Em habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, defensores do ex-presidente lembraram que ministro do Supremo sinalizou 'mudança de entendimento' para permitir que execução da pena se dê apenas após o 'esgotamento da jurisdição' do STF
Luiz Vassallo, Julia Affonso, Rafael Moraes Moura, Amanda Pupo e Ricardo Galhardo/ O Estado de S. Paulo
Em habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, a defesa do ex-presidente Lula ressalta a possibilidade de ministros do Supremo Tribunal Federal mudarem seu entendimento, ainda em 2018, a respeito da execução de penas após sentenças de segunda instância. Entre o rol de justificativas da defesa para que o petista não seja preso, os defensores lembram que o ministro Gilmar Mendes sinalizou possível mudança de seu entendimento sobre o tema.
O ex-presidente foi sentenciado a 9 anos e 6 meses pelo juiz federal Sérgio Moro, que entendeu serem o triplex 164-A, no condomínio Solaris, e suas respectivas reformas, propinas de R$ 2,2 milhões da construtora OAS. A pena não apenas foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, como também aumentada pelos desembargadores para 12 anos e 1 mês.
Ao condenar Lula, desembargadores pediram para que a pena seja executada após esgotados os recursos no âmbito da Corte de apelações da Lava Jato. Em razão da unanimidade da condenação no TRF-4, cabe à defesa de Lula, naquela instância, embargos declaratórios, recurso por meio do qual se questiona obscuridades nos votos dos desembargadores.
Contra a possibilidade de prisão após a sentença do Tribunal da Lava Jato, o ex-presidente entrou com habeas ao Superior Tribunal de Justiça – o recurso está sob relatoria do ministro Félix Fischer. Os advogados querem que Lula recorra em liberdade até que sejam esgotados todas as apelações em Cortes Superiores.
O Supremo Tribunal Federal decidiu, em outubro de 2016, manter a possibilidade de execução de penas – como a prisão – após a condenação pela Justiça de segundo grau e, portanto, antes do esgotamento de todos os recursos. Por 6 votos a 5, a Corte confirmou o entendimento em um julgamento que deverá ter efeito vinculante para os juízes de todo o País.
O ministro Marco Aurélio Mello, que foi voto vencido em 2016, pediu a inclusão do assunto de volta à pauta em 2018 no âmbito de duas ações em que é relator.
A presidente da Corte, Cármen Lúcia, disse que em fevereiro o tema não estará na pauta da Corte. E a previsão é a mesma para março – também não deve ser retomada a discussão.
Um dos votos favoráveis à execução de penas após segunda instância era do ministro Gilmar Mendes, que tem afirmado sua mudança de posicionamento. Decisões e declarações de Gilmar sobre o tema embasaram o habeas Corpus de Lula.
O advogado Cristiano Zanin Martins ressalta que ‘o insigne Ministro GILMAR MENDES – que compôs a corrente majoritária em favor da execução provisória nos dois julgamentos citados – já adiantou possível mudança de posicionamento, no sentido de que, para que seja possível a execução provisória da pena, demanda-se o esgotamento da jurisdição do Superior Tribunal de Justiça’.
“Posteriormente, proferiu decisões liminares confirmando a evolução da sua posição (HC 146815 MC/MG, decisão de 22.08.2017 e HC 146818 MC/ES, decisão de 18.09.2017)”, afirmou o advogado.
A defesa do ex-presidente Lula considera que sua prisão por execução de pena configura ‘flagrante constrangimento ilegal’ e esmiúça decisões de Gilmar que demonstram sua mudança de entendimento sobre o tema.
“A título exemplificativo, o Min. GILMAR MENDES deferiu medidas liminares obstando a antecipação de cumprimento da pena para paciente que (d) interpôs recurso especial questionando a dosimetria da pena, tendo sido exarado parecer ministerial pugnando pelo provimento do pedido para reduzir a pena-base, o que alteraria o regime de cumprimento da pena, iniciando-se no aberto (Medida Cautelar no Habeas Corpus 146.815/MG), bem como (e) em atenção ao princípio da razoável duração do processo e, ainda, pela plausibilidade de acolhimento das alegações sustentadas pela defesa no recurso especial (Medida Cautelar no Habeas Corpus 146.818/ES)”, afirmam os advogados.
Súmula. De acordo com a Súmula 122, publicada em 16 de dezembro de 2016, do Tribunal Regional Federal da 4ª região, após rejeitada esta última apelação, as penas podem ser executadas. O documento é embasado em outras sentenças, nada relacionados ao ex-presidente – por exemplo, uma ação era sobre tráfico internacional de drogas.
“Encerrada a jurisdição criminal de segundo grau, deve ter início a execução da pena imposta ao réu, independentemente da eventual interposição de recurso especial ou extraordinário”, prevê a 122.
O documento foi evocado pelos desembargadores da Corte, ao condenar Lula. Os desembargadores também mencionaram que a súmula é endossada pelo atual entendimento do Supremo Tribunal Federal.
A defesa do ex-presidente, no entanto, argumenta que a decisão do Supremo, de 2016, não é vinculante, ou seja, não necessariamente tem repercussão geral no Judiciário.
“Forçoso salientar, todavia, que o Supremo Tribunal Federal, nas referidas assentadas – desprovidas de caráter vinculante –, sinalizou com a possibilidade da execução provisória da pena depois de exaurida as instâncias ordinárias, exigindo-se à Corte de Apelação que o faça de forma fundamentada. Assim, é cristalino que a referida súmula do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, tornando a execução prematura uma automática decorrência do acórdão condenatório, afronta o quanto decidido pelo Pretório Excelso”, argumentam.
“Assim – ainda que ignorados os dispositivos constitucionais e legais frontalmente transgredidos pela nova inclinação jurisprudencial da Suprema Corte, o que se faz, evidentemente, por mera concessão dialética – deve se ressaltar que o entendimento adotado pela Corte Máxima, nos julgamentos do HC 126.292 e na cautelar da ADC 43 e ADC 44, tornou a execução provisória da pena uma possibilidade – e não uma obrigação – que deve esta ser avaliada conforme as circunstâncias do caso concreto”, concluem.
Decano. Os defensores de Lula também reforçam que decisões de outros ministros seguem um entendimento de que não basta embasar naquela decisão de 2016 do STF a execução de penas após decisões de segunda instância.
Segundo os defensores, ’em caso semelhante’ ao de Lula, ‘ou seja, execução da pena unicamente lastreada na Súmula 122 do TRF4’, o Supremo ‘deferiu medida liminar a fim de garantir ao lá paciente o direito de recorrer em liberdade’. “É o que decidiu, com a costumeira maestria, o decano daquela Corte, Eminente Ministro CELSO DE MELLO, no Habeas Corpus nº 129.663/RS15”, anotam.
“Em momento anterior de seu voto, o Eminente Decano ainda registra que outros ministros da Corte Máxima vêm, igualmente, afastando a execução provisória da pena, pela via do writ, quando deparados com casos “em que Tribunais de inferior jurisdição, ao ordenarem a expedição de mandados de prisão, para efeito de ‘execução provisória’, (a) limitam-se a simplesmente mencionar, sem qualquer fundamentação idônea, os precedentes a que aludi no início desta decisão [HC 126.292 e MC da ADC 43 e ADC 44]”.
Segundo os advogados, o ‘decano asseverou a impossibilidade de se ordenar a execução provisória da condenação através da simples menção ao conteúdo da referido verbete, abstendo-se de apresentar fundamentação idônea acerca da necessidade e adequação da medida cautelar’. “Julgou, assim, que o acórdão que apenas menciona a súmula viola o dever de fundamentação das decisões judiciais”.
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