NA HORA DA MORTE
Zuenir Ventura
Zuenir Ventura
Acho que nenhum dos viajantes estrangeiros que ao longo dos séculos se deslumbraram com o hedonismo dessa terra solar de Dionísio, afável e bela, jamais previu que o Rio pudesse vir a ser uma cidade identificada com a morte, onde se mata e morre sistematicamente. Uma necrópole povoada de vítimas fatais. Dói constatar que a Cidade Maravilhosa virou um lugar lindo para se morrer. Não falo da morte por doença, mas da morte súbita, estúpida, provocada, violenta; em uma palavra, o extermínio. Mata-se por encomenda e por vingança, de uma só vez ou em série, no varejo ou em forma de chacina, com pistola, metralhadora ou fuzil. Executam-se com tiros certeiros e com balas perdidas - crianças, velhos, mulheres, civis e militares, culpados e inocentes, a qualquer hora do dia ou da noite, nas ruas e dentro de casa, nos carros e nos ônibus. O que deveria ser escândalo banalizou-se e tornou-se uma rotina.
Houve um tempo em que havia jornais popularescos especializados em crimes, e deles se dizia que, espremidos, saía sangue. Hoje, o sangue invadiu todas as primeiras páginas e os horários nobres, transformando esses espaços em obituários. Mais do que uma imprensa "especializada" em crime, a cidade é que se especializou no tema. A PM do Rio não apenas é a que mais mata no Brasil, como faz isso quatro vezes mais do que nos EUA. Sua fama é a de que atira primeiro e pergunta depois.
Gostaria de saber por que o narcotráfico existe em NY, Londres e Paris, mas só aqui se mata e se morre tanto. Talvez porque se adota uma absurda "ideologia de guerra" em que o combate às drogas causa mais mortes do que elas mesmas. O governador e seu secretário José Mariano Beltrame dizem que é uma necessidade, a conseqüência inevitável da política de confronto com os bandidos. Será? Seu colega, o secretário nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, acha que não. Em entrevista ao repórter Vasconcelos Quadros, afirma: "Em hipótese nenhuma o enfrentamento pode ferir inocentes." Ele é contrário à prática de "trocar a vida de um inocente pela do bandido".
Por que o governo de Cabral, em geral tão sintonizado com o de Lula, não ouve esse eco de sensatez que vem de Brasília? Podia fazer isso em nome da vida e da paz. O Rio não deve ser governado pelas pulsões de morte, por Tânatos; não é da sua natureza. O Rio tem que ser Eros.
Nessa hora de morte, nada melhor do que visitar a retrospectiva de Thereza Miranda no MAM, como fizeram 1.980 pessoas na memorável noite de abertura. Faz bem sentir a vida que palpita nos 140 quadros ali expostos. As paisagens de Thereza são, além da beleza, gestos vitais em defesa da Natureza ameaçada de extinção. Sua obra salva pela recriação artística o que periga perecer. De cada uma de suas gravuras "brota um mundo", como disse Carlos Drummond de Andrade.
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