ENTREVISTA: Fernando Gabeira
DEU NO JORNAL DO BRASIL, 24/8/2008
DEU NO JORNAL DO BRASIL, 24/8/2008
RIO - Fala mansa, sempre no mesmo tom, Fernando Gabeira chegou ao JB e abriu o jogo. Com um blazer sobre uma de suas camisas de tons coloridos, o sexto candidato à prefeitura do Rio sabatinado pelo jornal defendeu um projeto de longo prazo para a cidade, criticou a política de segurança do governador Sérgio Cabral, apesar de elogiar o secretário Beltrame, e disse que a grande questão da cidade, hoje, não é a legalização da maconha, bandeira que defendeu durante anos. Para ele, é preciso reformular a polícia, começando pela sua unificação. Entrevistado por Tales Faria, Marcos Troyjo, José Aparecido Miguel, Marcelo Ambrosio, Rodrigo de Almeida, André Balocco e Marcelo Gazzaneo, o candidato do Partido Verde, ao lado do seu vice, Luiz Paulo Correa da Rocha, do PSDB, falou ainda que a cidade precisa resolver pelo menos três questões para voltar aos áureos tempos: desordem urbana, violência e capacidade de liderança. “Estou pronto para este desafio”.
O senhor acha que será um bom prefeito?
Creio que sim, pois existem problemas do Rio hoje que demandam liderança como o combate à desordem urbana, a associação com outros órgão nacionais de combate à violência e também a atração de capital para um outro ciclo de desenvolvimento da cidade. Creio que é a proposta de uma administração transparente e voltada para metas, que estabeleçam também diálogo muito próximo com os investidores que querem se instalar no Rio. Combinar esses elementos à reorganização da cidade, à luta contra a desordem urbana, os altos níveis de violência a atração de capitais. O Rio ainda é a capital do conhecimento, da produção cultural, da tecnologia da comunicação, dos resseguros, do turismo. Tudo isso depende de liderança. Por exemplo, em Bogotá, isso aconteceu desta maneira. Por isso eu tenho condições, estou me cercando de gente tecnicamente muito boa, a começar pelo vice Luiz Paulo, que tem uma longa experiência como secretário de Obras, vice-governador, secretário de Transporte, com mestrado na área.
O que o senhor acha da crítica de ser o candidato da Zona Sul?
Saí de casa agora com alguém comentando que eu não podia subir favela, que não podia subir morro porque isso ia atrapalhar meu trabalho na Zona Sul. E eu tenho subido muito morro. Se a gente não sobe muito morro, nos acusam de ser candidato da Zona Sul. E todos moram na Zona Sul. Se a gente sobe muito morro, nos acusam de abandonar a Zona Sul. Na verdade, não faço nenhuma crítica a eles, eu apenas compreendo.
Quais morros o senhor já subiu?
Pavão-Pavãozinho, Cantagalo, Rocinha, Vidigal...
O senhor mapeou áreas onde é fraco eleitoralmente?
Não tenho dúvida. Mapeei a cidade e a área onde sou mais fraco é a Zona Oeste, onde o nível do conhecimento do meu trabalho é pequeno. A partir desta semana, irei mais à Zona Oeste e ao longo do trabalho da televisão também vão se discutir outros caminhos. É um pouco ilusório pensar que vamos subir 600 comunidades até a eleição. Vamos entrar efetivamente através da TV. Vamos estar na casa da pessoa, em todo lugar, porque não se pode subir o morro numa sexta à tarde, não tem ninguém, só crianças e pessoas que ficaram em casa. Para subir o morro efetivamente o melhor dia é sábado. Temos oito sábados e 600 morros. Como fazer? Subimos os mais simbólicos. Eu subi o mais perigoso, que é a Vila Cruzeiro.
Quais os caminhos para entrar na Zona Oeste?
Através dos aliados que já estão lá. Especificamente o Luiz Paulo que, quando trabalhou na região, contribuiu muito com obras de trânsito, duplicação de vias, pavimentação.
Depois dos candidatos governistas (Solange Amaral e Eduardo Paes), o senhor foi quem mais arrecadou, superando inclusive o senador Marcelo Crivella (PRB), que tem o apoio da Igreja Universal. Por que?
É difícil responder a uma pergunta destas sem fazer uma observação: porque há absoluta transparência. Eu registrei que esse seria um compromisso da minha campanha. Acho que consegui arrecadar o suficiente para financiar o programa de TV. Agora, não posso explicar por que eu arrecadei mais do que os outros.
O Rio está perdendo terreno na cultura para São Paulo?
Tanto o Seu Jorge quanto o Lobão e outros cariocas que estão, de uma certa maneira, exilados daqui por falta de oportunidade, quero trazê-los de volta. Tanto que, na quinta-feira (passada), terei um jantar em São Paulo com os cariocas que vivem lá. Eles querem voltar para o Rio.
Pode explicar melhor?
Vai ser um jantar grande, importante. Acho que, na medida em que transformamos o Rio na capital do conhecimento, na capital da produção cultural e que resolvemos alguns problemas evidentes como a desordem urbana e a violência, vamos criar condição para que essas pessoas voltem.
Como se faz isso na prática?
Estimular o crescimento da cidade, encontrar sua vocação, seu lugar no mundo, como em Barcelona, Bilbao. Para isso, temos que atrair investimentos na área de informática e de produção do conhecimento. Hoje perdemos muitas empresas, não só para São Paulo como para cidades próximas, porque nosso ISS é de 5%, quando outras oferecem 2%. Viajo muito com cariocas para São Paulo que têm empresas lá por causa do imposto. Além disso, os estímulos podem ser dados na construção de pólos de desenvolvimento. O primeiro deles é a recuperação do porto e do Centro. Não só Gamboa, Santo Cristo, Saúde, mas o centro do Rio, que tem cinco mil prédios vazios, muitos casarões abandonados que podem ser restaurados. E para isso a prefeitura tem um poder de estímulo enorme. Se você perdoa o IPTU atrasado para quem queira construir e transformá-los em prédios multiuso para a família e lojas, você estará achando o caminho.
O senhor falou desse encontro em São Paulo e no início da sua campanha teve apoio de Aécio Neves e José Serra. Não teme que ela fique só fora do Rio?
Não. Eu fui apenas uma vez a Belo Horizonte e vou agora a São Paulo. O Rio não é uma ilha. O símbolo do Rio está de braços abertos. E nós queremos transformar a cidade em uma nova capital, a capital do conhecimento. Para isso, temos que ser absolutamente abertos.
O senhor disse que votaria com sua consciência independentemente de partido. Isso seria infidelidade partidária?
Um dos problemas da política brasileira é exatamente não se votar com consciência, mas a partir de interesses materiais.
O senhor acha que muitos fazem isso?
Sempre afirmei isso, basta examinar, quando se tem uma votação importante, a liberação de emendas parlamentares. Ou examinar por outro ângulo, como, por exemplo, quanto eu recebi das minhas emendas parlamentares esse ano. Nada, zero (risos).
O Lula, na oposição, declarou que havia 300 picaretas no Congresso. O senhor concorda?
É muito difícil determinar cientificamente o Lula (risos).
Há uma dependência muito grande de estados e municípios em relação ao governo federal, o que gera dependência política. Certos estados só conseguem ganhos em funções de boas relações com o governo federal. Como romper isso? E suas relações com o governo, com o presidente Lula, em particular?
Concordo, de um modo geral, que a identidade política ajuda. Os números mostram que as cidade próximas ao governo recebem mais que as distantes politicamente. O primeiro ponto é que não se escolhe o prefeito pela proximidade apenas com o governo federal ou estadual. Não se pode pensar com o critério de general é presidente; coronel é governador e major é prefeito. O segundo ponto é que, hoje em dia, quando se produz conhecimento político e avança, é um pouco parecido com o avanço da própria ciência. Hoje a ciência não tem mais uma pessoa que entenda, hoje todo o trabalho de invenção é feito em rede. E a solução do nosso problema depende de uma rede entre a prefeitura, Estado e governo federal. A cidade não precisa de um pau mandado dos governos federal ou estadual para se sentir segura nesse processo. A segurança dela tem que ser obtida estratégicamente, tem que ter uma liderança e um caminho. As minhas relações com o governo, hoje, são tranquilas. E não estou no parlamento. Estou na campanha e acho que posso dialogar com o Lula tranqüilamente, assim como com o Sérgio Cabral. São pessoas que estão na luta há anos. Eu tenho 50 anos de luta política. Já viajei muito com o Lula, o conheço, assim como conheço o Cabral também. O fato de não concordarmos sobre uma série problemas não significa que não poderemos fazer juntos aquilo que é mais ou menos consensual.
O que o senhor acha da proposta de um governo de esquerda?
Interessante. Me dediquei a ela durante alguns anos, fui até às eleições de 2002 que consolidaram a vitória e em 2003 eu sai, mas eu não tenho saudades porque na verdade não se deve esquecer, quando, no processo em 2002, já tinha mais de uma década da queda do Muro de Berlim, e eu estava lá. Eu assisti a esse processo histórico. Eu sabia que certos projetos estavam historicamente condenados. No entanto, eu me desarmei das propostas. Eu não posso ter muita saudade porque, na verdade, foi um pouco de construção psicológica minha de achar que a saída era por ali.
Na Câmara, o senhor fez críticas à atuação do deputado Severino Cavalcanti, o que acabou marcando sua atuação parlamentar. Qual sua análise sobre o fato?
Brigar com o Severino não foi um episódio extraordinário porque eu já havia brigado com ele há muito tempo. A diferença daquela briga é que tinha televisão. As outras vezes ele veio me pedir voto e eu falei: "Eu não voto em você". Em vários momentos fiz críticas a ele, mas um crítica feita com ardor feita na televisão, com passagem no Brasil inteiro dá uma outra dimensão.
O Sérgio Cabral, surpreendentemente defendeu, assim que assumiu, a legalização da maconha. E o senhor, surpreendentemente parou de defender a legalização da maconha. Por que? Para conseguir voto?
Não. Meu filho ficou até um pouco triste comigo porque eu disse a ele que, como governador, não cabia ao Cabral, naquele momento, defender a legalização da maconha. Cabia sim reestruturar a polícia. E hoje eu digo também. Eu fui convidado a debater esse tema pelo governo Fernando Henrique. Fui a mais de 100 debates com José Elias Murad (ex-deputado) que tinham como finalidade esclarecer essa questão para o governo tomar uma posição. E hoje, olhando para trás, eu vejo que esses debates não foram tão frutíferos porque a questão no Brasil hoje, sobretudo no Rio, não é legalizar ou não legalizar. A questão é reorganizar a polícia porque com a polícia que temos hoje, com as falhas que ela tem, a gente não consegue nem reprimir e nem legalizar. Nos lugares onde houve a legalização, na Holanda, na Inglaterra, a legalização partiu de um conselho da polícia por achar que, analisando a eficiência dela de um modo geral, era possível dispensar esse tipo de repressão. E os lugares onde há a decisão de reprimir, se fortalece a polícia, como nos EUA. Aqui você não tem condições de realizar nem uma política nem outra enquanto não se reestruturar a polícia. Por isso, no momento, estou propondo essa ponte: lutar para que tenhamos uma boa polícia.
Legalizar sem resolver o problema da polícia pode ser pior?
Acho que tende a ser pior porque não dá para controlar os efeitos colaterais. Primeiro os efeitos sobre a saúde pública que podem vir; segundo o fato de a própria polícia estar presente neste processo; terceiro, que é fundamental, liberar uma forma de trabalho que no momento está ilegal e não há para ela uma colocação. Para onde essa força de trabalho vai se deslocar? Ela pode se deslocar para outro tipo de crime. Sem preparação, não dá para fazer.
O senhor acha que o Rio está no caminho para a estruturação da polícia?
Eu acho que o Beltrame é uma pessoa interessante, respeitada, mas o caminho demanda muito mais coragem. A existência de duas políticas é muito problemática. Tem que partir para uma idéia de unificação. E tem que partir com uma idéia também de avanço na investigação, na tecnologia, na informação, na inteligência porque o que nós estamos realizando agora me lembra um pouco o que os jordanianos faziam no Haiti antes de o Brasil entrar. De vez em quando tem uns confrontos esporádicos, mas a coisa continua. Esse tipo de trabalho de repressão esporádica não conduz a nada, a menos que se tenha contra a pirataria. Se prende algumas coisas, é uma amostragem, mas não é um trabalho consistente. Acredito que é preciso reestruturar e modernizar, citando experiências de Nova Iorque e Bogotá. Em Bogotá isso foi possível, em Nova Iorque isso foi possível. Não quero dizer que seja única forma, mas também a prefeitura tinha uma responsabilidade sobre a polícia. A PM que temos hoje foi criada para defender governadores. Foi criado em momento específico da história do Brasil e se desenvolveu sem treinamento e sem a capacidade adequada. Por exemplo, para ver o momento em que nós vivemos. Na Colômbia, as Forças Armadas libertaram a Ingrid Betancourt e mais 14 na selva sem disparar um tiro. Aqui a polícia, para defender uma senhora e duas crianças, dispara mais de 20 tiros e mata a criança. No Rio, hoje, 93% dos homicídios não são resolvidos. É trágico.
Como a prefeitura pode se engajar na segurança pública. Qual o modelo que o senhor pensa em relação a isso?
Estrategicamente temos que trazer a política para a prefeitura. Mas isso é muito longo. Eu acho que a polícia deveria ser municipalmente orientada, organizada e dirigida, mas isso é um processo longo. O que eu posso fazer agora é reequipar e retreinar a Guarda Municipal. Tem homens ali que foram treinados e educados à semelhança da PM, o que não se significa que esteja preparada para uma polícia metropolitana moderna. Então temos que reequipar a Guarda Municipal, retreinar, dar à Guarda Municipal equipamentos de comunicação adequados para que cada guarda municipal não esteja monitorando a cidade isoladamente. É preciso ter uma rede, a cada momento ligado com a central, receber informações de outro setor. Temos que construir um serviço de inteligência da prefeitura, usando as possibilidades que se tem, as câmeras, informações de que há equipamentos públicos quebrados. Vamos produzir informação para a polícia. Mas temos que tomar cuidado para informação ir à polícia certa, porque se der para a polícia errada, ela vai pegar essa informação e não vamos ter resultado.
Como será a integração com a PM?
No policiamento. Tem crescido muito o número de furtos e assaltos no Rio, em decorrência da ausência de polícia na rua. Em Bogotá, por exemplo, hoje andam em três. Então podemos ter um esquema em que se coordene a presença da Guarda Municipal e da polícia. E que eles estejam em sintonia, porque não tem sentido uma rivalidade entre eles.
Pode-se policiar através de câmeras espalhadas pela cidade?
Não só pode como deve. Temos que ter mais câmeras. Não é um Big Brother, não vamos devassar a intimidade de ninguém. Não tem outro caminho.
O senhor apoiaria essa alternativa na década de 80, 70?
Não poderia concordar porque a cidade não tinha chegado ao nível de degradação que chegou. O que eu era e o que eu fui durante esse período foi sempre ser uma pessoa fazendo propostas para uma realidade que eu via. Hoje a realidade do Rio é essa. Nós vivemos uma situação crítica. Fiz um mapa da ocupação armada do Rio e aí vemos que a cidade está territorialmente ocupada por grupos armados que não são do governo. Os meus filhos perdem celular e bicicleta constantemente em uma calçada. A realidade mudou. Eu não posso vir aqui hoje com um discurso libertário dos anos 70 e uma realidade de um Rio degradado e em uma crise profunda. É claro que a parte libertária dos anos 70 que há em mim é mesma parte de quando o Bush fez o ato patriótico e protestou contra a invasão de privacidade em desrespeito aos interesses individuais. Agora é possível fazer um policiamento. E é possível unificar o policial sem desrespeitar os direitos essenciais e sem invadir a privacidade de ninguém. A alternativa não é o libertário dos anos 70 voltando hoje. Pelo contrário, a alternativa é uma política policial moderna, que dê respostas aos problemas que vivemos hoje. Não tem sentido, eu não posso vir com uma política romântica numa cidade que está, a todo momento, se dilacerando em tiros.
Por que esta degradação?
O Cesar Maia teve, ao iniciar, uma disposição de abordar esses problemas e conseguiu alguns resultados que, no segundo mandato, a partir do meio do primeiro para o segundo mandato, acabaram neutralizados. O processo de degradação tem um fundo econômico grande, mas precisa ser controlado. Para começar, a questão do comércio irregular. Reconhecemos que as pessoas que vendem produtos na rua precisam sobreviver, mas com o tempo essas pessoas passaram a ser clientes de empresas que compram em grande escala, que vendem esse material. Então criou-se um processo em que se distingue a pessoa que vende na rua das empresas que as alimentam.
E o que fazer com esta mão de obra que perderá seu sustento?
Tem que negociar também com as pessoas que trabalham nas ruas, procurar caminho para elas e esse caminho é organização, um pouco mais de disciplina. Lá no Méier, e em Madureira, já há uma certa negociação em curso, uma certa convivência elaborada. Mas existem outros aspectos como a privatização do espaço público, que tem que ser enfrentada também. Existe desrespeito também às normas de convivência elementares, inúmeras pessoas fazendo xixi na rua. Isso também não pode continuar. Também há falta de banheiro público. Uma vez colocados, é feita uma campanha pedagógica. Acho que vale à pena reprimir também.
O Rio vem perdendo espaço para São paulo em vários aspectos, entre eles o cultural. Qual o papel que a cidade pode ter nesta área específica?
O Rio tem um papel cultural importantíssimo. Aqui há empresas como a Vale, a Petrobras, a própria Rede Globo com a sua produção cultural. São empresas importantíssimas. Acho que o Rio ainda tem um papel importante. Mas para continuar tendo um papel cultural, tem que avançar muito. Perdemos grande parte dos intelectuais que trabalham na área para São Paulo e outras cidades. Criadores e agentes de publicidade também, e não há razões para não ser no Rio. As melhores agências de publicidade do Brasil e seus criadores buscam um conjunto de atmosfera mais estimulante para a criatividade. Os clientes podem ser atendidos pela internet. O caminho é fazer com que o Rio seja um tambor cultural.
E o papel do atual prefeito?
Eu tenho a impressão de que não houve por parte do prefeito essa vontade de continuar. Eu acho que há também dificuldades financeiras na prefeitura, e essas dificuldades são muito explicitadas pela prioridade que se deu à Cidade da Música. A prefeitura tem um orçamento de R$ 11 bilhões, uma capacidade de investimentos de R$ 500 milhões. Só a Cidade da Música custou R$ 470 milhões. Levou a Cidade da Música e se tivesse feito o Guggenheim, a gente ainda estaria pagando (risos).
É uma miopia do prefeito ou ele virou as costas para cidade?
Essa pergunta é feita insistentemente por todo mundo. O que houve com Cesar Maia? Eu acho que, no momento em que ele perdeu o pé, comecei a duvidar não só da importância que ele dá à cidade, mas também da que ele dá à sua própria carreira política. No caso da dengue, por exemplo: não há uma autoridade mundial nessas circunstâncias que não expresse solidariedade e compaixão, que não vá aos postos, que não visite as pessoas, pelo menos na minha geração de políticos. Ele faltou a isso e ainda disse, de uma forma bastante irônica, na Bahia, que estava rogando ao Senhor do Bonfim para levar todos s mosquitos para o mar. Me pareceu ali que estava, de uma certa maneira, abandonando a idéia de ser político no Rio porque isso que implica também em ser respeitado e admirado. Agora, o que pode ter provocado isso nele? Existe um fator que vejo em governantes, uma espécie de desgaste de material, quando ele já está no final do segundo mandato. Acho que ele, de uma certa maneira, perdeu isso.
O senhor acha que ele desistiu?
Não que tenha desistido. Ele perdeu o entusiasmo em ser um grande prefeito e apenas toca o barco.
Isso aconteceu quando?
O Cesar no segundo mandato cometeu um erro grande ao ser eleito prefeito e declarar imediatamente que seria candidato à presidência da República. Deu às pessoas a impressão que estava usando apenas o segundo mandato como um trampolim. Ele poderia ter se redimido. Mas as circunstâncias ficaram mais difíceis também.
O que o verde Gabeira vai fazer em quatro anos?
Toda administração vai ser voltada também para uma questão de sustentabilidade. A idéia que a gente tem é não pensar o Rio apenas nos próximos quatro anos, mas também nos próximos 20 anos. Todas as cidades, até Indaiatuba, que ganhou agora o prêmio de melhor cidade no Índice de Desenvolvimento Humanos feito pela Firjan, se planeja para 20 anos. Nova Iorque está se planejando para 20 anos. Então eu acho que a primeira grande preocupação é a visão de sustentabilidade para os próximos anos e dentro disso há problemas que precisam ser resolvidos imediatamente. Por exemplo, a Baía de Guanabara. Li uma reportagem mostrando as 80 toneladas de lixo que estão flutuando nela diariamente. E a Baía de Guanabara, se você não tiver um processo de recuperação, acho que vai embora. Isso a prefeitura não pode fazer sozinha, mas deve-se investir num consórcio das prefeituras da Baía de Guanabara. Pode estimular o transporte, a ligação de Cocotá a Botafogo para o turista chegar e visitar a cidade. Podemos pensar na tão demandada linha de São Gonçalo à Praça 15. Podemos pensar em várias possibilidades de novos roteiros turísticos na própria Baía de Guanabara. Fui agora a Paquetá justamente com a intenção de levantar isso. Paquetá é uma ilha com quatro favelas. Também são importantes as lagoas da Baixada de Jacarepaguá, que seriam recuperadas para o Pan-Americano e não foram. E elas são importantes também para desenvolvermos um projeto da beleza brasileira. Podemos limpá-las, recuperá-las e navegá-las. Podemos ir de Sepetiba navegando até ali.
E o emissário na Barra, resolverá o problema?
Acho que o emissário precisa ser feito, mas precisa de tratamento. Normalmente, o problema não é ter o emissário, o problema é não jogar o esgoto in natura. Em quase todas as grandes baías do mundo há um tratamento quaternário, ele trata quatro vezes antes de jogar. Além disso, do ponto de vista ambiental, existe um problema de segurança que é a questão do reflorestamento dos morros. O Banco Mundial tem uma disponibilidade para isso e a gente tem que reflorestar. E além de reflorestar, precisamos também tratar diretamente da questão do esgoto, saneamento básico. A prefeitura, de certa maneira, precisa estimular esse processo que é também o maior problema ambiental: a coleta do lixo. O Rio hoje é uma cidade muito suja. A Avenida Rio Branco é varrida 12 vezes por dia e a gente tem que fazer campanhas para reduzir o lixo. Simultaneamente, tem que ter um Plano Diretor que oriente onde coletar, trabalhar esse lixo coletado. Temos que produzir usinas de energia com o lixo.
O reflorestamento dos morros do Rio passa pela contenção das favelas?
Passa.
E a desfavelização?
A desfavelização é um dos projetos para 20 anos. Ela vai se dar a partir da criação de pólos de desenvolvimento na cidade para que as pessoas possam se deslocar, trabalhar, morar e consumir numa área próxima. Então a gente tem que procurar os pólos de desenvolvimento que fazem parte do Plano Diretor, da emenda e da análise que nós fazemos do Plano Diretor. Com esses pólos de desenvolvimento, você pode progressivamente ir deslocando pessoas para casas construídas especificamente para eles.
O senhor tem como meta transferir alguma favela?
Acho que o trabalho inicial vai ser a definição dos ecolimites e tentar através de um entendimento com a população e de um monitoramento por satélite tentar evitar que cresçam foram dos ecolimites.
Como evitar isso se os ecolimites não foram respeitados?
Alguns foram respeitados, como os da Chácara do Céu. Eu mesmo participei da negociação há 10 anos. A Chácara do Céu não cresceu. O acordo é uma parte, a segunda é o monitoramento e a terceira, a negociação.
Segurança e favela são problemas conflitantes?
Não, mas a questão da segurança é fundamental. Ela é válida para o posto médico, para a escola. O Rio hoje tem umas 200 comunidades ocupadas militarmente. É preciso desocupa-las progressivamente junto com o Estado e a União. A maneira de você trabalhar a população é prestar serviço.
Nesse sentido o PAC não é um avanço?
O PAC é um avanço, mas não é ainda o avanço. O PAC ainda não prestou todos os serviços que prometeu. Há situações que foram objetos do PAC, mas que foram resolvidas. Temos por exemplo a Tavares Bastos, no Catete. A comunidade é totalmente tranqüila a ponto de o albergue de um inglês que visitei lá ser considerado o lugar mais seguro do Rio, e dentro de uma favela. Mas o que foi feito: sete meses de trabalho preliminar convencendo a população de que era melhor se relacionar com a sociedade organizada, com a lei, com a constituição, do que com os grupos armados. Em cada lugar um trabalho político, depois um trabalho de ocupação, depois um trabalho de permanência e prestação de serviços. Eu fui a Bel Air, no Haiti. Entrei lá pela primeira vez num tanque e com a proteção das Forças Armadas. Da segunda vez que eu fui, um ano depois, foi possível entrar a pé. Os soldados jogavam bola com os moradores. Então é possível. Aqui mesmo, quando nós fomos ao Batan, onde torturaram os repórteres de O Dia, nós voltamos lá agora e, já com uma mini inserção, criaram um posto de policiamento comunitário ao lado da associação de moradores.
Os policiais que moram por perto, passaram a trabalhar lá. Essa solução, em grande escala, significaria diminuir o policiamento da Zona Sul, porque os policiais em geral moram nos lugares piores. O que o senhor acha dessa solução?
Acho que a população não é assistida, pois na verdade a polícia não está lá, nem aqui. A polícia está na burocracia dos quartéis. Só o prefeito tem 170 PMs à disposição dele, os deputados estaduais têm, cada, dois PMS. E há outros na burocracia. Então não tem polícia na rua. É muito difícil ver polícia nas ruas.
O que o senhor acha de deixar o policial trabalhando na comunidade onde ele mora?
Adotaria a idéia em circunstâncias diferentes. Não usaria isso como uma norma, mas caso a caso. Há comunidades em que se a gente colocar lá o policial, pode ser morto; há outras em que ele pode se transformar em milícia. Então teremos que examinar caso a caso.
O senhor devolveria os PMs que trabalham para a prefeitura?
Eu gostaria de devolver pelo menos 150 imediatamente. Agora, com a promessa de que fossem para a rua ou então que eles pudessem trabalhar com a Guarda Municipal na rua. Com 150 já teria condições de melhorar a situação na Zona Sul.
O senhor falou em reforma da polícia. Como isso se daria?
É muito difícil trabalhar com a polícia e reformula-la ao mesmo tempo. É preciso também um plano B. Senão, quando você começa a mudar e encontra as primeiras resistências, não vai avançar porque daqui a pouco vai estar sem o mínimo preciso para segurar o Estado. Daí a necessidade de uma reforma na polícia que tenha uma retaguarda, como a Força Nacional e o Exército. Para não levar bola nas costas.
O senhor vai armar a Guarda Municipal?
Em alguns casos sim. Eu acho que a principal arma é comunicação. A segunda arma seriam as não letais, que têm mais eficácia do que os tiros, em muitos casos. Mas, naqueles lugares extremamente perigosos, em que você vai guardar o patrimônio municipal, teria que armá-los. Há um estudo que fiz na Guarda Municipal de Curitiba e há casos de pessoas que usam armas, mas fazem exames psicotécnicos permanentes. Então seriar armar nos casos específicos de proteção, ou então teremos que terceirizar uma empresa de segurança. Ao se colocar uma arma na mão de uma pessoa, é razoável que cheque permanentemente como vai a cabeça dela.
Mas isto vai custar dinheiro. Quanto?
É possível se colocarmos a gestão em termos de um SOS nacional, internacional. Não temos dinheiro para reestruturar, mas podemos ter uma cooperação nacional na Polícia Federal, do próprio Exército. Então, através do processo de cooperação e de convencimento da própria iniciativa privada, de que vai ser importante para ela, temos condições de pensar esse trabalho. Se pensarmos em termos de orçamento, nas circunstâncias de hoje, é muito difícil. Mas em uma circunstância modificada com uma proposta vitoriosa de reorganização da cidade.
O senhor se disse contra a vinda de tropas para garantir a eleição. Por que?
Isso é o que dizem os jornais. O que eu disse foi o seguinte: sou favorável à vinda das Forças Nacionais e do Exército para proteger a cidade. Agora, eu acho que para proteger o candidato que sobe o morro é ineficaz, porque subir o morro com forças federais, ninguém vai te cumprimentar. E se cumprimentar, quando você voltar ela vai ficar sujeita às mesmas forças que dominam o morro. Eu sou favorável a qualquer elemento que aumente a proteção da cidade.
Como combater o narcotráfico nas favelas?
Uma forma é entrarmos lá e dizermos que a cidade existe. O prefeito, o candidato a prefeito está aqui para ver que nós somos ligados. Agora os candidatos não conseguem vencer os grupos armados, como os que encontrei na Vila Cruzeiro. Não temos condições de vencê-los. O processo de combate tem que ser um projeto, não pode ser apenas durante o período eleitoral. Tem que ser um projeto. Tem que definir: vamos libertar a cidade, já que ela está militarmente ocupada. Vamos começar por onde? Quantos vamos fazer por ano? Como vamos empregar as forças? Isso é um projeto de libertação da cidade. Com a cidade ocupada militarmente, não tem projeto de libertação. E as pessoas achando que está tudo bem.
A favelização da Zona Sul passa pela questão dos transportes?
Claro.
O senhor tem algum projeto para isso?
Houve um acordo dos donos de ônibus com os políticos. O que nós vamos fazer é reestruturar o sistema e encaminhar o mais rapidamente possível o bilhete único, que já é uma realidade em muitas cidades do Brasil. Com a estrutura que crie o bilhete único já resolvemos isso. As pessoas negam onde moram porque têm medo de o patrão não contratar, porque sabem que o preço é muito alto. Paquetá, por exemplo, paga-se R$ 4,50 na barca. Se o cidadão pegar algum ônibus, R$ 5 reais. Então vai dar R$ 290 só de transporte para trabalhar no Rio. Não dá. Nós viajamos com uma moça da Pavuna e ela disse que gastava R$ 9,40 por dia de condução. Isso é absolutamente irreal se comparado com São Paulo ou Curitiba.
O senhor pretende quebrar esta lógica da relação entre políticos e empresários?
Pretendo, com prazer. Não se faz um omelete sem quebrar os ovos. Não é com todo mundo cantando Cidade Maravilhosa que as coisas vão melhorar. A gente vai ter que encarar.
Onde mais o senhor pretende quebrar a lógica?
Na ordem pública. A experiência de Bogotá mostra. Existe um processo pedagógico importante. Se temos um governo de autoridade, um governo que transmita confiança às pessoas, temos delas um comportamento diferente. Mas há uma situação em que às vezes deve-se intervir e acho que é na ordem urbana. Não se pode bloquear a rua com um sinal luminoso aberto. Isso acontece muito no Rio. Em São Paulo, não.
O Eduardo Paes fala em criar uma secretaria da ordem pública. O senhor pensa nisso?
Temos muitas secretarias, às vezes com duas pessoas e um computador. Acho que é preciso criar um núcleo, estabelecer o trabalho. Se demandar uma secretaria, tudo bem, mas pode ser um núcleo. É muito mais informal, menos pesado que uma secretaria, que exige a nomeação de secretário, equipamento e corremos o risco de cair na burocracia e não resolver o que é preciso.
O que o senhor vai fazer com a Cidade da Música?
Nem sempre os pólos culturais se fazem pela sua vontade, às vezes se fazem até contra a vontade do governante, como a Lapa. Transformou-se num pólo cultural porque as pessoas queriam. A dificuldade da Cidade da Música é que, além de ter colocado R$ 470 milhões, vai se gastar R$ 1 milhão na manutenção. Imagina um parceiro, aquele cara que quer a concessão ou que se dispõe a comprar, sabendo que terá um gasto de R$ 1 milhão por mês. Ele vai ficar numa situação muito confortável (risos)... Vai deixar que eles fiquem numa situação muito difícil para depois fazer a oferta. Acho que tem que partir já para uma idéia de concessão, a mesma idéia que dei para o Aeroporto do Galeão (Aeroporto Internacional Tom Jobim, na Ilha do Governador). Tanto o aeroporto quando a Cidade da Música têm dinheiro enterrado ali. A Cidade da Música tem R$ 470 milhões e o aeroporto R$ 3 bilhões no Galeão 1 e no Galeão 2. Como poder público, não podemos perder esse dinheiro, mas pode-se ter um entendimento de que as empresas os explorem por um certo tempo e façam aquilo que precisa ser feito: reforma. Ainda acho difícil achar um interessado na Cidade da Música. Tem que achar um projeto que possa realmente buscar um interessado. Foi um caso de prioridade equivocada.
Ela pode ser um pólo cultural?
Teoricamente sim. Mas os pólos culturais têm muito de espontâneos. Tenho uma visão de pólo cultural em Guaratiba, com plantas ornamentais. É a cultura das plantas, que tem 49 produtores. Para desenvolver um pólo é preciso achar a vocação ou o movimento que está em curso. Confesso que, até agora, considero a Cidade da Música um elefante branco. Temos que achar uma solução.
As pesquisas indicam queda na intenção de votos do senhor. Seu programa eleitoral pode mudar este quadro?
É muito difícil atribuir alguma coisa ao Ibope. A única coisa que digo é que acredito em pesquisa e acredito que tudo muda. As nossas pesquisas, de outros institutos, não concordam com isso. Não existe nenhum candidato que perde metade da sua preferência em duas semanas sem que haja nenhum fato político, mas nós perdemos os nossos. E reconhecemos muito bem os acordos que se fazem em torno de pesquisas no Brasil.
O senhor quer dizer que existem pesquisas compradas?
Pesquisa comprada é um termo muito forte. Mas acho que valeria a pena, já que você são jornalistas, perguntar ao Ibope se eles atendem a algum candidato. Eu não sei, pode ser que eles falem (risos).
Para quem?
Ele faz para o PMDB. Acho que pode ter havido alguma generosidade na margem de erro. Não adianta atacar um instituto de pesquisa.
O senhor acha que vai ganhar?
Acho. Eu tenho um entusiasmo pela missão, mas tenho uma noção muito clara da gravidade dela. O nível de demanda é muito grande e de coisas elementares. Quando se sobe o morro, vê-se que muitas casas estão caindo e vão cair. Muitas querem água e não têm água; é uma demanda muito grande. Para você vencer as eleições tem que ter a noção clara de missão; a segunda é você ter uma tranqüilidade para não se culpar pelo fato de que tudo não está sendo resolvido ao mesmo tempo porque é um nível de demanda muito grande, a cidade precisa enormemente de alguém que a leve a sério, que a respeite.
Há a necessidade de correlação de forças no segundo turno?
Se não sobreviver, eu acho que é um princípio, é um acordo. Eu acho que a população majoritariamente vai negar o uso político da máquina porque ela já conhece que isso é semente da corrupção e da incompetência. Toda questão administrativa eu estou tentando fortalecer através do espírito pessoal e de me cercar de pessoas capazes. Eu estou me preparando para liderar técnicos, mas para isso eu não posso conhecer os problemas que estão em curso.
O senhor tem idéia de qual será seu adversário no segundo turno?
Não tenho idéia. O segundo turno para mim é uma incógnita.
Não tem idéia, nem preferência?
Preferência eu posso ter, mas idéias não. O que nós chamamos de eleição no Rio foi um processo mediado pelos jornais. A visão que cada tem do que o candidato fez na campanha é a visão que os jornais transmitiram. No meu caso eu tenho ainda a internet e uso a internet. A partir de agora, os eleitores também vão ter a visão também que os candidatos apresentam na televisão, então torna-se uma eleição mais ampla. Acho que agora fica um pouco mais claro o que cada um quer. Os jornais, pela minha observação, tiveram dificuldades de cobrir essa campanha do jeito que era necessário. Parte porque estamos em cima das Olimpíadas, era preciso também canalizar força para as Olimpíadas, e parte porque são muitos candidatos também. Como cobrir 12 candidatos num momento de Olimpíadas? É muito difícil. Os jornais fizeram todo o possível para que a pré-campanha fosse bem coberta, mas agora surge o momento para que se tenha uma idéia: quem é o seu candidato, o que ele está propondo, como saber qual é a prioridade clara da pessoa se ela não se assiste aos programas de televisão, os processos em curso? Acho que existe uma possibilidade de mudança muito grande e isso deve definir o segundo turno.
De 1986 a 2008 passaram-se 22 anos. Foi sua última tentativa de ir para o executivo. O que mudou de lá para cá?
A defesa da legalização da maconha é inoportuna, no momento. O sonho nunca acaba, mas muda de forma. Quando eu saí do PT disse que sonhei o sonho errado. Não devia ter sonhado. Eu acho o seguinte, de 86 para cá mudou muito a cidade, mudou muito o país. Em 86 havia uma esperança na classe média de transformações, que o processo democrático estava prometendo. A classe média estava mais esperançosa. E o processo democrático se consolidou, mas deixou muita decepção no caminho. Nós conseguimos uma política econômica internacionalmente respeitável, no governo Fernando Henrique. Conseguimos uma política social de grande vulto, com o governo Lula. Pode criticá-la pelo fato de não ter muitas portas de saída. As relações políticas se deterioraram de uma forma tal, que hoje as crenças são muito menores do que era naquela época. Houve um desencanto com os líderes políticos do país.
O PT tem uma certa culpa nisso?
Acho que sim, porque o PT significava esperança. A esperança de um ajuste político no país. O PT significava a esperança de uma outra política econômica. Felizmente eles erraram, porque essa é melhor. O PT significava a esperança de uma grande política social, que veio, embora não tenha cuidado tanto da porta de saída. Mas o PT significava também a mudança das relações políticas. Não aconteceu, pelo contrário. Por não ter acontecido, as pessoas acharam que não há mais esperança e que o processo político tende a deteriorar progressivamente.
O senhor concorda com isso?
Não. Não só não concordo, como eu estou lutando contra isso. Eu não acho possível uma reforma política no Congresso brasileiro, porque teremos que mobilizar pessoas com uma posição majoritária, contra seus próprios interesses. Então o caminho é tentar através da metrópole, através de uma experiência no executivo, tentar um caminho que é o relacionamento entre o executivo e o legislativo. E qual é esse caminho novo? É chamar o vereador, receber o parlamentar. Quero mostrar a eles que não precisam perder o voto deles. Quero uma proposta orçamentária que vai envolver as necessidades e vai abastecer os bairros de acordo com seus problemas. Se experimentarmos isso tudo, será possível em 2010 fazer a reforma política. Eu participei do processo de redemocratização. Acompanhei de perto e não sou candidato a prefeito para fazer nome e aparecer em jornal. Acho que eu estou vivendo algo muito importante. Se realizarmos este trabalho, se colocarmos a idéia de que a política pode ser reestabelecida num contexto em que já se tem uma política econômica e social estabelecida, colocamos a democracia brasileira num rumo de um país mais avançado. Essa é a minha esperança.
É pensar nacionalmente e agir regionalmente?
É mais ou menos isso. Porque esta é uma questão da América Latina. Nós tivemos experiências muito diversificadas no continente. Eu acho que no Brasil e no Chile, não temos mais chance de retorno a esse tipo de governo militar. Mesmo na Argentina eu acho muito difícil. Acho que o processo democrático do Brasil está consolidado, o que não significa que estou satisfeito com ele.
Sobre a questão de saúde. Tivemos uma grande epidemia de dengue. O senhor tem algum projeto?
A epidemia de dengue mostrou uma grande fragilidade no sistema de saúde do município e essa fragilidade mostrou que o sistema está de perna para o ar. O que quer dizer que não tem assistência onde as pessoas moram e os hospitais ficam abarrotados de pessoas, procurando ajuda. A ponto de perdermos mais gente do que perderíamos numa epidemia e que as pessoas sofrem mais que o suportável. Por que isso? Não tinha gente pra diagnosticar. As pessoas esperavam oito horas na porta para tomar um Tylenol.
É uma questão de gestão?
Primeiro é uma questão de decisão política, de avançar nos postos de saúde e ter uma cobertura maior no programa de saúde da família. Depois uma questão de gestão. É preciso informatizar os hospitais municipais e colocá-los em contato entre si, o que não existe hoje em dia, com um prefeito altamente informatizado como indivíduo, mas que é de uma administração muito pobre. Além disso é preciso ter uma visão de gestão que articule a região metropolitana. Grande parte dos problemas de saúde que temos são decorrentes da falta de aparelhamento de cidades próximas. Todo o equipamento médico social está concentrado no centro da Zona Sul. Na Zona Oeste temos muito pouco e em Duque de Caxias e Nova Iguaçu também, por isso as pessoas vem pra cá. Eu percorri três hospitais e fui às emergências. Não tinha uma pessoa em caso de emergência. Todas poderiam ser tratadas perto de suas casas.
Temos que articular com os prefeitos de outros municípios até porque temos muita população de rua em Ipanema, Copacabana que não são nem do Rio de Janeiro. Não adianta colocar a população de rua num abrigo para eles fugirem no dia seguinte. Essa política não deu certo. Da mesma forma com as crianças. Curitiba e São Paulo, já resolveram parcialmente esse problema de crianças na rua. Em São Paulo eu vi o processo que achei muito interessante, que era a colocação de educadores na rua. Os próprios educadores convivem com as crianças e através dessa convivência eles vão progressivamente tirando as crianças da rua, na medida do possível. No caso dos moradores de rua, leva-se e o morador toma um banho e começa um trabalho com ele, para ver que tipo de reinserção é possível na sociedade, porque apenas colocar em abrigos não tem dado certo. Quando se tratar de pessoas que vieram de outras cidades, temos como pedir para o prefeito da cidade uma solução conjunta.
A educação integral é um dos seus projeto?
A premissa do Brizola de quanto mais tempo a criança ficar na escola, mais ela aprende, não é correta. Nós pretendemos aumentar o tempo da criança na escola e pretendemos aumentar de uma forma mais equilibrada, não apenas com um Ciep com tempo integral e outros tantos não. Hoje uma análise que fazemos mostra que na escola pública estudam 175 dias por ano, na particular 200 dias por ano. Então o nosso objetivo é ter uma escola pública com o mesmo número de horas de uma escola particular. Para isso nós não podemos ameaçar o tempo de formação e avaliação dos professores, temos que tentar uma atração de estudantes de pedagogia que possam cumprir alguns períodos. Atividade na escola também é de educação física, atividades recreativas e culturais que não dependem exclusivamente do professor. Vamos utilizar o trabalho das explicadores, que eu tenho encontrado nas comunidades. Elas têm alguns livros, gostam de ensinar e ajudam os meninos com os deveres e explicam o que eles não aprenderam direito na escola. Elas serão uma espécie de professores de família.
As perguntas dos internautas
Com o senhor como prefeito, não correríamos o risco de perder um ótimo parlamentar e ganharmos um prefeito que teria dificuldades de conviver com o jogo pesado do “é dando que se recebe”? – José Carlos (RJ)
Isso já existe no parlamento. Acho que na condição de deputado do Rio de Janeiro, eu me sinto responsável para buscar uma solução para esse problema. E até o limite da minha capacidade de parlamentar, eu tenho buscado também o convívio com administradores e a busca de uma equipe com alta qualidade técnica, então acho que minha idéia é ir de bom parlamentar para ser um bom prefeito.
Como o senhor vai resolver o problema do aterro sanitário de Gramacho? – Miriam (Rio)
O problema do aterro de Gramacho precisa ser resolvido, mas buscando uma saída, precisamos saber onde colocar o lixo. Já temos em Nova Iguaçu uma pequena capacidade que pode atenuar essa concentração em Gramacho e isso também é um projeto que está em discussão. Não aprovamos da maneira como foi feito e acho que a sociedade vai discutir o que se faz, do ponto de vista de uma redução. Acho que a super utilização de Gramacho está chegando ao limite, o que dá uma margem de manobra de um ou dois anos para acharmos uma solução.
O senhor é a favor da tolerância zero para acabar com a violência? – Cláudio Vaz (Rio)
Eu acho que é necessário que todos os caminhos sejam tomados para reduzir a violência, mas não a partir da idéia de que bandido bom é bandido morto.
O senhor, por ter sido usuário de drogas, se sente um pouco culpado por essa violência do Rio? – Maurício Coelho (Rio)
Não me sinto culpado. Eu contribuo para que a violência seja diminuída. Eu não aceito essa afirmação de que eu fui usuário de drogas. Em determinado momento eu posso ter experimentado drogas em outros países, não aceitas aqui. Se dissesse que não experimentei estaria mentindo, mas no Brasil não.
O que o senhor poderia fazer para melhorar os terminais rodoviários da cidade? – Marcos Sena (Rio)
Nós não tínhamos nenhum plano específico para os terminais rodoviários. Evidentemente que se você recuperar o Centro e o porto do Rio, você terá que incluir os terminais. Os terminais têm que ser visto do ponto de vista da recuperação do Centro. Tem o problema da perimetral, porque o Rio é uma cidade costeira e a perimetral afastou a cidade do mar. Temos várias soluções. Uma mais complexa que é reconstruir tudo e tem uma solução mais barata que é de adaptar para atenuar esse impasse de separação do mar. Estou solicitando sugestões de uma associação internacional de cidades costeiras, para ver se tem projetos de ajuda específica de reencontrar o mar, porque não é inteligente separar o Rio do mar. Tem que mostrar que todas as possibilidades para o mar estão abertas.
Quais são os planos do senhor para o tratamento de esgoto? – Alexandre (Rio)
Estamos fazendo um plano diretor dos depósitos de resíduos sólidos. Precisamos ampliar a coleta, estimular a reciclagem e fazer das principais usinas, não usinas de lixo, mas usinas de produção de energia a partir do lixo.
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