quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Dúvidas sobre benefícios da desoneração da folha: Editorial/ Valor Econômico

Foi um sucesso a desoneração da folha de pagamentos adotada pelo governo federal em 2011 como uma forma de estímulo ao crescimento? E se foi bem avaliada a iniciativa não seria o caso de ser retomada essa proposta em um momento em que o país começa a se recuperar da mais séria recessão da sua história? O debate é oportuno porque há uma proposta no Congresso à espera de definição.

Existem, na verdade, muitas dúvidas sobre o acerto da Lei número 12.546/2011. Um texto para discussão recentemente divulgado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), escrito por Felipe Garcia, Adolfo Sachsida e Alexandre Xavier Ywata de Carvalho, avança no debate sobre a oportunidade e possibilidade de repetição do mesmo projeto ou algo semelhante.

Os autores do levantamento concordam que "o custo do fator trabalho é amplamente atribuído como entrave central para a ampliação do dinamismo e da competitividade da economia brasileira". Por isso, seria, em princípio, positiva em termos de impulso ao crescimento "a realocação da contribuição patronal à Previdência da folha de salários para folha de receitas - com implementação de uma alíquota não neutra em termos de arrecadação".

Mas, aponta a pesquisa do Ipea, "a despeito das intenções positivas da lei de desoneração, pode-se dizer que, pelas avaliações ex post já realizadas, não há evidências robustas de efeitos reais positivos da desoneração. Sobre a geração de empregos, este resultado está se consolidando. Nas demais dimensões, as avaliações existentes pelo menos indicam que a correlação entre a desoneração e a performance do mercado de trabalho é também baixa. Assim, em função da magnitude da renúncia fiscal concedida pela desoneração, a revisão da desoneração é uma proposta para o debate."

O documento, que pode ser lido na sua íntegra no site do Ipea, é técnico, mas tem implicações políticas. Sua avaliação de que poucos foram os resultados para o mercado de trabalho da desoneração da folha pode ajudar no processo de decisão sobre o futuro do programa, que continua indefinido.

Como se sabe, o governo editou uma medida provisória para reduzir a apenas quatro setores a desoneração da folha. O projeto foi flexibilizado, com a inclusão de outros segmentos, numa comissão especial, no Congresso. A votação no plenário da Câmara seria na semana seguinte à primeira denúncia contra o presidente Michel Temer, mas o próprio presidente recuou e decidiu, numa reunião com os presidentes das duas casas do Congresso, que era melhor não pautar porque havia risco de uma derrota que seria bastante simbólica.

A MP perdeu a validade em agosto; o governo mandou como projeto de lei apenas em 1º de setembro, a comissão levou mais um mês e meio para ser criada e, desde então, o tema pouco avançou. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, indicou como relator o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que é um de seus principais aliados, mas é de oposição ao governo Temer.

Orlando Silva está com o projeto desde outubro, mas não apresentou parecer. As sessões da comissão costumam ser bastante esvaziadas, quase nenhum deputado participa das audiências públicas e o governo falhou seguidas vezes em mobilizar os deputados da base para darem quórum.

O relator discorda do Ministério da Fazenda sobre o projeto e já disse que vai alterar as regras propostas, para incluir, além dos quatro setores indicados pelo governo, os que estavam no programa original e os que "empregam mais e tem mais peso nas exportações".

A Fazenda discorda das mudanças e o projeto está travado por isso. Há também pressão de outros deputados para inclusão de mais setores, como confecção. Na penúltima semana antes do recesso, os líderes dos partidos da base do governo assinaram requerimento de urgência para levar o projeto direto para o plenário, mas o requerimento não chegou a ser votado.

A previsão do governo era arrecadar R$ 12,5 bilhões se o projeto vigorasse o ano todo, o que não ocorrerá. Quando da aprovação da Câmara e Senado e sanção, ainda é exigido período de 90 dias para que a nova alíquota entre em vigor. No cenário mais otimista para o governo (e menos realista), seria a partir de maio, mas isso é altamente improvável.

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