SOBRE TRANSFERÊNCIA DE VOTOS
Wilson Figueiredo
Jornalista
O presidente Lula foi à Bahia e, antes de saber o quê que a baiana realmente tem, recomendou aos demais convidados ao almoço no Palácio de Ondina tratarem "muito bem a minha candidatada". Nem a própria Dilma Rousseff, de corpo presente, disfarçou a surpresa por trás do sorriso. O tratamento de choque aplicado por Lula revitalizou a sucessão presidencial e lhe deu a medida da volatilidade do poder, embora já resolvida pelos cálculos para 2014. Se é que pesquisas lhe dizem a verdade. O resto é lisonja.
Estava lançada a candidatura da ministra Dilma Rousseff, até então implícita e sem decolar, por ser mais pesada que o ar irrespirável, pelo menos até o próprio presidente apontar a porta da rua aos queremistas do terceiro mandato. Criou com o lançamento de Dilma o que faltava à sucessão presidencial para desencalhar. E mais tempo para o ocupar em responsabilidades superiores ao seu patrimônio de intenções de votos intransferíveis.
Na condição de magnata da produção de votos, o presidente se aventurou no caminho da sucessão, para a qual tem votos para dar, vender não. Falta-lhe apenas a eleição. Tal desperdício não deixa de ser contradição da democracia instalada no terreno histórico onde já se ergueram duas ditaduras e desabaram algumas tentativas mal conduzidas. O terceiro mandato cogitado pelo clube de falidos (em matéria de votos), sob a batuta do vice-presidente que se elegeu duas vezes sem votos, deixou os dois na mão. Entre uma pesquisa e outra, Lula viu que ia ficar sem saída, logo ele que não se sente bem na "escolha de Sofia", na qual o vencedor é também perdedor. Deixou correr o tempo e, na Bahia, onde foi desfilar o estilo de governar em trânsito, declarou seu voto e deixou o resto para trás. Contornou as tensões da escolha ao personalizar a indicação antes atribuída aos partidos. Fez bem. O PT é mais enrolado do que penteado rastafari e o PMDB não perde o jeito de penetra de classe média em festa de família rica. Já o PSDB evitou até agora as tensões, pré e pós, de decidir entre duas candidaturas plantadas há anos também em termos de opção de Sofia, que beneficiaria os adversários. A social-democracia, desta vez, ou vai ou racha no Brasil. Também de Sofia.
Depois de pouco falar e muito calar, que é a arte mineira de desconversar, Lula entrou em cena como diretor da peça republicana atualizada e resolveu a questão com, mais ou menos, dois anos de antecedência: cuidem da Dilma e não se preocupem com o vice, cuja escolha recairá mesmo sobre quem não tiver votos. À saída do almoço, Lula não fez mas podia, se a soubesse, ter repetido a frase que imortalizou o mineiro mais cosmopolita da política brasileira, Francisco Negrão de Lima, modesto de votos e rico de elegância, governador da Guanabara (era o Rio de Janeiro mesmo, com menos estatística). Numa dessas situações das quais parecia não haver saída normal, e depois de muito conversar, Negrão declarou aos repórteres que o cercaram: "A situação é grave e, sem hipérbole, terrível". Era, mas deu tudo certo. Lula perdeu a oportunidade.
A candidatura de Dilma Rousseff estava implícita, mas sem garantia de sobrevivência por conta própria. Ela se sentia constrangida de falar a respeito de hipótese. O presidente, com sua inexplicável propensão hamletiana de ser e não ser ao mesmo tempo, criou o fato na Bahia mas, se não o complementar com outros do mesmo calibre, vai conhecer dificuldades.
Dilma era apenas presidenciável como qualquer brasileiro, com mais de 35 anos. Agora passou a candidata da preferência de Lula, como Emilinha Borba era a favorita da banda dos Fuzileiros Navais. Por direito natural.
Se a política é mesmo a arte do possível, Lula atua dentro do parâmetro nacional onde, de certa forma, tudo é possível, dependendo do imponderável. Apenas convém não ser surpreendido pela confirmação de que eleger o sucessor é exceção, da Presidência da República às prefeituras municipais. Votos só se transferem mediante telegrama ou carta por via postal. Ou por e-mail, na internet.
Wilson Figueiredo
Jornalista
O presidente Lula foi à Bahia e, antes de saber o quê que a baiana realmente tem, recomendou aos demais convidados ao almoço no Palácio de Ondina tratarem "muito bem a minha candidatada". Nem a própria Dilma Rousseff, de corpo presente, disfarçou a surpresa por trás do sorriso. O tratamento de choque aplicado por Lula revitalizou a sucessão presidencial e lhe deu a medida da volatilidade do poder, embora já resolvida pelos cálculos para 2014. Se é que pesquisas lhe dizem a verdade. O resto é lisonja.
Estava lançada a candidatura da ministra Dilma Rousseff, até então implícita e sem decolar, por ser mais pesada que o ar irrespirável, pelo menos até o próprio presidente apontar a porta da rua aos queremistas do terceiro mandato. Criou com o lançamento de Dilma o que faltava à sucessão presidencial para desencalhar. E mais tempo para o ocupar em responsabilidades superiores ao seu patrimônio de intenções de votos intransferíveis.
Na condição de magnata da produção de votos, o presidente se aventurou no caminho da sucessão, para a qual tem votos para dar, vender não. Falta-lhe apenas a eleição. Tal desperdício não deixa de ser contradição da democracia instalada no terreno histórico onde já se ergueram duas ditaduras e desabaram algumas tentativas mal conduzidas. O terceiro mandato cogitado pelo clube de falidos (em matéria de votos), sob a batuta do vice-presidente que se elegeu duas vezes sem votos, deixou os dois na mão. Entre uma pesquisa e outra, Lula viu que ia ficar sem saída, logo ele que não se sente bem na "escolha de Sofia", na qual o vencedor é também perdedor. Deixou correr o tempo e, na Bahia, onde foi desfilar o estilo de governar em trânsito, declarou seu voto e deixou o resto para trás. Contornou as tensões da escolha ao personalizar a indicação antes atribuída aos partidos. Fez bem. O PT é mais enrolado do que penteado rastafari e o PMDB não perde o jeito de penetra de classe média em festa de família rica. Já o PSDB evitou até agora as tensões, pré e pós, de decidir entre duas candidaturas plantadas há anos também em termos de opção de Sofia, que beneficiaria os adversários. A social-democracia, desta vez, ou vai ou racha no Brasil. Também de Sofia.
Depois de pouco falar e muito calar, que é a arte mineira de desconversar, Lula entrou em cena como diretor da peça republicana atualizada e resolveu a questão com, mais ou menos, dois anos de antecedência: cuidem da Dilma e não se preocupem com o vice, cuja escolha recairá mesmo sobre quem não tiver votos. À saída do almoço, Lula não fez mas podia, se a soubesse, ter repetido a frase que imortalizou o mineiro mais cosmopolita da política brasileira, Francisco Negrão de Lima, modesto de votos e rico de elegância, governador da Guanabara (era o Rio de Janeiro mesmo, com menos estatística). Numa dessas situações das quais parecia não haver saída normal, e depois de muito conversar, Negrão declarou aos repórteres que o cercaram: "A situação é grave e, sem hipérbole, terrível". Era, mas deu tudo certo. Lula perdeu a oportunidade.
A candidatura de Dilma Rousseff estava implícita, mas sem garantia de sobrevivência por conta própria. Ela se sentia constrangida de falar a respeito de hipótese. O presidente, com sua inexplicável propensão hamletiana de ser e não ser ao mesmo tempo, criou o fato na Bahia mas, se não o complementar com outros do mesmo calibre, vai conhecer dificuldades.
Dilma era apenas presidenciável como qualquer brasileiro, com mais de 35 anos. Agora passou a candidata da preferência de Lula, como Emilinha Borba era a favorita da banda dos Fuzileiros Navais. Por direito natural.
Se a política é mesmo a arte do possível, Lula atua dentro do parâmetro nacional onde, de certa forma, tudo é possível, dependendo do imponderável. Apenas convém não ser surpreendido pela confirmação de que eleger o sucessor é exceção, da Presidência da República às prefeituras municipais. Votos só se transferem mediante telegrama ou carta por via postal. Ou por e-mail, na internet.
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