terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Antes, durante e depois

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O ex-governador do Acre Jorge Viana dizia na antevéspera da eleição que o grande benefício de uma eventual vitória do irmão, Tião Viana, para a presidência do Senado seria evitar que o PMDB se consolidasse na posição do partido que manda "antes, durante e depois", seja qual for o governo.

O vaticínio cumpre-se agora, ao inverso, com as eleições de José Sarney no Senado e Michel Temer na Câmara. Dominante no Legislativo, onde ocupa as duas presidências e detém as maiores bancadas em ambas as Casas; forte no Executivo, com cinco ministérios, presidências e diretorias de estatais importantes; predominante na quantidade de prefeitos e vereadores, o PMDB é o partido mais influente do cenário político nacional.

Desbancou o PT do primeiro lugar na coalizão que sustenta o governo Luiz Inácio da Silva, dará as cartas no processo da sucessão presidencial e se articula para preservar seu poder de fogo na futura administração federal, independente da bandeira partidária sob a qual se elegerá o próximo chefe da Nação.

Benefício ao País, tal situação não renderá nenhum, mas ao PMDB poupará desta vez o trabalho daquele faz-de-conta da candidatura própria, mediante o qual há quatro eleições presidenciais o partido engorda seu cacife para negociar a parceria do poder com o eleito.

Descontados a mesmice, a paralisia e o arquivamento de quaisquer esperanças de reformas - sobretudo a política, pois o PMDB é o que é graças às regras vigentes -, ou modernização nas relações Congresso-Poder Executivo, o PMDB marcou mais um gol no quesito causa própria.

O partido avança na ampliação da influência. De uma legenda de perfil regional, a notória "federação de interesses locais", o PMDB se transforma numa poderosa organização partidária de caráter federal.

Estará à frente do Congresso no processo sucessório e, sabendo jogar - atributo provado e comprovado -, continuará no mínimo pelos primeiros dois anos do próximo governo.

Não apenas porque a norma permite a reeleição dos dois eleitos agora, mas principalmente porque dispõe do melhor instrumento para ampliar suas bases regionais elegendo governadores, deputados (federais e estaduais) e senadores. Em 2010 estará em jogo a renovação de dois terços do Senado.

Isso quer dizer que, se não fizer grandes bobagens ou se o imponderável não lhe pregar nenhuma peça, o PMDB terá conquistado ontem o direito de posse sobre a faca e o queijo aqui e alhures.

José Sarney e Michel Temer vão administrar um orçamento de mais de R$ 6 bilhões e comandar uma estrutura com 20 mil funcionários, gráficas, centros de informática, informativos diários, duas emissoras de rádio e televisão.

O presidente do Senado é o presidente do Poder Legislativo e o da Câmara é o segundo na linha de sucessão presidencial, em seguida ao vice-presidente da República. Juntos, têm o poder de definir a agenda do Parlamento, o que, traduzido para o "fisiologuês" significa poder para facilitar ou dificultar a vida do governo.

Deles dependem, por exemplo, a tramitação das medidas provisórias, a votação dos vetos presidenciais, a aprovação de créditos extraordinários pedidos pelo Executivo, as indicações para a composição das agências reguladoras, a criação de comissões parlamentares de inquéritos, a abertura de processos contra parlamentares e até contra o presidente da República, em caso de pedidos de impeachment.

Mas, indagarão os mais atentos, o Congresso não é submisso aos ditames do Executivo? É, mas só quando quer. Quando interessa, exerce a soberania sob a forma de pressão e aí reside a importância do leme que o PMDB pegou para conduzir.

Adeus à majestade

Aos 78 anos de idade, 55 de vida pública, José Sarney coroa carreira com vitória suada e herança de risco no Senado. Empenhou a palavra em compromissos grandiosos e assume sem a aura de estadista conforme comprovou seu discurso de candidato na busca de voto a voto.

Ganhou, mas expôs o quanto minguou: em 1995 venceu por 61 a 7; em 2003 foi ungido por 76 votos. Agora conseguiu um 49 a 32 recorrendo ao poder de influência junto ao presidente para conter a sangria sob o discreto patrocínio do Palácio do Planalto.

Simulacros

O presidente Lula em reunião de ministério, os governadores de Minas Gerais e de São Paulo em férias; os três providencialmente distantes no dia da eleição para as presidências do Congresso, a fim de transparecer imparcialidade.

Tal desinteresse seria ruim se fosse verdadeiro. Mas é péssimo porque falso. Essa dissimulação contribui para o entendimento de que o Congresso é irrelevante aos governantes e, portanto, aos governados também.

O ideal seria a participação natural sem disfarces nem interferências indevidas que os obriga a disfarçar.

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