Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Não há estatização na política que o governo estuda para a exploração do pré-sal, mas defesa do interesse nacional
O CAFÉ , o minério de ferro, o agronegócio e, amanhã, o petróleo são uma bênção para o Brasil, mas poderão se converter em maldição se não soubermos neutralizar a doença holandesa que trazem embutida.
Dada a perspectiva de o Brasil se transformar em grande exportador de petróleo depois da descoberta das reservas da camada pré-sal, o governo está pensando em mudar o sistema de sua exploração de concessão para partilha combinado com a criação de uma empresa 100% estatal.
Não obstante as críticas que já estão surgindo, está claro que, por esse caminho, o governo brasileiro poderá desenvolver uma política de neutralização da doença holandesa semelhante à da Noruega.
Mais amplamente, estará se municiando para neutralizar a tendência à sobreapreciação da taxa de câmbio que existe nos países em desenvolvimento. Se essa tendência, cujas duas causas principais são os altos juros internos e a doença holandesa, não for neutralizada, o país estará condenado ao atraso.
Para compreendê-la, observe-se o que ocorreu com a taxa de câmbio a partir da crise de balanço de pagamentos do final de 2002 (na qual desvalorizou-se): primeiro, pressionada pela doença holandesa, ultrapassou a linha correspondente a seu "equilíbrio industrial" -o nível que torna competitivas indústrias usando tecnologia no estado-da-arte; em seguida, pressionada pela doença e pelos juros altos, atingiu o nível do "equilíbrio corrente" -ou seja, do equilíbrio intertemporal da conta corrente; mais recentemente, continuou baixando ou se apreciando, agora exclusivamente pressionada pelos juros internos elevados, e o país entrou em déficit em conta corrente.
Embora a doença holandesa no Brasil não seja muito grave porque a diferença entre as duas taxas de equilíbrio acima referidas não é muito grande, ela vem causando gradual desindustrialização desde o início dos anos 1990, quando deixou de ser neutralizada. Com o petróleo, tornar-se-á gravíssima. Entretanto, como é compatível com o equilíbrio da conta corrente, o mercado não tem nenhuma possibilidade de neutralizá-la.
Cabe ao Estado esse papel, de um lado garantindo aos exploradores do recurso natural um lucro satisfatório, e, de outro, estabelecendo impostos, royalties, retenções ou participações que capturem o ganho extra -o ganho acima do lucro que se denomina "renda ricardiana"- e impeçam que o petróleo seja oferecido a uma taxa menor que a do equilíbrio industrial.
Esse segundo papel é exercido pelo deslocamento para cima da curva de oferta do bem com o preço mensurado em moeda local até o nível do equilíbrio industrial. Efetuado esse deslocamento, a produção do bem só se torna viável se a taxa de câmbio estiver nesse nível ou ainda mais depreciada -ou, em outras palavras, o produtor deixa de oferecer o bem a uma taxa de câmbio sobreapreciada.
Esse resultado poderá ser logrado por meio da substituição do sistema de concessão pelo contrato de partilha de produção -um sistema que, além de não desestimular o parceiro produtor, porque o risco no pré-sal é menor, permite uma retenção maior e mais bem calibrada das rendas do petróleo, que em vários países superam 90%. Para isso, precisará criar uma empresa 100% estatal -uma pequena empresa que ficará com as reservas e fará os contratos.
Não há estatização nessa política, mas defesa do interesse nacional.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Não há estatização na política que o governo estuda para a exploração do pré-sal, mas defesa do interesse nacional
O CAFÉ , o minério de ferro, o agronegócio e, amanhã, o petróleo são uma bênção para o Brasil, mas poderão se converter em maldição se não soubermos neutralizar a doença holandesa que trazem embutida.
Dada a perspectiva de o Brasil se transformar em grande exportador de petróleo depois da descoberta das reservas da camada pré-sal, o governo está pensando em mudar o sistema de sua exploração de concessão para partilha combinado com a criação de uma empresa 100% estatal.
Não obstante as críticas que já estão surgindo, está claro que, por esse caminho, o governo brasileiro poderá desenvolver uma política de neutralização da doença holandesa semelhante à da Noruega.
Mais amplamente, estará se municiando para neutralizar a tendência à sobreapreciação da taxa de câmbio que existe nos países em desenvolvimento. Se essa tendência, cujas duas causas principais são os altos juros internos e a doença holandesa, não for neutralizada, o país estará condenado ao atraso.
Para compreendê-la, observe-se o que ocorreu com a taxa de câmbio a partir da crise de balanço de pagamentos do final de 2002 (na qual desvalorizou-se): primeiro, pressionada pela doença holandesa, ultrapassou a linha correspondente a seu "equilíbrio industrial" -o nível que torna competitivas indústrias usando tecnologia no estado-da-arte; em seguida, pressionada pela doença e pelos juros altos, atingiu o nível do "equilíbrio corrente" -ou seja, do equilíbrio intertemporal da conta corrente; mais recentemente, continuou baixando ou se apreciando, agora exclusivamente pressionada pelos juros internos elevados, e o país entrou em déficit em conta corrente.
Embora a doença holandesa no Brasil não seja muito grave porque a diferença entre as duas taxas de equilíbrio acima referidas não é muito grande, ela vem causando gradual desindustrialização desde o início dos anos 1990, quando deixou de ser neutralizada. Com o petróleo, tornar-se-á gravíssima. Entretanto, como é compatível com o equilíbrio da conta corrente, o mercado não tem nenhuma possibilidade de neutralizá-la.
Cabe ao Estado esse papel, de um lado garantindo aos exploradores do recurso natural um lucro satisfatório, e, de outro, estabelecendo impostos, royalties, retenções ou participações que capturem o ganho extra -o ganho acima do lucro que se denomina "renda ricardiana"- e impeçam que o petróleo seja oferecido a uma taxa menor que a do equilíbrio industrial.
Esse segundo papel é exercido pelo deslocamento para cima da curva de oferta do bem com o preço mensurado em moeda local até o nível do equilíbrio industrial. Efetuado esse deslocamento, a produção do bem só se torna viável se a taxa de câmbio estiver nesse nível ou ainda mais depreciada -ou, em outras palavras, o produtor deixa de oferecer o bem a uma taxa de câmbio sobreapreciada.
Esse resultado poderá ser logrado por meio da substituição do sistema de concessão pelo contrato de partilha de produção -um sistema que, além de não desestimular o parceiro produtor, porque o risco no pré-sal é menor, permite uma retenção maior e mais bem calibrada das rendas do petróleo, que em vários países superam 90%. Para isso, precisará criar uma empresa 100% estatal -uma pequena empresa que ficará com as reservas e fará os contratos.
Não há estatização nessa política, mas defesa do interesse nacional.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
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