quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Crise pode estar no auge, diz economista

Vera Saavedra Durão, do Rio
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O economista e professor do Instituto de Economia (IE) da UFRJ Fernando Cardim, especializado na área financeira, teme que a crise financeira internacional esteja vivendo hoje seu momento mais perigoso. "O risco de quebra da seguradora AIG, a maior do mundo, abre uma frente nova na crise", observa.

Em sua análise, a quebradeira dos bancos de investimento representa perdas para investidores, mas a falência de seguradoras - instituições financeiras que mais negociam os "Credit Default Swaps" (CDS), derivativos que dão proteção ao sistema bancário inadimplência de tomadores - pode deixar os bancos sem proteção.

Ao perceberem que seu hedge não existe mais, os bancos americanos, incluindo os principais - podem contrair violentamente o crédito, até mesmo o crédito ao consumidor que move a economia dos Estados Unidos, abrindo caminho para uma recessão brutal e até mesmo depressão nos moldes da de 1929. "Mas, este é o pior cenário, tudo vai depender da intervenção do governo americano na AIG", diz Cardim.

Para ele, o importante é que as conversas entre a seguradora e o governo já começaram. Mas, como Bush tem baixa popularidade e está em fim de governo, o economista teme que ele não tenha legitimidade para dar a ajuda necessária para socorrer o sistema. "O que seria o pior dos mundos".

O Brasil, no cenário desenhado por Cardim do ponto de vista financeiro, está por enquanto assistindo ao derretimento dos mercados de arquibancada, pois os bancos brasileiros são pouco ou nada expostos a derivativos vendidos no exterior, como títulos "subprimes" e CDS. "A dívida pública, via títulos do Tesouro, paga muito mais que os "subprimes". Afinal, os juros brasileiros são os mais altos do mundo e acabam, nessa hora, servindo de blindagem para a crise".

Para Cardim, o risco de o país ser contaminado pela crise está na área comercial, no déficit em conta corrente. "Se houver recessão lá fora as exportações brasileiras vão encolher. O que dificulta financiar o déficit. E o governo pode ser obrigado a apelar para as reservas num momento de iliquidez dos mercados. É hora do BC definir uma política cambial", diz o pós-keynesiano.

A seguir, os principais trechos da entrevista de Cardim ao Valor.

Valor: O sr. espera uma piora da crise financeira global?

Fernando Cardim: O que estamos assistindo agora no mercado financeiro dos EUA é altamente preocupante. Em menos de duas semanas, após o governo Bush injetar US$ 200 bilhões nas duas casas hipotecárias, quebra o Lehman Brothers, quarto maior banco de investimento local, é vendido preventivamente em apenas dois dias o Merrill Lynch, banco de investimento independente. E, de ontem para hoje, a maior seguradora do mundo, a AIG está ameaçada. Isto abre uma frente nova na crise. As seguradoras são grandes fornecedoras de CDS para os bancos comerciais. [O CDS é um derivativo de crédito que serve como seguro. Quando os bancos fazem empréstimos e o tomador não paga ele recorre à seguradora para recuperar o valor do empréstimo]. Uma quebradeira nas seguradoras pode significar que a segurança do sistema bancário está sem proteção, os bancos estão nus.

Valor: E o que pode acontecer?

Cardim: Se os bancos comerciais perceberem que não têm para onde apelar, que estão sem a proteção que imaginavam, podem partir para uma contração de crédito violenta nos EUA, afetando o crédito ao consumidor (que move a economia americana) e podendo levar a uma recessão brutal até mesmo a uma depressão nos moldes da crise de 1929.

Valor: Na sua avaliação, os Estados Unidos ainda não estão em recessão?

Cardim: Há uma desaceleração visível mas, se houver um choque de crédito duro, em vez de desacelerar, a atividade econômica cairá mesmo na recessão e forçaria uma intervenção do governo em escala maior, que pode não funcionar por conta da paralisia política de um fim de governo e véspera de eleições. A paralisia e falta de legitimidade do governo podem impedir a implantação de medidas mais amplas de sustentação da economia. Este seria o pior dos mundos.

Valor: Mas o Tesouro americano já não está conversando com a AIG?

Cardim: Ainda bem que isto já está acontecendo. O Tesouro sabe dos riscos que o mercado financeiro está correndo se a AIG for pelo ralo. Por isso acho que este é de longe o momento mais perigoso da crise.

Valor: Os grandes bancos brasileiros não trabalham com derivativos externos?

Cardim: Nos títulos "subprime" os bancos brasileiros não têm nada. Eles não compram estes ativos, pois a dívida pública, no caso os títulos do Tesouro (LTNs), paga mais que os "subprimes". A atividade principal dos nossos bancos no exterior é administrar fundos "off-shore" [recursos de terceiros] no Caribe, por exemplo. Os derivativos vendidos pelos bancos americanos atraem muito os bancos europeus, que os adquirirem para aumentar suas receitas, mas no Brasil os bancos não fazem este tipo de negócio porque os juros são tão altos que não precisam buscar investimentos lá fora. Por incrível que pareça, a combinação perversa de real valorizado e juro alto está protegendo o sistema bancário local da turbulência externa.

Valor: De onde pode vir algu- ma contaminação da turbulência global?

Cardim: O risco a que estamos mais sujeitos é o risco comercial. Uma contração mais grave da economia dos Estados Unidos pode levar nossas exportações a perder demanda (física). Já estamos com um déficit em conta corrente de US$ 17 bilhões no primeiro semestre. Ele está crescendo rapidamente. Quanto mais a economia crescer, mais este déficit vai crescer por conta das importações. O Brasil combate o déficit se endividando. Com contração de crédito externo fica difícil captar, vamos ter que apelar às reservas para reduzir o déficit, o que reduz nossa proteção. É hora de o BC definir uma política cambial como parte do nossa arsenal de defesa contra a crise. Se não temos esta política, o câmbio fica exposto às turbulências e pânico dos mercados. O risco do Brasil é por aí. Do lado financeiro em si a exposição dos bancos brasileiros é pequena e o peso dos bancos estrangeiros no país é muito reduzido. O mercado de capitais ainda é pouco expressivo e muito atrelado às bolsas externas, por isso sofre tanto. Mas não chega a ser dramático, as perdas das empresas podem ser compensadas pelo BNDES. Na hora em que tudo treme, como ocorre hoje nos EUA, o Estado é quem salva.

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