sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Dora Kramer: Hora do vamos ver

- Revista Veja

Depois do treino claudicante, o governo enfrenta o jogo para valer

Não demorou dois dias para o governo experimentar um aperitivo de fel produzido no Congresso: o deputado escolhido para liderar a tropa governista na Câmara tentou mas não conseguiu reunir os liderados porque eles simplesmente não lhe reconheceram a liderança. Donde deram de ombros à escolha feita no Palácio do Planalto, num gesto tão significativo quanto inédito em se tratando de governo ainda cheirando a leite das urnas.

Os deputados mataram na nascente a ideia do gênio palaciano que resolveu nomear um novato (Major Vitor Hugo) para a tarefa de articulador na Câmara, provavelmente achando que, assim, manejaria as coisas diretamente de seu gabinete do outro lado da Praça dos Três Poderes, e quem sabe criar entraves ao presidente da Casa, Rodrigo Maia, eleito a despeito dos esforços do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

O episódio é uma pequena demonstração de que a realidade certamente se imporá muito mais dura do que imaginavam os novos locatários do poder. Deu errado privilegiar a inexperiência na Câmara; veremos o que acontecerá no Senado agora presidido pelo estreante Davi Alcolumbre. O conceito de “novo” não é garantia de nada, para o bem ou para o mal. Impedir que Renan Calheiros fosse presidente outra vez foi uma medida saneadora, mas não resolve as coisas nem para a necessária revitalização do Congresso nem para o andamento dos indispensáveis trabalhos governamentais.

O comportamento dos senadores nas duas sessões para a eleição do presidente não recomenda. E não falo das manobras, dos insultos e excessos que tais, já devida e amplamente condenados. Aponto para a importância que um bom número de estreantes dá ao papel das redes no exercício do mandato. Isso dificulta, quando não impede, o trâmite de qualquer matéria que não tenha a chancela da popularidade fácil.

Como fazer andar uma reforma da Previdência nesse tipo de ambiente é a dúvida que fica de imediato para ser dirimida adiante, na hipótese de o governo conseguir se organizar minimamente se não quiser perecer de velhice precoce, vítima da novidade que em alguns casos (neste, por exemplo) se traduz em inconsistência, ineficácia e, no limite, paralisia administrativa por ausência de cancha na política.

Olho no lance
Nasce e cresce em São Paulo sob o patrocínio do governador João Doria movimento para a formação de um novo partido resultante da fusão do DEM com o PSDB. A ideia seria absorver também o PSD e o PP, para construir uma plataforma de lançamento da candidatura de Doria à Presidência em 2022.

Ricardo Noblat: Bolsonaro simula comandar

- Blog do Noblat | Veja

País do faz de conta

Na melhor das hipóteses, o presidente Jair Bolsonaro só receberá alta daqui a uma semana. A prorrogação da estadia no hospital Albert Einstein, em São Paulo, deve-se ao agravamento do seu quadro clínico, segundo boletim médico divulgado ontem.

Internado ali desde o último dia 27, ele fez questão de reassumir a presidência da República no dia 30 – e, desde então, finge que governa. Está proibido de receber visitas, de despachar com assessores e ministros, e até mesmo de falar.

As duas joias da coroa do seu governo foram lapidadas e estão prontas para que ele as examine – e se concordar, que as despache para o Congresso: a proposta de reforma da Previdência e o pacote de leis de combate à violência. Mas, por ora, ele não pode fazê-lo.

Das mensagens postadas por Bolsonaro no Twitter se encarrega o filho Carlos, vereador no Rio, sem tempo sequer para escrever sobre o temporal que se abateu sobre a cidade. Ele cuidou das redes sociais do pai durante a campanha. Carlos “psicografa” Bolsonaro.

A pressa do capitão em reassumir o cargo decorreu do seu incômodo com o protagonismo conferido pela mídia convencional ao general Hamilton Mourão. O estilo do vice é o oposto do estilo do titular. Mourão diz e faz coisas que o capitão jamais faria.

Imagine Bolsonaro manifestando pena por Lula. Seria impensável. Pois Mourão manifestou sem, no entanto, deixar de criticá-lo por não ter sabido separar o privado do público. Imagine Bolsonaro recebendo em audiência o presidente da CUT. Mourão recebeu.

Na ausência de Bolsonaro, em casos raros que não possam esperar pela volta dele, Mourão continua sendo ouvido por ministros. E criticado pelos filhos e aliados do presidente enfermo. Mas o trem tem de seguir em frente e, se possível, não descarrilhar.

A sorte de Flávio e do pai

Mais um rolo
Pare para pensar: e se em plena campanha eleitoral no ano passado tivesse vazado a informação de que o deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL) estava sendo investigado pelo Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro por suspeita de enriquecimento ilícito?

Monica De Bolle*: Engulam os generais

- Revista Época

Os generais sabem que Bolsonaro não foi eleito para ficar atacando marxismo cultural, ideologia de gênero, doutrinação ideológica nas escolas e tantos outros espantalhos mais.

Engula os generais Lembro-me bem de frase que era repetida à exaustão após o impeachment de Dilma Rousseff por aqueles que não estavam exatamente satisfeitos com a posse do vice-presidente:

 “Temer é o que temos para o jantar”. Essa ladainha era repetida constantemente nas redes sociais para contrapor qualquer argumento que criticasse — de forma construtiva ou não — o governo que se instalava. O pessoal que aceitou jantar Temer nos últimos dois anos não percebeu bem que a ida do vice de Dilma para o governo, sobretudo enroscado como estava com alegações diversas de envolvimento em esquemas de corrupção, acabou por implodir o centro político no Brasil, abrindo espaço para Bolsonaro. Quem jantou Temer e, querendo ou não, pôs na Presidência da República representante do baixo clero carregado de ideologia torpe não pode agora se dar ao luxo de não gostar da atuação dos generais, sobretudo do vice-presidente Hamilton Mourão.

Do leito do hospital, Jair Bolsonaro tuíta bobagens sem parar. “A doutrinação ideológica nas instituições de ensino forma militantes políticos e não cidadãos de bom senso e preparados para o mercado de trabalho. É preciso quebrar essa espinha para o futuro saudável do Brasil. Tire suas conclusões:”. Em seguida, aparece um vídeo de um minuto em que alunos-manifestantes cantam “Ele não” ao som de “Bella ciao”, enquanto dois formandos abrem uma faixa com os dizeres: “Fascistas, racistas, machistas e homofóbicos não passarão”.

Difícil entender por que condenar racistas, fascistas, machistas e homofóbicos seria a tal da doutrinação ideológica das instituições de ensino à qual se refere o capitão-presidente. Enquanto isso, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, ícone do ultraconservadorismo de botequim cultivado por Bolsonaro e seus filhos, fala, em visita aos Estados Unidos, que o “socialismo do século XXI representado por Maduro na Venezuela está ruindo”.

José de Souza Martins*: A tradição conservadora

Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

O Brasil que conhecemos é resultado histórico de um longo processo de rupturas significativas, porque inovadoras, no marco da conciliação. A República o reconheceu na adoção da consigna positivista de "Ordem e Progresso", como lema da nova nação que nascia com o fim da escravidão. Mas nascia impregnada de ressalvas em relação ao pressuposto da liberdade e da igualdade que seria próprio de um regime republicano. Conciliávamos com as desigualdades profundas que o regime escravista implantara na alma e na consciência do povo brasileiro.

Foi o que nos confirmou como um país de história lenta. Era e ainda é uma característica nacional. Um traço cultural e político. Mudamos, mas resistimos. É nossa personalidade conservadora, de um conservadorismo híbrido e sem autenticidade.

Desde o Império, aliás, estabelecêramos as bases de um regime político pendular, como observou Euclides da Cunha, os liberais avançando ideológica e doutrinariamente e os conservadores concretizando as inovações politicamente.

Raramente nos damos conta de que inovações sociais e políticas modernizadoras e decisivas foram adotadas no Brasil por facções conservadoras e autoritárias. Puseram em prática bandeiras democráticas e de esquerda que as próprias esquerdas não tinham condições políticas de viabilizar.

Foram os conservadores monarquistas que aboliram a escravidão, e não os liberais, contra a resistência dos republicanos. Foram os conservadores que, graças à lucidez política do fazendeiro e empresário Antônio da Silva Prado, articularam o fim do veto à libertação dos escravos. Foi o Estado Novo de Getúlio Vargas que implantou a legislação trabalhista e os respectivos direitos sociais. Foi o regime militar que viabilizou a reforma agrária e introduziu o direito ao divórcio. As contradições das circunstâncias têm governado o país quando encontram o estadista que as decifra e desata-lhes os bloqueios.

Porém, nosso conservadorismo é mais omissão do que ação, mais desconhecimento do que sabedoria. No fim, fica a impressão de que tudo se resolveu, apesar do incompleto e do inacabado.

Fernando Abrucio*: Para que a lua de mel não acabe rápido

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

Mesmo com todas as trapalhadas e derrapagens do primeiro mês de mandato, o governo Bolsonaro ainda vive seu momento de lua de mel, tal qual tiveram outros presidentes. Sua popularidade está num bom patamar, embora menor do que o início de outras gestões, como o primeiro período de FHC e os dois de Lula.

Mas há algo mais importante do que a avaliação presidencial: as pessoas estão mais esperançosas em relação ao futuro, em comparação com o que passaram nos últimos três anos. Essa janela de oportunidade deve ser aproveitada, pois, do mesmo modo que os cidadãos apoiam efusivamente governantes, eles podem deixar de apoiar num piscar de olhos.

Para manter sua força política nos próximos quatro anos, o governo tem de aproveitar o voto de confiança que a lua de mel proporciona. O melhor modo de fazer isso é aprovar e consolidar uma agenda governamental que dê frutos econômicos e sociais.

A guerra de valores, tão apregoada pela ala mais extremista da coalizão governista, segura o apoio apenas de uma pequena parte dos eleitores - e tal constatação vale para a direita e para esquerda. O cidadão comum (ou eleitor mediano, na linguagem da ciência política) quer políticas que signifiquem melhoria no seu bem-estar. Por essa razão, muitos podem ter votado agora em Bolsonaro mesmo tendo optado por Lula duas vezes na década passada, e, mais adiante, podem escolher outro nome ou tendência política.

A construção de uma estratégia de governabilidade mais sólida e de longo prazo passa por três desafios. O primeiro é o de montar uma agenda congressual e de políticas públicas que seja aprovada e possa ser efetivada com sucesso - isto é, agradando os cidadãos até a eleição.

O segundo diz respeito à articulação com os atores sociais e, principalmente, políticos, conseguindo um apoio consistente e razoavelmente previsível nas decisões do Congresso Nacional.

O terceiro ponto relaciona-se com a capacidade de lidar com as crises, que sempre vão acontecer em alguma medida em todos os governos, reduzindo o tamanho do impacto delas sobre o governo e o presidente. Essa última variável é essencial no começo de mandato, pois arranhões iniciais podem virar feridas profundas, que diminuem o poder presidencial.

César Felício: À espera do condutor

- Valor Econômico

Cenário para reforma é favorável, mas não é possível errar

O mundo político tende a aguardar o restabelecimento pleno do presidente Jair Bolsonaro para dar início à batalha pela reforma da Previdência. Não há possibilidade de delegar responsabilidades neste momento dada a baixíssima tolerância ao erro que existe em relação a este tema no Congresso e no mercado.

Bolsonaro governa nas circunstâncias históricas mais propícias nos tempos recentes para realizar uma reforma da Previdência substantiva. É uma constatação mesmo de fontes que não têm motivos para apoiar o ajuste. A pista livre e seca, contudo, não impede que o condutor lance o carro no barranco. Ninguém pode arbitrar a negociação a não ser o presidente da República, que precisa curar-se de uma pneumonia antes de decidir sobre a idade mínima.

Um atraso de alguns dias na alta de Bolsonaro, por si só, não tem muito efeito na reforma. Como alerta o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da consultoria Arko Advice, antes da instalação da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a emenda da Previdência não tem como tramitar. Ressalvada a possibilidade do quadro de saúde do presidente se deteriorar, o que parece causar algum ruído entretanto são possíveis erros de comunicação sobre a recuperação presidencial da cirurgia de reversão da colostomia. Quem já passou pelo procedimento considerou exageradamente otimista as previsões iniciais de que a cirurgia duraria apenas três horas, e de fato ela durou mais, bem como avaliou que a previsão inicial de alta em apenas uma semana pouco conservadora. Talvez fosse mais prudente não ter alimentado este tipo de expectativa. Mas quem defende uma reforma profunda tem motivos para estar razoavelmente otimista.

Bolsonaro retoma a meada que Temer interrompeu depois do vendaval da JBS, com a legitimidade do voto e o mérito de ter tratado do tema durante a campanha. Não prometeu manter direitos "nem que a vaca tussa" como a sua antecessora Dilma. O agravamento da crise fiscal empurra governadores e prefeitos para se envolverem na reforma da Previdência, de um modo que não se observou no governo de Lula. A mudança nas regras atuais conta com apoio quase consensual da mídia e o ministro da Economia, Paulo Guedes, conta com um grau de credibilidade que compensa fartamente a sua inexperiência na máquina pública.

Fernando Gabeira*: Adeus às velhas raposas

- O Estado de S.Paulo

Renan achou ser um produto da novidade eleitoral só porque se reelegeu. Engano

As eleições no Senado marcaram o fim de uma hegemonia de décadas do velho MDB. Nesse aspecto, houve uma renovação. Ela não veio com o melhor espetáculo possível. Nem se pode afirmar ainda a amplitude dessa renovação. O consenso é que as reformas ficaram mais fáceis. Acredito ser essa uma das vantagens da renovação.

Mas minha alegria com um Senado propenso às reformas é limitada. Isso significa que pode respaldar ou mesmo melhorar as reformas vindas do governo, mas não demonstrou ser capaz de dar uma contribuição singular, que, além das reformas, é capaz de nos dar grandes projetos.

Mal conheço o presidente Davi Alcolumbre. Vi o senador Randolfe Rodrigues compará-lo a Rui Barbosa porque suportou em silêncio as críticas dos adversários. Em silêncio todos se parecem com Rui Barbosa. O problema é quando começam a falar.

A eleição no Senado foi num momento em que os corpos ainda estão sendo retirados da lama, num desastre com cerca de 350 mortos, lastimado no mundo inteiro, do papa a Theresa May. Houve poucas menções a isso, na verdade havia até uma certa pressa, confessada nos microfones, de comemorar a posse com as famílias. Será que nos trabalhos centrais, reforma da Previdência e pacote contra o crime, vão encontrar um espaço para a segurança nas barragens?

O governo mandará um projeto nesse sentido. Mas o Congresso tem papel vital na formulação de um marco regulatório.

A Vale decidiu fechar as barragens que têm o mesmo modelo de construção das de Mariana e Brumadinho. Está fechando por contra própria. Se o desastre de Mariana tivesse inspirado os parlamentares, elas deveriam ter sido proibidas no Brasil, como já o são em alguns outros países.

Naquela gritaria insana dos senadores, pensei, como todo mundo, que o nível estava baixo. Mas não me alonguei nesse sentimento. Não sou um turista sueco. Esse é o nível e é com ele que temos de trabalhar.

A grande inspiração para seguir a política no Brasil vem dos bombeiros de Minas, rastejando na lama em busca dos corpos e sobreviventes. Não importam a paisagem nem o cheiro.

A possibilidade de obter um avanço no controle da indústria é real depois desses dois grandes desastres. As chances são maiores porque a influência da indústria foi menor nas eleições de 2018. A anterior, de 2014, foi a última financiada por empresas. A Vale destinou então cerca de R$ 75 milhões aos candidatos.

Senadores que me parecem bem-intencionados, como o próprio Randolfe e Simone Tebet, para citar alguns, vão ter um papel importante neste processo de renovação do Senado. Muitas vezes declararam que seu objetivo era aproximar o Senado da sociedade. Para dizer a verdade, a própria sociedade se aproximou do Senado e deu um empurrão final em Renan Calheiros.

O mandato que começa é muito diferente dos anteriores. Talvez a pressão social sobre os eleitos seja mais intensa e isso muda o jogo. Votações abertas criam um vínculo com os eleitores. Eles cobram e agora sabem com clareza quem votou o quê.

Existem, evidentemente, alguns raros momentos em que a pressão social se choca com a consciência do parlamentar. Mas isso se revolve, são perdas e ganhos. Rui Barbosa jamais foi presidente.

Não será apenas na segurança de barragens que eles podem ter um papel. Também na segurança pública, algo que move mais a população do que a reforma da Previdência.

No texto de Moro, as milícias são consideradas organizações criminosas, ao lado do tráfico de drogas. Ambos dominam grande parte do território no Rio e, em menor escala, em outras cidades.

O ex-ministro Raul Jungmann percebeu bem o que chamou de coração das trevas, a inevitável associação dos donos do território com políticos eleitos ou ainda em busca de voto. De modo geral, esse nó se desata fora do Parlamento, a partir das investigações policiais. Mas se parlamentares não reconhecerem essa limitação da democracia, essa impossibilidade de votar e ser votado em todo o espaço urbano, aí, então, a tarefa será mais difícil.

Eliane Cantanhêde: Saúde, presidente!

- O Estado de S.Paulo

Febre e pneumonia nunca é bom, muito menos para presidente recém-empossado

Elogiável o presidente Jair Bolsonaro manter a sociedade informada sobre o seu quadro clínico, com boletins e entrevistas do porta-voz, Otávio Rêgo Barros. Dito isso, não é possível achar que a situação está absolutamente sob controle, após dez dias no hospital Albert Einstein. Não é tão tranquila e reconhecer isso não é “sensacionalismo”, como advertiu Bolsonaro pelo Twitter, mas sim trabalhar com a realidade.

Normalmente, fechar uma colostomia é um procedimento rápido, de baixo risco, sem complicações. Não é o que vem ocorrendo no caso do presidente, esfaqueado grave e covardemente num comício em que era carregado pela multidão.

A bolsa seria retirada em dezembro, mas adiaram para janeiro. A cirurgia era estimada em três horas, mas durou sete. Ele sairia do hospital na quarta-feira passada, mas os médicos adiaram a alta, sem nova previsão. Primeiro, enjoo e vômitos. Depois, febre. Em seguida, volta ao semi-intensivo. E, ontem, a notícia de que, apesar dos antibióticos, os exames de tórax detectaram pneumonia. Bom não é.

Do ponto de vista do governo, o impacto é quase imperceptível, já que Bolsonaro vem recebendo todas as informações no hospital, os dois ministros-chave, Paulo Guedes e Sérgio Moro, estão a mil por hora e o Planalto e o próprio governo estão sob o controle do ministro Augusto Heleno, do GSI.

Luiz Carlos Azedo: Febre e pneumonia

- Correio Braziliense / Estado de Minas

“Bolsonaro não seguiu o protocolo médico ao pé da letra, porque não se desligou do cargo para tratar somente da saúde. Insistiu em reassumir a Presidência dois dias depois da operação”

A recuperação do presidente Jair Bolsonaro está mais complicada do que se imaginava. Segundo a equipe médica do Hospital Alberto Einstein, uma tomografia de tórax e abdome mostrou “boa evolução do quadro intestinal e imagem compatível com pneumonia”. O boletim médico também registrou febre na noite de quarta-feira. Bolsonaro passou por uma cirurgia para retirar uma bolsa de colostomia e refazer a ligação entre o intestino delgado e parte do intestino grosso, em 28 de janeiro, sequelas da facada que levou em Juiz de Fora na campanha eleitoral.

Voltamos assim ao tema da necessidade de separação entre o paciente e o presidente, que já abordamos aqui na coluna. A verdade é que Bolsonaro não seguiu o protocolo médico ao pé da letra, porque não se desligou do cargo para tratar somente da saúde. Insistiu em reassumir a Presidência dois dias depois da operação, quando deveria deixar a função a cargo do vice-presidente, Hamilton Mourão, por mais que isso incomode aos seus partidários ciumentos. No fundo, é uma grande bobagem, porque a situação em que se encontra, lutando para restabelecer a saúde, reforça o “mito”; isto é, ao mesmo tempo, deifica e humaniza sua imagem.

Segundo o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, foram feitos exames viral e bacteriano, e descartaram o viral. “Trata-se de uma causa bacteriana”, disse, ou seja, há uma infecção a ser combatida. Por isso, os médicos trataram de reforçar a dose de antibióticos. Bolsonaro não sente dor, continua com uma sonda nasogástrica e um dreno no abdome. Recebe alimentação parental e líquidos por via oral; faz exercícios respiratórios e caminha pelos corredores. É um paciente que está em recuperação, que precisa de cuidados especiais, mas não corre risco de vida.

Também não corre o menor risco político, apesar das teorias conspiratórias em relação a Mourão. A oposição não tem interesse que o vice substitua Bolsonaro, simplesmente porque prefere um político na Presidência; um general, não. Os demais generais que já mandam no governo não pretendem trocar um ex-capitão com 30 anos de experiência parlamentar e grande popularidade, eleito por voto direto, por um colega eleito de carona. O que existe nos bastidores do governo é uma disputa entre a turma do bom senso, que prefere um ambiente de negociação com o Congresso e diálogo com a sociedade, e a tropa de choque de Bolsonaro, que ascendeu ao governo e ainda não desceu do palanque eleitoral.

Hélio Schwartsman: O PT precisa superar Lula

- Folha de S. Paulo

Novela envolvendo o ex-presidente está ajudando a privar o país dos benefícios de uma oposição

Luiz Inácio Lula da Silva sofreu nova condenação, desta vez a 12 anos e 11 meses, por corrupção e lavagem de dinheiro relacionadas ao sítio em Atibaia. Se, no caso do apartamento no Guarujá, defensores do ex-presidente ainda podiam recorrer a racionalizações do tipo “não existem provas”, “ele esteve uma única vez no imóvel”, isso fica mais difícil no rolo do sítio.

Há toneladas de provas materiais indicando que Lula, embora não detivesse a propriedade formal da chácara, frequentava-a com mais assiduidade que os donos. A quantidade de objetos de uso pessoal ali deixada pelo casal Lula e Marisa não permite dúvida sobre quem de fato usufruía do imóvel. Tampouco se pode contestar que o sítio recebeu reformas de considerável valor monetário, que foram pagas por empreiteiras.

Diante disso, esforços para defender Lula vão cada vez mais sendo empurrados para tecnicalidades do tipo “Curitiba não era o foro adequado para julgá-lo, já que não se demonstrou o elo entre as obras no sítio e desvios na Petrobras” ou “o processo andou rápido demais” ou “a pena estabelecida é desproporcional”.

Os advogados do ex-presidente têm o dever profissional de explorar esses caminhos, mas a vida fica complicada para o militante petista ou quem procurasse argumentar no campo ético. O discurso do “não se provou que ele tenha feito algo de errado” vai sendo substituído por formalismos jurídicos, que não dão muita base para uma defesa moral de Lula.

Bruno Boghossian: A esquerda desintegrada

- Folha de S. Paulo

Oposição se desorganiza sem Lula e disputa poder para enfrentar novo governo

O mais recente bate-boca entre Ciro Gomes e militantes de esquerda reflete uma oposição desintegrada na estreia do governo Jair Bolsonaro. Líderes políticos brigam para tomar o volante, mas nenhum deles parece saber o caminho.

O agravamento da situação de Lula com sua nova condenaçãoconsolida o vácuo nesse lado do poder. Ciro se considerava um herdeiro do espaço deixado pelo ex-presidente. Depois de se dizer traído pelo PT, ele agora tenta aniquilar seu antecessor.

Em um encontro da UNE em Salvador nesta quinta (7), o ex-governador cearense decidiu enfrentar a plateia. Disse aos estudantes que os jovens defendem corruptos e que suas referências políticas não respondem mais. Vaiado, Ciro se irritou e gritou três vezes a frase lançada por seu irmão Cid depois da última eleição: “O Lula está preso, babaca”.

A repetição do bordão mostra que os ataques são menos um impulso raivoso do que uma tática de propaganda. Após décadas de hegemonia do PT na esquerda, Ciro mantém sua aposta arriscada na negação do lulismo e no isolamento do partido. A julgar pela reação da militância, esse discurso ainda não colou.

Siglas como o PDT e o PC do B, que foram tratadas como satélites pelos petistas, tentam se descolar. Na eleição para a presidência da Câmara, as duas legendas se aliaram a Rodrigo Maia (DEM). Garantiram espaços estratégicos na Casa, mas aprofundaram a fragmentação do bloco de oposição ao novo governo.

Reinaldo Azevedo: Plano de Moro estimula a violência

- Folha de S. Paulo

Há diferença entre quem repele agressão e quem mata com o intuito de prevenir

Faço aqui um desafio: que alguém explique como o tal pacote apresentado por Sergio Moro pode resultar na queda da violência. O que está lá é a diminuição da interdição para matar. O plano tenta ainda dirimir questões constitucionais por meio de projeto de lei e transferir para o Ministério Público competências que, nas boas democracias do mundo, pertencem ao Judiciário. Estaríamos barganhando garantias democráticas por prerrogativas adicionais para o "Partido da Polícia".

Em vídeo, Moro refletiu: "O crime organizado alimenta a corrupção, que alimenta o crime violento. Boa parte dos homicídios está relacionada à disputa por tráfico de drogas ou dívida de drogas. Por outro lado, a corrupção esvazia os recursos públicos que são necessários para implementar políticas de segurança públicas efetivas." É mesmo?

Se Moro estiver certo, ao propor, na "Medida V", regime inicialmente fechado para os crimes de peculato, corrupção passiva e corrupção ativa, estaria, na verdade, sugerindo um esforço para diminuir o tráfico de drogas nos morros do Rio. Segundo a circularidade indemonstrável do doutor, a prisão de assaltantes deixaria de sobreaviso os peculadores. No sentido inverso, ao trancafiar um corrupto, a polícia poderia comemorar: "Vai faltar pó para os bacanas".

Apenas representantes de 12 estados compareceram à reunião com Moro. Boa parte estava lá um tanto ansiosa para saber como vai pagar os salários dos policiais. Foram brindados com um plano de consolidação do pega pra capar lava-jatista, que transforma o Ministério Público em Poder Judiciário paralelo, e com o roteiro para conferir emoção ao faroeste caboclo.

O que há de errado com Artigo 23 do Código Penal? "Não há crime quando o agente pratica o fato: I "" em estado de necessidade; II "" em legítima defesa; III "" em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único "" O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo." Na versão de Moro, haveria este apenso: "O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção."

O Parágrafo 1º do Artigo 121 do mesmo Código já inclui a "violenta emoção" como causa possível de redução da pena em caso de homicídio: de um sexto a um terço. Insista-se: em caso de homicídio. Moro quer abrandar a punição "até a metade" ou extingui-la para qualquer excesso.

Estudo consistente, posso fornecer a fonte ao ministro, aponta que homicídios por impulso ("violenta emoção") ou por motivos fúteis, a depender do Estado, caracterizam de 25% a 80% dos eventos com causas identificadas. A afirmação de Moro de que a maioria dos homicídios está ligada ao tráfico de drogas é chute. Até porque seria necessário conhecer os respectivos autores. E estes são identificados em apenas 8% das vezes.

Estabelece o Artigo 25 do Código Penal: "Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem." Moro propõe que se acrescentem dois parágrafos:

"I "" o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e
II "" o agente policial ou de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes."

Alba Zaluar*: Heróis que cuidam

- O Globo

É crucial parar de estimular o uso da força ou da arma ao se apresentar quem faz uso delas como heróis

Para enfrentar questões complexas que envolvem o crime, não se deve reduzi-las a uma só dimensão como a jurídico-penal. Não que esta não seja relevante nem que signifique mais rigor apenas para os acusados que pertençam às classes destituídas. Algumas das medidas do projeto anticrime representam até mais democracia nos julgamentos, como a que determina que o cumprimento de pena de prisão seja imediato, logo após a condenação em segunda instância. Sabe-se que acusados pobres não têm como se valer dos recursos que se eternizam no caso dos opulentos, pois são presos em flagrante pela palavra do policial. Outra mais igualitária é a extensão da obrigatoriedade do regime fechado, desde o início do cumprimento da pena, para os condenados por crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e peculato, todos crimes de colarinho branco, antes apenas aplicável aos que são condenados a mais de oito anos de perda de liberdade, geralmente os que não podem pagar a bons advogados para diminuir a pena.

A definição jurídica de organização criminosa ampliou-se bastante e agora abrange todas que tenham o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais, o que inclui o crime contra a economia popular e as verbas públicas. Já quando define a organização criminosa “em âmbito transnacional”, e que se “se valham da violência ou da força de intimidação do vínculo associativo para adquirir, de modo direto ou indireto, o controle sobre a atividade criminal ou sobre a atividade econômica”, resvala quando cita apenas comandos de traficantes e assaltantes que dominam áreas das cidades e as prisões do país, embora cite as milícias, fenômeno do Rio de Janeiro. Exclui as organizações financeiras de lavagem de dinheiro vindo da corrupção e da grilagem de terras que acontecem em todo o país.

A negociação de confissão é uma faca de dois gumes: liberta o acusado da pressão da organização criminosa, mas pode fazê-lo assumir um crime que não cometeu para receber pena leve.

Bernardo Mello Franco: O prefeito e as chuvas

- O Globo

No fim de janeiro, Crivella prometeu que a ciclovia Tim Maia não cairia ‘nunca mais’. A palavra do prefeito teve validade de 12 dias

No fim de janeiro, o prefeito Marcelo Crivella foi à ciclovia Tim Maia para gravar um vídeo de propaganda. “Oi, pessoal!”, começou, sentado sobre um rolo compressor. Ele anunciou o fim das obras na pista, que já havia desabado duas vezes .“A ciclovia, depois que foi reforçada, não vai cair nunca mais”, prometeu.

Apalavrado prefeito teve valida dede 12 dias. Na quarta-feira, um novo trecho da ciclovia despencou sobre o mar. Desta vez, Crivella culpou a chuva e a queda de uma árvore. “É impressionante como essas tragédias inesperadas ocorrem”, afirmou.

Os dilúvios cariocas podem ser tudo, menos inesperados. “As chuvaradas de verão, quase todos os anos, causam no nosso Rio de Janeiro inundações desastrosas”, escreveu Lima Barreto, em 1915. O escritor bateu no prefeito da época, a quem acusou de sós e preocupar com o embelezamento da cidade. O atual, nem isso.

Além de deixar o Rio com aspecto sujo e abandonado, Crivella cortou os investimentos na prevenção de enchentes. Os gastos caíram 77% na comparação com 2013, segundo o G 1. Também houve redução nas verbas de saneamento, drenagem e proteção de encostas.

O temporal de quarta foi forte, mas poderia ter feito menos estrago se o município estivesse bem preparado. Ao todo, morreram seis pessoas. Três delas viviam na Rocinha e no Vidigal, favelas que voltaram a crescer desordenadamente e sobre áreas de risco.

Míriam Leitão: A crise fiscal exige pressa

- O Globo

Por Alvaro Gribel (Míriam Leitão está de férias)

Com o presidente Jair Bolsonaro internado em um hospital de São Paulo — ontem apresentou quadro de pneumonia — o envio da reforma da Previdência ao Congresso terá que esperar. A equipe do ministro Paulo Guedes teve tempo suficiente para apresentar uma proposta robusta, mas desde a campanha eleitoral não consegue avançar sobre os detalhes. Guedes tem uma ideia de reforma, Onyx, outra, os militares, uma terceira, e o presidente, ninguém sabe.

Há várias versões sobre a mesa esperando a decisão de Bolsonaro, e o ano legislativo já começou. Ontem, a agência S&P manteve a nota do Brasil estável, três níveis abaixo do grau de investimento. E deu um recado claro: a perspectiva para o país é de recuperação lenta, mesmo com a aprovação das reformas. O PIB tende a crescer pouco nos próximos anos e a dívida continuará subindo antes de começar a cair. Em resumo, é preciso ter pressa.

A agência ainda avisou que não pretende elevar o rating do governo no curto prazo, a despeito de toda alta da bolsa e da queda do risco-país. A reforma de Temer já poderia ter sido aprovada após as eleições, o que faria as perspectivas para este ano serem melhores. Mas Bolsonaro precisa de um projeto para chamar de seu, ainda que não consiga decidir o que quer.

S&P quer ver para crer
A visão da S&P sobre o processo legislativo brasileiro destoa da análise feita pelo mercado financeiro. Para a agência, “apesar do forte capital político de Bolsonaro, a aprovação de reformas estruturais de nenhuma forma está garantida”. Ela cita a fragmentação partidária, as pautas controversas e a escolha do presidente de fugir das negociações com as lideranças partidárias. No fim, acredita que os projetos passarão, mas vai esperar para mexer na nota.

Claudia Safatle: Plano B de Guedes pode virar um Plano A

- Valor Econômico

O Congresso, que vive de "migalhas", tem função nobre

O "Plano B" do ministro da Economia, Paulo Guedes - que é desvincular e desindexar todo o orçamento da União - pode vir a se transformar em "Plano A". Desde que lançou, no discurso de posse, a ideia do "Plano B" na hipótese do Congresso não votar a Previdência, Guedes tem sido incentivado a prosseguir nesse debate mesmo se a reforma for aprovada, pois ele revolucionaria as leis orçamentárias e, com elas, os costumes na política.

Prefeitos, governadores, ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), quando se informam da extensão e dos impactos de uma medida dessa natureza, se entusiasmam. "Essa é uma forma de criar um novo modo de se fazer política no Brasil", disse o ministro no discurso de posse.

Vários dos seus interlocutores o tem aconselhado a levar adiante a discussão mesmo depois de aprovada a nova Previdência.

O plano alternativo de Guedes significa atribuir ao Congresso Nacional sua real função: controlar o Orçamento e estabelecer prioridades na alocação dos recursos públicos. As receitas dos impostos extraídos da população devem voltar para ela sob a forma de prestação de serviços públicos eficientes que sirvam para reduzir as desigualdades crônicas do país.

Hoje, como se sabe, cerca de 96% do Orçamento da União é carimbado, tem as receitas vinculadas legalmente ou constitucionalmente a despesas pré-determinadas.

Uma parte vai para a saúde (cujo orçamento é indexado à receita), outra para a educação (que indexou à inflação), além de gastos com abono salarial, seguro-desemprego, subsídios, pagamento de salários do funcionalismo e das aposentadorias do INSS (trabalhadores do setor privado), do RPPS (servidores públicos) e dos militares. Essas são as grandes contas.

Rogério L. Furquim Werneck*: Mudança de conduta

- O Estado de S.Paulo / O Globo

Uma de suas músicas de maior sucesso, lançada em 1930, que o compositor via como metáfora de “um Brasil de tanga, pobre e maltrapilho”

“Agora vou mudar minha conduta / Eu vou para luta, pois quero me aprumar.” É como Noel Rosa inicia Com que roupa?, uma de suas músicas de maior sucesso, lançada em 1930, que o compositor via como metáfora de “um Brasil de tanga, pobre e maltrapilho”. Talvez por isso há quem ache que a melodia do primeiro verso evoca a do verso inicial do Hino Nacional.

Passados quase 90 anos, o tema não poderia ser mais atual. Conseguirá o Brasil mudar sua conduta? Será o País capaz de conter sua desastrosa inconsequência fiscal e, afinal, restringir os gastos públicos a limites condizentes com a carga tributária que a sociedade se dispõe a aceitar para financiar os três níveis de governo? Com que proposta de reforma da Previdência o governo pretende deflagrar sua primeira grande batalha pela mudança do insustentável regime fiscal que hoje tem o País?

A concepção e o detalhamento da reforma têm sido uma operação complexa, que vem tendo lugar há vários meses, desde o final de outubro. Um passo inicial de grande importância foi dado pelo próprio ministro da Economia. Ao se desapegar de ideias preconcebidas e resistir à tentação de reinventar a roda, Paulo Guedes pôde tirar bom proveito de duas décadas de reflexão coletiva que redundaram na proposta de reforma do governo Temer e, mais recentemente, na proposta mais ambiciosa de Arminio Fraga e Paulo Tafner.

Na concepção da reforma, o ministro da Economia se vê obrigado a conciliar ousadia e viabilidade política. De um lado, a reforma tem de ser profunda e abrangente, para que possa fazer diferença no descalabro fiscal que hoje vive o País. De outro, tem de ter passagem, não só no âmbito do Poder Executivo, como no Poder Legislativo, que terá a palavra final sobre as mudanças propostas.

Não tem sido fácil explorar os limites do possível dentro do próprio governo, em cujo núcleo convivem visões muito distintas sobre o grau de ousadia que deveria pautar a reforma. As recentes declarações desencontradas da cúpula do governo, sobre o teor da proposta de reforma que teria sido preparada pelo Ministério da Economia, mostram que a discussão interna ainda não foi encerrada.

Vinicius Torres Freire: O outro buraco na Previdência

- Folha de S. Paulo

Liberais eufóricos mal discutem a receita previdenciária e o trabalho precário

A reforma trabalhista vai provocar mudanças no mercado de trabalho que tendem a diminuir a receita da Previdência Social. É o que dizem críticos de esquerda sobre a reforma aprovada sob Michel Temer e sobre alterações radicais que estão nos planos de Paulo Guedes, ministro da Economia de Jair Bolsonaro.

O impacto da mui recente reforma trabalhista por ora é ínfimo, de modo que ainda é impossível estimar seus efeitos. Mas é também fato que o reformista liberal padrão não liga muito para deficiências de arrecadação da Previdência.

Tudo mais constante, a receita será tanto maior quanto maior a parcela da população empregada e, não necessariamente a mesma coisa, quanto mais trabalhadores contribuírem.

Alterações profundas no mercado de trabalho podem ter efeitos na capacidade contributiva, talvez negativos. O problema, porém, é bem mais enrolado.

Entre pessoas ocupadas, de 16 a 59 anos, a parcela de contribuintes cresceu quase sem parar de 2004 a 2017. Entre a categoria “empregados”, maioria dos trabalhadores, passou de 73,3% para 84,3% (dados mais recentes do Informe de Previdência Social). Mas a situação ainda é ruim.

Em uma conta mais genérica, pelo menos 29% dos ocupados de 16 a 59 anos não contribuíam, metade por falta de dinheiro (ganha menos de um salário mínimo). Note-se: essa conta não inclui quem está fora do mercado, temporária ou cronicamente.

Esse mundo de trabalho precário contribui para o desastre previdenciário.

Não é o que parece

Pressionado pelos aposentados, o governo chileno decide mudar o sistema de capitalização da Previdência, modelo elogiado pelo ministro Paulo Guedes

“Nunca nos explicaram bem o sistema. Se eu soubesse como seria, teria feito uma poupança privada. Venderam-nos uma ilusão.”

Por Janaína Figueiredo | Época

BUENOS AIRES - As dificuldades enfrentadas no Chile ao introduzir novas regras para a Previdência Pressionado pelos aposentados, o governo chileno decide mudar o sistema de capitalização da Previdência, modelo elogiado pelo ministro Paulo Guedes

O sistema privado de capitalização da Previdência do Chile é tido por economistas de muitos países como um modelo a ser seguido. Mesmo sem dar detalhes, Paulo Guedes, o superministro da Economia do governo Bolsonaro, já anunciou que pretende adotar um regime semelhante para quem estiver entrando no mercado de trabalho. Mas os aposentados chilenos — pelo menos uma boa parte deles — fazem uma avaliação bastante negativa do sistema, 37 anos após sua implementação, e não entendem por que recebe tantos elogios no exterior.

O engenheiro químico César Peredo é um dos insatisfeitos. Depois de contribuir para o sistema por mais de três décadas, recebe uma aposentadoria de US$ 1.300, bem abaixo dos US$ 5.800 que ganhava quando estava na ativa. “Em 1981, eu trabalhava numa empresa de celulose e me disseram que devia passar para o sistema privado de capitalização. Sempre dei a maior contribuição possível, imaginando que me aposentaria ganhando um valor similar a meu último salário”, afirmou Peredo, que vive hoje em Valparaíso. Fazendo trabalhos de assessoria em engenharia química para complementar a aposentadoria, disse que consegue pagar suas contas, mas não vive tranquilo. 

“Nunca nos explicaram bem o sistema. Se eu soubesse como seria, teria feito uma poupança privada. Continuo pagando os mesmos impostos, tendo as mesmas despesas, e com bem menos recursos”, queixou-se. “Venderam-nos uma ilusão. Muitos de nós têm a sensação de que se trata de um negócio, e não de um sistema pensado para beneficiar a população”, afirmou.

Os problemas do sistema de capitalização são reconhecidos pelo atual presidente chileno, o direitista Sebastián Piñera, que em novembro do ano passado enviou uma proposta de reforma ao Parlamento para tentar aumentar, no médio e no longo prazos, o valor das aposentadorias.

Com a vitória do Chile na Corte Internacional de Justiça de Haia (CIJ) na disputa com a Bolívia — que queria negociar um acesso soberano ao mar —, Piñera viu sua popularidade aumentar e decidiu apresentar uma proposta de reforma para elevar em 40% as aposentadorias dos chilenos.

Moro acerta nas linhas gerais do pacote contra crime e corrupção: Editorial | Valor Econômico

O pacote de medidas contra a corrupção, o crime organizado e a violência anunciado nesta semana pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, é mais forte nos pontos em que é maior a experiência do ex-juiz de Curitiba - é mais abrangente no cerco ao dinheiro ilegal que move as engrenagens do poder. As medidas propostas sobre os outros dois temas ampliam e reforçam os constrangimentos às organizações criminosas, buscam tapar buracos e regalias legais, mas trazem pouca inovação. Moro acrescentou enunciados à "exclusão de ilicitude", em parte redundantes com o texto em vigor, que reduzem ou eliminam a responsabilidade de policiais por mortes no cumprimento do serviço. Com isso, por um lado, atraiu grande polêmica com defensores dos direitos humanos e oposição, e, por outro, mostrou-se alinhado ao mote de "guerra ao crime organizado" do presidente Jair Bolsonaro, já amplamente vocalizado durante a campanha eleitoral.

Uma das medidas mais importantes entre as propostas pelo ministro da Justiça não será, ao que tudo indica, decidida pelo Congresso - o início do cumprimento da pena logo após a condenação em segunda instância. O Supremo Tribunal Federal admitiu por um breve período que isso não era possível - a Constituição diz que só haverá prisão após o trânsito em julgado, isto é, esgotados todos os recursos. Recentemente, em meio à extrema divisão de seus ministros, o STF entendeu que é cabível a prisão após o julgamento de segunda instância, interpretação que tornou possível levar o ex-presidente Lula à cadeia. No dia 10 de abril está marcada sessão para discutir novamente a questão. De qualquer forma, está em jogo o texto constitucional, que não poderá ser modificado por lei ordinária, apenas por proposta de emenda à Constituição.

A permissão da prisão após julgamento em segunda instância foi crucial para que a Lava-Jato deslanchasse. Ela deu vital incentivo às delações premiadas, ao fechar o caminho a protelações legais intermináveis que beneficiariam, entre outros, os empresários envolvidos em corrupção. Por isso, a intenção que também perpassa as propostas está a de seguir na mesma linha e reduzir as possibilidades de prescrição de penas. É o caso, por exemplo, da proposta de suspensão do tempo de contagem do prazo prescricional enquanto existirem recursos pendentes no STF e no Superior Tribunal de Justiça. Da mesma forma, Moro quer que os embargos infringentes só possam ser apresentados se um dos juízes do colegiado votar pela absolvição do reú e não apenas por divergir da sentença na gradação de pena.

Mais 12 anos de cadeia: Editorial | O Estado de S. Paulo

Lula da Silva não desiste. Condenado pela segunda vez por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-presidente da República continua a se dizer vítima de “perseguição política”. Com isso, quer fazer crer que todos os magistrados que decidiram contra ele – na 13.ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal – estão mancomunados, junto com “a imprensa, o mercado e os poderosos do Brasil e de fora”, para “apagar a lembrança” de Lula da “memória do povo pobre e trabalhador do Brasil”, conforme diz uma nota oficial do PT, que ele continua controlando.

No texto, o partido diz que Lula é alvo de “uma vingança política sem precedentes na história do Brasil”. Afirma que a primeira condenação que sofreu, no caso relativo ao triplex no Guarujá, se prestou a “impedir que Lula voltasse a ser eleito presidente da República pela vontade do povo”. Com a nova condenação, afirma a nota lulopetista, o Judiciário tenta “influenciar a opinião pública internacional” justamente “no momento em que Lula é indicado ao Prêmio Nobel da Paz por mais de meio milhão de apoiadores” – referência a uma campanha inventada pelo partido para tentar tirar o chefão petista do limbo político e midiático em que ele se encontra, como presidiário em Curitiba.

O ocaso de Lula: Editorial | Folha de S. Paulo

Nova condenação do ex-presidente acentua sua derrocada e o ridículo das teses persecutórias

A ninguém deveria ter surpreendido a nova condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção e lavagem de dinheiro, desta vez por favores recebidos de empreiteiras no sítio que frequentava com a família em Atibaia (SP).

As primeiras evidências contundentes do caso datam de três anos atrás, quando esta Folha publicou relatos de uma fornecedora e de um profissional a respeito de obras na propriedade bancadas pela Odebrecht a partir do final de 2010, último ano de mandato do petista.

A revista Veja também publicara, em abril de 2015, que o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro pretendia detalhar despesas da empresa com a reforma do imóvel em seu acordo de delação premiada.

Conforme a denúncia apresentada pelo Ministério Público, as duas construtoras e o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, gastaram pouco mais de R$ 1 milhão com benfeitorias no sítio, realizadas até o ano de 2014.

Os aspectos um tanto prosaicos do favorecimento não eliminam sua gravidade. Foram reveladores, aliás, os cuidados tomados pelos envolvidos. Conforme os testemunhos obtidos por este jornal, pagamentos eram feitos em dinheiro vivo, e notas fiscais eram diluídas em nome de outras empresas.

As vantagens de uma nova reforma trabalhista: Editorial | O Globo

Propostas reduzem as incertezas para os jovens no mercado de trabalho e na Previdência

O ciclo de reformas em que o país entra, com a eleição de Jair Bolsonaro como representante de um campo político que esteve à margem do poder nestes 31 anos do início da redemocratização, abre novas possibilidades de avanços.

As mudanças na Previdência são compulsórias, devido ao acelerado estrangulamento das contas públicas causado por uma seguridade lastreada no sistema de repartição, que se torna inviável quando o processo de envelhecimento da população ganha velocidade.

Pois aumenta o contingente de aposentados, enquanto diminui a entrada de jovens no mercado de trabalho, que, com suas contribuições, financiam os benefícios previdenciários. É o que está acontecendo.

Outra reforma, esta no campo trabalhista, está em gestação, a fim de ampliar a anêmica oferta de empregos para os jovens, os mais atingidos pelas crises econômicas. Se a média do desemprego está em 11%, já elevada, em faixas etárias baixas chega a 25% ou mais. Há a intenção de impedir que o emaranhado da legislação trabalhista—que mal começa a ser flexibilizada — continue a prejudicar boa parte daqueles que entram na força de trabalho. Eles, na verdade, se tornam párias, longe do alcance das benesses de uma Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) anacrônica, instituída pelo ditador Getúlio Vargas em 1943, no Estado Novo, sob inspiração da italiana Carta del Lavoro, do fascismo de Mussolini.

Mesmo quando a economia bombou em 2010, o máximo que o mercado formal conseguiu foi absorver 60% da força de trabalho. Depois retrocedeu.

Um ponto de ligação das propostas trabalhistas — a serem encaminhadas ao Congresso pelo ministro Paulo Guedes—coma Previdência é que estimados 40 milhões de jovens existentes hoje têm muito baixa ou nenhuma perspectiva de contarem no futuro com benefícios previdenciários minimamente razoáveis.

12 senadores trocam de partido e novas legendas ganham poder

15% dos senadores mudaram de legenda desde outubro; alterações diminuíram importância de siglas tradicionais

Renan Truffi, Matheus Lara e Paulo Beraldo | O Estado de S.Paulo

Mesmo após uma eleição marcada pelo discurso de novas práticas políticas, 12 senadores já trocaram de partido desde outubro do ano passado. O troca-troca partidário mudou a dinâmica de forças entre as bancadas da Casa, diminuindo a importância de siglas tradicionais, como o PSDB, e colocando em destaque novos grupos partidários, a exemplo do Podemos e do PSD.

A forte renovação obtida em 2018 – apenas 8 dos 54 senadores foram reeleitos – não evitou que uma parcela significativa desses parlamentares protagonizasse ‘traições’ partidárias ou acordos envolvendo 12 partidos. A dança das cadeiras envolve tanto figuras tradicionais, como o ex-presidente Fernando Collor (AL), como os estreantes Jorge Kajuru (GO) e o Capitão Styvenson (RN). Com as mudanças, cinco siglas foram "expulsas" do Senado: PTC, PRP, PHS, PTB e Solidariedade. Todas saíram das urnas com pelo menos um senador, mas começaram o ano legislativo esvaziadas.

O PTB, partido do ex-deputado Roberto Jefferson, conhecido pelo envolvimento no caso do "mensalão", é o mais prejudicado. A legenda elegeu dois novos senadores em outubro e, como já tinha um parlamentar em meio de mandato, terminou 2018 projetando uma bancada de três parlamentares, o que lhe garantiria uma estrutura de liderança partidária – com gabinete próprio e cargos em comissão. Nesses 90 dias, porém, a sigla perdeu seus três senadores, sendo dois deles para o PSD, e perdeu representação na Casa. O Broadcast Político apurou que Roberto Jefferson, irritado, tentou reverter as saídas, mas não conseguiu.

Na outra ponta está o PSD, de Gilberto Kassab. O ex-ministro articulou a ampliação da bancada durante o recesso e conseguiu atrair três nomes, elevando de sete para dez o número de senadores filiados ao partido que criou. Os novatos na legenda são Nelsinho Trad (MS) e Lucas Barreto (AP), ambos originários do PTB, além do Carlos Viana (MG), do PHS. Em compensação, a sigla perdeu o senador Lasier Martins (RS) para o Podemos. Ainda assim, o PSD ultrapassou o PSDB em tamanho e força. Os tucanos não conseguiram seduzir nenhum novo senador e permaneceram com uma bancada de oito parlamentares, contra nove do PSD.

A ofensiva de Kassab serviu para que o partido pudesse requisitar mais espaço no Senado, devido à regra da proporcionalidade. Nas negociações, a sigla conseguiu garantir a primeira-secretaria do Senado, além da presidência de uma das mais importantes comissões, a de Assuntos Econômicos (CAE).

O Podemos, partido do senador Álvaro Dias (PR), também se fortaleceu. A sigla filiou, além de Lasier Martins, o senador Eduardo Girão (CE), que era do PROS, e o Capitão Styvenson (RN), ex-Rede. Com isso, a legenda subiu de cinco parlamentares, após as eleições, para oito nomes agora. O crescimento fez com que Álvaro Dias garantisse a indicação para a segunda vice-presidência do Senado, um dos cargos mais importantes da Mesa Diretora.

O assédio dos partidos sobre os eleitos foi tanto que houve quem atuasse para evitar uma debandada. A articulação de Álvaro Dias representou um duro golpe, por exemplo, para a Rede, partido de Marina Silva. A saída de Styvensson foi a segunda baixa na sigla, que já havia perdido o Delegado Alessandro Vieira (SE) para o PPS. As mudanças enxugaram a bancada da legenda, que deixou de ter cinco senadores, como definido pelas urnas em outubro, para reunir apenas três parlamentares.

Um dos principais aliados de Marina, o senador Randolfe Rodrigues atuou para evitar que a debandada fosse maior. Se perdesse três senadores, a Rede não teria direito, por exemplo, a uma estrutura de liderança na Casa. A chamada cláusula de barreira, válida para a eleição da Câmara dos Deputados, explica as mudanças. Como o partido não alcançou o número mínimo de cadeiras exigido pela legislação eleitoral, perdeu o direito de ter acesso a fundos públicos com verbas para financiar as atividades partidárias e eleitorais.

Geraldo Azevedo: Moça bonita/ Sabor colorido

Johann W. Von Goethe (1740-1832): Pensamentos

Todos os dias deveríamos ler um
bom poema, ouvir uma linda canção,
contemplar um belo quadro
e dizer algumas bonitas palavras.

Pensar é mais interessante
que saber, mas é menos
interessante que olhar.