EM PORTO NACIONAL, A LÓGICA É LOCAL
César Felício
Quem abre a página da cidade de Porto Nacional, em Tocantins, na Internet, se depara com a cena: está lá a foto do prefeito Paulo Mourão, semblante sereno, acima da legenda PT. Ao lado, sorridente em um retrato, está o vice-prefeito Edgar Tavares, identificado como do "PFL", a antiga denominação do DEM. O município de 30 mil eleitores na região Norte é uma síntese do que se passa no processo político longe dos salões do Congresso e do Planalto.
A decifração da lógica das alianças municipais foi o tema analisado pelo cientista político Humberto Dantas de Mizuca, em sua tese de doutorado apresentada na USP em dezembro do ano passado - última orientada pela professora Maria D"Alva Gil Kinzo, falecida mês passado. Sócio da empresa de consultoria política Cepac, Dantas esmiuçou as composições partidárias nas eleições de 2000 e 2004.
Parte-se da constatação que , em eleições de turno único, como é o caso de praticamente todos os municípios do País, exceção a 77, há uma tendência de eleições polarizadas ou com poucos candidatos. O fenômeno ocorreu nas eleições passadas e se repete : segundo dados preliminares do TSE, em 2.774 cidades - ou 49,8% do total nacional - haverá apenas dois candidatos. Em outras 1.616 a disputa terá três nomes. A competição chega a quatro ou mais opções em apenas 21% dos municípios.
O quadro polarizado em um cenário com mais de vinte partidos é a porta aberta para alianças extremamente amplas. Dantas mostra que há três fatores que guiam o comportamento partidário nos pequenos e médios municipais. O menos importante deles - mas de modo algum inexistente - é o ideológico. Na eleição de 2004, a parceria entre o então PFL e o PP aconteceu em 1.653 cidades, embora a primeira sigla estivesse na oposição e a segunda muito próxima do governo Lula. Do ponto de vista político, são ramos da mesma árvore.
O pouco peso do fator ideológico nas alianças é evidenciado, segundo Dantas, quando se leva em conta não as combinações binárias como PP/DEM ou PT/PSB, mas se pensa nas coligações como um todo. Em 2004, as alianças que juntavam centro, direita e esquerda somaram 35% do total nas pequenas e médias cidades. As restritas às esquerdas não passaram de 10%. As que envolviam apenas a direita, 5%. Composições de centro-esquerda ou centro-direita somavam 20%.
O segundo fator é o federal. A necessidade de se ter uma espécie de despachante de interesses locais junto aos ministérios impulsionou o PT nas últimas eleições como havia impulsionado o PSDB nos dois pleitos anteriores. "O PT capilarizou-se, mas nas pequenas cidades ficou muito diferente do que é nas grandes. Bebe na fonte do governisno e tornou-se uma espécie de franquia", comenta o cientista político. Entre 2000 e 2004, o PT passou de 80 para 219 prefeituras conquistadas entre os municípios com menos de dez mil eleitores. Em 2000, havia disputado com a cabeça de chapa ou a vice em 2.722 municípios. Quatro anos depois, houve 4.634 candidatos a prefeito ou vice petistas.
Alianças de PT com PSDB só fazem crescer
Este PT "muito diferente" ignorou normas partidárias nas eleições passadas para se compor com tucanos e pefelistas nos pequenos e médios municípios. O PT e o PSDB haviam estado juntos em 451 cidades há oito anos. Em 2004, com o PT no governo federal e com suas "franquias" abertas nos grotões, o número de alianças dobrou: foram 904. Ainda não há números precisos sobre o que ocorreu este ano, mas dados preliminares apontam a parceria tucano-petista em 1.130 municípios. Um em cada cinco.
É o terceiro fator de influência nas alianças municipais que explica o chamego PT/PSDB parecer proibido apenas em Belo Horizonte: o peso do governo estadual. "A formação das maiorias estaduais é o grande eixo das eleições municipais. No Acre em 2004 a polarização era entre o PT, de um lado, e o eixo PMDB-PP, do outro. O PSDB estava mais próximo dos petistas. As parcerias entre tucanos com pefelistas e com petistas na Bahia foram relativamente comuns. O que não aconteceu foram associações entre PT e PFL , que estavam em pólos opostos ", diz Dantas.
Dantas mostra que em 2004 o PSDB esteve com o PT em mais de um terço dos municípios em que disputou a eleição em cinco Estados: Amapá, Bahia, Sergipe, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Em todos petistas e tucanos estavam fora do comando local.
O partido do governador foi o carro-chefe das alianças na eleição passada. A sigla que comanda a máquina estadual apareceu com candidato próprio em mais da metade dos municípios em 21 dos 26 Estados. Em 23 deles, exceção a Tocantins, Piauí e Amapá, estava presente nas alianças de pelo menos 90% das cidades.
Um exemplo do protagonismo do governador vem do Rio Grande do Norte, onde Wilma de Faria já governava em 2004, pelo esquerdista PSB. Nada menos que PFL, PP, PSDB, PT, PPS, PDT e PL (atual PR) procuraram o PSB como parceiro em no mínimo um terço dos municípios em que disputaram .
"Como o PT entrou nos grandes municípios e o governador ainda é o grande ator político, o resultado é que as alianças tornaram-se menos ideológicas no governo Lula do que eram no governo Fernando Henrique", sustenta Dantas, que explica: no governo do tucano, os petistas eram menos numerosos e excluídos da base de apoio não só do governo federal.
Tornavam-se parceiros pouco interessantes para os governadores e suas bases aliadas. É a dependência do prefeito de um grotão em relação ao governador de seu Estado e a vulnerabilidade dos Estados diante da União que favorecem alianças heterodoxas.
O PT em Tocantins cresceu em importância à medida em que desmoronava a grande frente "União por Tocantins" que mantinha a hegemonia no Estado nas mãos da família Siqueira Campos. Eleito nesta frente, o governador Marcelo Miranda , inicialmente no PFL e hoje no PMDB aproximou-se dos petistas e a aparentemente exótica aliança em Porto Nacional está neste contexto. Os políticos e eleitores tocantinenses não são mais pragmáticos ou menos ideológicos que a média nacional. Só organizam seu mundo pela própria perspectiva.
César Felício
Quem abre a página da cidade de Porto Nacional, em Tocantins, na Internet, se depara com a cena: está lá a foto do prefeito Paulo Mourão, semblante sereno, acima da legenda PT. Ao lado, sorridente em um retrato, está o vice-prefeito Edgar Tavares, identificado como do "PFL", a antiga denominação do DEM. O município de 30 mil eleitores na região Norte é uma síntese do que se passa no processo político longe dos salões do Congresso e do Planalto.
A decifração da lógica das alianças municipais foi o tema analisado pelo cientista político Humberto Dantas de Mizuca, em sua tese de doutorado apresentada na USP em dezembro do ano passado - última orientada pela professora Maria D"Alva Gil Kinzo, falecida mês passado. Sócio da empresa de consultoria política Cepac, Dantas esmiuçou as composições partidárias nas eleições de 2000 e 2004.
Parte-se da constatação que , em eleições de turno único, como é o caso de praticamente todos os municípios do País, exceção a 77, há uma tendência de eleições polarizadas ou com poucos candidatos. O fenômeno ocorreu nas eleições passadas e se repete : segundo dados preliminares do TSE, em 2.774 cidades - ou 49,8% do total nacional - haverá apenas dois candidatos. Em outras 1.616 a disputa terá três nomes. A competição chega a quatro ou mais opções em apenas 21% dos municípios.
O quadro polarizado em um cenário com mais de vinte partidos é a porta aberta para alianças extremamente amplas. Dantas mostra que há três fatores que guiam o comportamento partidário nos pequenos e médios municipais. O menos importante deles - mas de modo algum inexistente - é o ideológico. Na eleição de 2004, a parceria entre o então PFL e o PP aconteceu em 1.653 cidades, embora a primeira sigla estivesse na oposição e a segunda muito próxima do governo Lula. Do ponto de vista político, são ramos da mesma árvore.
O pouco peso do fator ideológico nas alianças é evidenciado, segundo Dantas, quando se leva em conta não as combinações binárias como PP/DEM ou PT/PSB, mas se pensa nas coligações como um todo. Em 2004, as alianças que juntavam centro, direita e esquerda somaram 35% do total nas pequenas e médias cidades. As restritas às esquerdas não passaram de 10%. As que envolviam apenas a direita, 5%. Composições de centro-esquerda ou centro-direita somavam 20%.
O segundo fator é o federal. A necessidade de se ter uma espécie de despachante de interesses locais junto aos ministérios impulsionou o PT nas últimas eleições como havia impulsionado o PSDB nos dois pleitos anteriores. "O PT capilarizou-se, mas nas pequenas cidades ficou muito diferente do que é nas grandes. Bebe na fonte do governisno e tornou-se uma espécie de franquia", comenta o cientista político. Entre 2000 e 2004, o PT passou de 80 para 219 prefeituras conquistadas entre os municípios com menos de dez mil eleitores. Em 2000, havia disputado com a cabeça de chapa ou a vice em 2.722 municípios. Quatro anos depois, houve 4.634 candidatos a prefeito ou vice petistas.
Alianças de PT com PSDB só fazem crescer
Este PT "muito diferente" ignorou normas partidárias nas eleições passadas para se compor com tucanos e pefelistas nos pequenos e médios municípios. O PT e o PSDB haviam estado juntos em 451 cidades há oito anos. Em 2004, com o PT no governo federal e com suas "franquias" abertas nos grotões, o número de alianças dobrou: foram 904. Ainda não há números precisos sobre o que ocorreu este ano, mas dados preliminares apontam a parceria tucano-petista em 1.130 municípios. Um em cada cinco.
É o terceiro fator de influência nas alianças municipais que explica o chamego PT/PSDB parecer proibido apenas em Belo Horizonte: o peso do governo estadual. "A formação das maiorias estaduais é o grande eixo das eleições municipais. No Acre em 2004 a polarização era entre o PT, de um lado, e o eixo PMDB-PP, do outro. O PSDB estava mais próximo dos petistas. As parcerias entre tucanos com pefelistas e com petistas na Bahia foram relativamente comuns. O que não aconteceu foram associações entre PT e PFL , que estavam em pólos opostos ", diz Dantas.
Dantas mostra que em 2004 o PSDB esteve com o PT em mais de um terço dos municípios em que disputou a eleição em cinco Estados: Amapá, Bahia, Sergipe, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Em todos petistas e tucanos estavam fora do comando local.
O partido do governador foi o carro-chefe das alianças na eleição passada. A sigla que comanda a máquina estadual apareceu com candidato próprio em mais da metade dos municípios em 21 dos 26 Estados. Em 23 deles, exceção a Tocantins, Piauí e Amapá, estava presente nas alianças de pelo menos 90% das cidades.
Um exemplo do protagonismo do governador vem do Rio Grande do Norte, onde Wilma de Faria já governava em 2004, pelo esquerdista PSB. Nada menos que PFL, PP, PSDB, PT, PPS, PDT e PL (atual PR) procuraram o PSB como parceiro em no mínimo um terço dos municípios em que disputaram .
"Como o PT entrou nos grandes municípios e o governador ainda é o grande ator político, o resultado é que as alianças tornaram-se menos ideológicas no governo Lula do que eram no governo Fernando Henrique", sustenta Dantas, que explica: no governo do tucano, os petistas eram menos numerosos e excluídos da base de apoio não só do governo federal.
Tornavam-se parceiros pouco interessantes para os governadores e suas bases aliadas. É a dependência do prefeito de um grotão em relação ao governador de seu Estado e a vulnerabilidade dos Estados diante da União que favorecem alianças heterodoxas.
O PT em Tocantins cresceu em importância à medida em que desmoronava a grande frente "União por Tocantins" que mantinha a hegemonia no Estado nas mãos da família Siqueira Campos. Eleito nesta frente, o governador Marcelo Miranda , inicialmente no PFL e hoje no PMDB aproximou-se dos petistas e a aparentemente exótica aliança em Porto Nacional está neste contexto. Os políticos e eleitores tocantinenses não são mais pragmáticos ou menos ideológicos que a média nacional. Só organizam seu mundo pela própria perspectiva.
César Felício é repórter de política e substitui, interinamente, a titular da coluna às sextas-feiras, Maria Cristina Fernandes.
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