José Eli da Veiga
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Não é muito arriscado prever que no segundo turno da eleição presidencial de 2010 a candidatura ungida por Lula será enfrentada por aquela que for articulada pela aliança tucano-demo. Tal cenário poderia ser enfraquecido por uma eventual resposta positiva do TSE à consulta do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) sobre a possibilidade de que deputados federais fundadores de nova legenda carregassem consigo porções de horário gratuito de rádio e TV, assim como de parte dos fundos partidários. Todavia, como é muito improvável que isso ocorra, o que se impõe neste momento é uma reflexão sobre as circunstâncias em que se desenrolaria esse novo episódio da inevitável polarização PT-PSDB.
A campanha da candidatura situacionista certamente se concentrará na glorificação do PAC e da rede de proteção social em que se destaca o programa Bolsa Família, combinada com aguerrido ataque a uma aliança cuja inclinação privatizadora seria ameaça a tais façanhas. Impedida de rejeitar a parte mais substantiva do argumento, a oposição terá que fazer de tudo para convencer os eleitores de que mesmo essa simples plataforma teria gerado muito mais resultados se as organizações estatais tivessem sido administradas com mais compostura, longe da sanha das oligarquias sindicais e do clientelismo. E como os dois mais prováveis candidatos abominam juros altos, terão que se segurar para não fazer dueto contra uma das mais sagazes decisões anti-petistas de Lula: conceder razoável independência ao Banco Central.
Essa imensa proximidade programática das candidaturas que provavelmente disputarão o segundo turno de modo algum significa que os partidos que liderarão os dois lados sejam farinhas no mesmo saco. Ao contrário, só se aprofunda o contraste social entre PT e PSDB como principais representantes do povão e das camadas médias. Ambos tangidos a tecer alianças com agremiações e caciques vinculados às mais altas esferas. Todavia, em 2010, como hoje, não haverá diferenças substanciais entre os projetos que poderão ser apresentados por cada uma dessas duas farinhas. Procurarão adotar as retóricas mais amigáveis a suas respectivas bases sociais, mas para dizer essencialmente a mesma coisa: que são os campeões do quarteto desenvolvimentista: rápido crescimento, redução do desemprego, menos pobreza e menor concentração de renda.
Ficará inteiramente de fora desse debate o que é mais importante para aquele longo prazo que costuma ser chamado de estratégico: a qualidade do crescimento. Os dois lados já deixaram bem claro que para eles só interessa que o PIB aumente, sejam quais forem as razões. E talvez não possa ser exibida prova mais eloqüente do que esse Plano Decenal que acaba de ser proposto pelo Ministério de Minas e Energia. Que jamais teria sido divulgado sem o acordo da gerência do PAC, e que também não sofreu a mais leve crítica da oposição tucano-demo. Simplesmente porque a construção até 2017 de 68 termelétricas movidas a combustíveis fósseis certamente contribuiria para turbinar o PIB, com efeitos positivos sobre emprego e pobreza, e sem grande risco de mais concentração de renda.
Todavia, esse é um plano que está na mais flagrante contramão da história, pois só acrescentará dificuldades à necessária transição para uma economia de baixo carbono. Para fazer com que neste século o Brasil se torne um dos principais protagonistas semi-periféricos do desenvolvimento sustentável, seria necessário um planejamento energético que fosse exatamente o inverso desse Plano Decenal. Mais do que isso, seria necessário um programa de governo que em vez de acelerar o crescimento a qualquer preço - razão de ser do PAC - desencadeasse um processo no qual o estilo desse crescimento passasse a ser virado do avesso.
As duas candidaturas com potencial de segundo turno nem de longe podem admitir o que mais interessa: que a capacidade de conservação ecossistêmica em breve se mostrará muito mais decisiva para o bem-estar da sociedade do que meteóricos aumentos de um resultado contábil tão enganador quanto o PIB. E ambas rejeitam a perspectiva de um crescimento mais lento que possa encontrar nessa capacidade de conservação as mais decisivas alavancas do desenvolvimento: ampliação do acesso à saúde, ao conhecimento científico-tecnológico e a empregos decentes.
No fundo, o que mais há de comum entre as candidaturas que disputarão o segundo turno são três fortíssimos pressupostos compartilhados pela maior parte dos economistas e, por decorrência, por praticamente todos os políticos. O primeiro é tomar o PIB como a melhor medida de desempenho econômico. O segundo é supor que seja linear a relação entre aumentos do PIB per capita e o desenvolvimento, mesmo que um indicador tão grosseiro quanto o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) já evidencie as disparidades que podem ocorrer entre nações, e em períodos diversos em um mesmo país. E o terceiro é acreditar que o crescimento seja sempre econômico, como se não existissem custos de oportunidade que, ignorados ou desprezados, o tornam anti-econômico.
Nem sequer dúvidas sobre esses três dogmas afetarão as potenciais candidaturas para o segundo turno de 2010. Impossível, portanto, que assumam o desafio de ruptura mediante programa concentrado em estratégias simultâneas de descarbonização e de conservação ecossistêmica necessárias para tornar sustentável o desenvolvimento. Ao contrário, os dois lados enfatizarão a necessidade primordial de reduzir juros para que se acelerem os aumentos do PIB, e para que parcela crescente da arrecadação possa ser usada na expansão da rede de proteção social.
Em suma, tudo indica que - malgrado as excelentes qualidades individuais dos favoritos - no segundo turno de 2010 ocorrerá uma daquelas esquisitas encrencas históricas em que a escolha do eleitorado se fará entre a peste e o cólera, para usar a feliz tirada do saudoso padeiro francês Jacques Duclos (1896-1975), um dos mais admiráveis heróis da resistência antinazista.
José Eli da Veiga é professor titular do departamento de economia da FEA-USP e co-autor do livro para jovens "Desenvolvimento sustentável: que bicho é esse?" (Autores Associados, 2008)
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Não é muito arriscado prever que no segundo turno da eleição presidencial de 2010 a candidatura ungida por Lula será enfrentada por aquela que for articulada pela aliança tucano-demo. Tal cenário poderia ser enfraquecido por uma eventual resposta positiva do TSE à consulta do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) sobre a possibilidade de que deputados federais fundadores de nova legenda carregassem consigo porções de horário gratuito de rádio e TV, assim como de parte dos fundos partidários. Todavia, como é muito improvável que isso ocorra, o que se impõe neste momento é uma reflexão sobre as circunstâncias em que se desenrolaria esse novo episódio da inevitável polarização PT-PSDB.
A campanha da candidatura situacionista certamente se concentrará na glorificação do PAC e da rede de proteção social em que se destaca o programa Bolsa Família, combinada com aguerrido ataque a uma aliança cuja inclinação privatizadora seria ameaça a tais façanhas. Impedida de rejeitar a parte mais substantiva do argumento, a oposição terá que fazer de tudo para convencer os eleitores de que mesmo essa simples plataforma teria gerado muito mais resultados se as organizações estatais tivessem sido administradas com mais compostura, longe da sanha das oligarquias sindicais e do clientelismo. E como os dois mais prováveis candidatos abominam juros altos, terão que se segurar para não fazer dueto contra uma das mais sagazes decisões anti-petistas de Lula: conceder razoável independência ao Banco Central.
Essa imensa proximidade programática das candidaturas que provavelmente disputarão o segundo turno de modo algum significa que os partidos que liderarão os dois lados sejam farinhas no mesmo saco. Ao contrário, só se aprofunda o contraste social entre PT e PSDB como principais representantes do povão e das camadas médias. Ambos tangidos a tecer alianças com agremiações e caciques vinculados às mais altas esferas. Todavia, em 2010, como hoje, não haverá diferenças substanciais entre os projetos que poderão ser apresentados por cada uma dessas duas farinhas. Procurarão adotar as retóricas mais amigáveis a suas respectivas bases sociais, mas para dizer essencialmente a mesma coisa: que são os campeões do quarteto desenvolvimentista: rápido crescimento, redução do desemprego, menos pobreza e menor concentração de renda.
Ficará inteiramente de fora desse debate o que é mais importante para aquele longo prazo que costuma ser chamado de estratégico: a qualidade do crescimento. Os dois lados já deixaram bem claro que para eles só interessa que o PIB aumente, sejam quais forem as razões. E talvez não possa ser exibida prova mais eloqüente do que esse Plano Decenal que acaba de ser proposto pelo Ministério de Minas e Energia. Que jamais teria sido divulgado sem o acordo da gerência do PAC, e que também não sofreu a mais leve crítica da oposição tucano-demo. Simplesmente porque a construção até 2017 de 68 termelétricas movidas a combustíveis fósseis certamente contribuiria para turbinar o PIB, com efeitos positivos sobre emprego e pobreza, e sem grande risco de mais concentração de renda.
Todavia, esse é um plano que está na mais flagrante contramão da história, pois só acrescentará dificuldades à necessária transição para uma economia de baixo carbono. Para fazer com que neste século o Brasil se torne um dos principais protagonistas semi-periféricos do desenvolvimento sustentável, seria necessário um planejamento energético que fosse exatamente o inverso desse Plano Decenal. Mais do que isso, seria necessário um programa de governo que em vez de acelerar o crescimento a qualquer preço - razão de ser do PAC - desencadeasse um processo no qual o estilo desse crescimento passasse a ser virado do avesso.
As duas candidaturas com potencial de segundo turno nem de longe podem admitir o que mais interessa: que a capacidade de conservação ecossistêmica em breve se mostrará muito mais decisiva para o bem-estar da sociedade do que meteóricos aumentos de um resultado contábil tão enganador quanto o PIB. E ambas rejeitam a perspectiva de um crescimento mais lento que possa encontrar nessa capacidade de conservação as mais decisivas alavancas do desenvolvimento: ampliação do acesso à saúde, ao conhecimento científico-tecnológico e a empregos decentes.
No fundo, o que mais há de comum entre as candidaturas que disputarão o segundo turno são três fortíssimos pressupostos compartilhados pela maior parte dos economistas e, por decorrência, por praticamente todos os políticos. O primeiro é tomar o PIB como a melhor medida de desempenho econômico. O segundo é supor que seja linear a relação entre aumentos do PIB per capita e o desenvolvimento, mesmo que um indicador tão grosseiro quanto o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) já evidencie as disparidades que podem ocorrer entre nações, e em períodos diversos em um mesmo país. E o terceiro é acreditar que o crescimento seja sempre econômico, como se não existissem custos de oportunidade que, ignorados ou desprezados, o tornam anti-econômico.
Nem sequer dúvidas sobre esses três dogmas afetarão as potenciais candidaturas para o segundo turno de 2010. Impossível, portanto, que assumam o desafio de ruptura mediante programa concentrado em estratégias simultâneas de descarbonização e de conservação ecossistêmica necessárias para tornar sustentável o desenvolvimento. Ao contrário, os dois lados enfatizarão a necessidade primordial de reduzir juros para que se acelerem os aumentos do PIB, e para que parcela crescente da arrecadação possa ser usada na expansão da rede de proteção social.
Em suma, tudo indica que - malgrado as excelentes qualidades individuais dos favoritos - no segundo turno de 2010 ocorrerá uma daquelas esquisitas encrencas históricas em que a escolha do eleitorado se fará entre a peste e o cólera, para usar a feliz tirada do saudoso padeiro francês Jacques Duclos (1896-1975), um dos mais admiráveis heróis da resistência antinazista.
José Eli da Veiga é professor titular do departamento de economia da FEA-USP e co-autor do livro para jovens "Desenvolvimento sustentável: que bicho é esse?" (Autores Associados, 2008)
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