor de "Minha Formação" também era filho de político, preocupava-se com sua formação intelectual e cultivava suave postura de conciliador político (apesar de abolicionista consequente). Outra semelhança: Nabuco, "charmeur" e, não por acaso, apelidado de Quincas o Belo, destacava-se por bem administrado narcisismo, compreensível até, pois era talentoso e culto. Faoro, outro intérprete do Brasil analisado no livro, observou-me certa vez, sem a ironia habitual, que Fernando Henrique revela "traços de estadista da estirpe de Nabuco".

Por fim, acrescente-se que Nabuco não era homem de posses, como tampouco FHC e seu pai general o foram, ao menos nos inícios de vida. Em seu governo, Fernando Henrique inaugurou a Cátedra Nabuco na Universidade Stanford (Califórnia), pela qual passaram Freyre e Oliveira Lima e José Murilo. Penso, todavia, que, no denso estudo de FHC, caberia comentário ao célebre discurso de Nabuco sobre a "ponte de ouro", em que o estadista propôs, em conjuntura de grave crise nacional, que liberais e conservadores dessem as mãos e estabelecessem "ponte" para salvação da pátria. O que FHC, os tucanos e os petistas tampouco jamais conseguiram. Enfim...

Mais solto, porém sutil, é o ensaio sobre Paulo Prado, o mecenas modernista paulistano, a meu ver o Lampedusa brasileiro. Se indica em sua obra "Retrato do Brasil" os limites e a graça do "método" impressionista, já a obra de Freyre merece análise mais acurada e aguda, apontando pontos vulneráveis nas teorias do grande escritor, a começar pelo "ecletismo metodológico e o quase embuste do mito da democracia racial" e da "ausência de conflitos entre as classes" por conta da "plasticidade e do hibridismo inato que teríamos herdado dos ibéricos". Vale a menção ao cientista político e diplomata Tarcísio Costa, que o alertou quanto "às razões de pinimbas que muitos de nós, acadêmicos, temos com Freyre". Mas poderia ter insistido em que Freyre inaugurou em suas obras toda a pauta que seria a da badalada École des Annales, com os tais "novos" objetos, como habitação, alimentação, sexualidade, ecologia.

O leitor poderá acompanhar o caminho percorrido e o método pelo qual FHC foi construindo ao longo da vida, dialeticamente, sua teoria do Brasil, para distinguir a soma do resto. Na soma, Buarque e seu culturalismo, Caio Prado e as lutas de classes, em Candido o professor-pesquisador, em Florestan a requalificação do intelectual, em Furtado o rigor e a continência crítica, em Faoro a complexidade do Estado patrimonialista. Mas o resto é enorme, e vale aguardar um segundo volume em que as obras de Manoel Bomfim, Darcy Ribeiro, Roger Bastide, Eduardo Portella, Cruz Costa, Sérgio Milliet, Manuel Correia de Andrade, José Honório Rodrigues, Dante Moreira Leite e tantos outros "explicadores" tenham lugar. Todos compõem a "forma mentis" desse estadista que escreveu o notável "Arte da Política".

"Homo politicus", sabe o que é "virtù". Rodeou-se de intelectuais de peso, como Pedro Malan, escolhido para o Ministério da Fazenda, Celso Lafer (Relações Exteriores) e Miguel Reale Júnior (Justiça). Vale notar que o trânsito de FHC da academia para o publicismo, tanto na imprensa escrita quanto na eletrônica, encorajou professores a sair de seus guetos para o debate público. Até então, "jornalismo era coisa para jornalistas", quando se registrava preconceito destes em relação aos universitários. Não sem alguma razão, pois o mundo universitário, quando ainda não havia escolas superiores de jornalismo, mantinha distância e certo desprezo em relação à "classe média" jornalística: para os universitários de novo perfil abria-se exceção apenas nos jornais em que os publishers eram e gostavam por assim dizer de "gente fina". FHC atravessou essa fronteira, pela senda aberta por Florestan, e se beneficiou, como muitos de nós, dos contatos do "sans-culotte" assistente do professor Fernando de Azevedo com o elegante girondino doutor Julinho de Mesquita Filho, via Paulo Duarte, jornalista jacobino, que também cultivavam o gosto aristocrático pelo popular.

Finalmente, uma nota pitoresca: copo na mão, Buarque, durante uma festa acadêmica de defesa de tese, aproxima-se do saudoso Bento Prado Júnior, bom de filosofia e de copo, e pergunta-lhe: "O Fernando Henrique, que está ali num canto, você confia nele?" Bento, atônito, admira-se: "Claro, por quê?" O historiador responde, com ceticismo: "Eu não confio em quem não bebe..." E saíram os dois dançando, com copo na mão.

Carlos Guilherme Mota, historiador, professor emérito da USP e autor de "Ideologia da Cultura Brasileira de História do Brasil" (em coautoria com Adriana Lopez)

Fonte: Valor / Eu & Fim de Semana