Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO
O governo americano tenta um ataque duplo à crise, mas o gatilho ainda está mascando. De um lado, o anúncio do plano de reestruturação do mercado financeiro preparado pelo secretário do Tesouro foi adiado para hoje. Barack Obama subiu o tom ontem e atacou o "atraso sem fim e paralisia" do Congresso em aprovar o pacote. Essas três primeiras semanas foram decepcionantes.
O tom do presidente Barack Obama ontem, criticando o Congresso americano em Indiana, estado que está com 15% de desemprego, mostra que ele enterrou os sonhos de fazer um histórico governo bipartidário. Até a simples carona no Air Force One oferecida por Obama ao senador moderado de Indiana Dick Lugar foi rejeitada. Não, os republicanos não querem nada que pareça com governo bipartidário. Eles estão aproveitando os deslizes fiscais dos primeiros indicados ao governo e forçando o atraso do plano econômico para começar a reorganizar suas forças devastadas na última eleição.
Ainda que esteja demorando, o movimento do governo Obama contra a crise econômica é a única saída possível. Mas é mais complexa do que se imagina. A engenharia financeira de limpeza dos ativos tóxicos dos bancos vai ser demorada, complexa e cara. E não está contabilizada no pacote que está sendo aprovado no Senado. Resta ao governo Obama dizer que todo esse custo é a limpeza do lixo deixado pelos oito anos do governo republicano.
O Tesouro americano vai ter que injetar mais dinheiro dos contribuintes nos bancos, porque a segunda parcela do primeiro plano do governo George Bush, aqueles US$350 bilhões que ficariam para este fim, foi em grande parte já comprometida. O plano Obama, que está sendo aprovado no Senado, é para outros fins: redução de impostos, ajuda a mutuários, obras públicas, isenção tributária para indústrias que se quer incentivar, como a produção de energia eólica e solar.
A economia americana enfrenta dois problemas agudos. O primeiro é resgatar os bancos dos seus papéis podres; o segundo é resgatar a economia, que se afunda numa espiral recessiva. A primeira tarefa parece ser uma história sem fim: o governo já salvou banco a banco ou com a estatização, ou com capitalização, ou com garantia de depósitos e, ainda assim, os bancos continuam financeiramente instáveis, com os especialistas falando ainda em insolvência e crise sistêmica.
A ideia original do ex-secretário do Tesouro Henry Paulson, de "comprar" os ativos podres, que não foi implementada porque ninguém sabia responder às perguntas básicas - o que, como, quanto, de quem e por quanto comprar -, continua rondando os formuladores dos planos de salvamento. Os bancos querem se livrar dos micos que eles mesmos produziram com seus erros passados, e a chantagem que pesa sobre os contribuintes é a mesma de sempre nestes casos: se a indústria bancária ruir, desmonta-se toda a economia. O contribuinte está às vésperas de ser informado de que terá que gastar mais dinheiro nos bancos, que os micos virão para o setor público, e que terá que engordar o fundo garantidor de crédito, o FDIC.
Depois de fazer este resgate, se ele der certo, o governo americano terá que liderar uma ampla faxina na regulação bancária. Ontem, o economista Nouriel Roubini disse, em entrevista ao "Financial Times", que o modelo anglo-saxão de autorregulação do mercado financeiro falhou. Que o conjunto de normas prudenciais, conhecido como Basiléia II, fracassou antes de ser completamente implementado. Esta faxina ampla, geral e irrestrita será um trabalho de anos.
Enquanto isso, será preciso reerguer a economia em que definham produção, consumo e emprego. É para isso que será usado o dinheiro do Pacote Obama. Mas ele vem para nós com o amargo sabor do protecionismo, se não for eliminada a cláusula que determina que as obras públicas para estímulo econômico consumam apenas matérias-primas e componentes produzidos internamente.
O protecionismo é sempre o primeiro instinto numa crise e sempre o maior risco em qualquer crise. O mundo, agora, balança entre o instinto e a razão. Há sinais de que a razão leva a pior em alguns fatos: pressões de trabalhadores, em vários países, para que se pense primeiro nos empregos locais; pressão das indústrias nacionais para barrar as concorrências estrangeiras; fortalecimento do lobby nacionalista. Se essas pressões vencem o comércio internacional, que é um grande estimulador econômico, será a primeira vítima. O consumidor local acaba pagando o custo do fechamento dos mercados através de preços mais altos. Mas é difícil, num momento de perigo, dizer aos governantes e aos trabalhadores que o instinto de reservar os empregos só para os trabalhadores nacionais está errado.
No Brasil, foi o que se viu dias atrás: diante do primeiro vermelho da balança comercial, num surto, a área econômica decidiu levantar barreiras não tarifárias contra 60% das importações. O Brasil protesta na Organização Mundial do Comércio contra a cláusula de preferenciais nacionais nas compras governamentais do pacote americano, só que o Brasil nunca aceitou assinar o acordo que estabelece as regras para essas compras. Só nos resta torcer para que a Europa e o Japão, signatários do tratado de compras governamentais, derrotem todas as pressões protecionistas que vão continuar surgindo na economia americana neste momento.
DEU EM O GLOBO
O governo americano tenta um ataque duplo à crise, mas o gatilho ainda está mascando. De um lado, o anúncio do plano de reestruturação do mercado financeiro preparado pelo secretário do Tesouro foi adiado para hoje. Barack Obama subiu o tom ontem e atacou o "atraso sem fim e paralisia" do Congresso em aprovar o pacote. Essas três primeiras semanas foram decepcionantes.
O tom do presidente Barack Obama ontem, criticando o Congresso americano em Indiana, estado que está com 15% de desemprego, mostra que ele enterrou os sonhos de fazer um histórico governo bipartidário. Até a simples carona no Air Force One oferecida por Obama ao senador moderado de Indiana Dick Lugar foi rejeitada. Não, os republicanos não querem nada que pareça com governo bipartidário. Eles estão aproveitando os deslizes fiscais dos primeiros indicados ao governo e forçando o atraso do plano econômico para começar a reorganizar suas forças devastadas na última eleição.
Ainda que esteja demorando, o movimento do governo Obama contra a crise econômica é a única saída possível. Mas é mais complexa do que se imagina. A engenharia financeira de limpeza dos ativos tóxicos dos bancos vai ser demorada, complexa e cara. E não está contabilizada no pacote que está sendo aprovado no Senado. Resta ao governo Obama dizer que todo esse custo é a limpeza do lixo deixado pelos oito anos do governo republicano.
O Tesouro americano vai ter que injetar mais dinheiro dos contribuintes nos bancos, porque a segunda parcela do primeiro plano do governo George Bush, aqueles US$350 bilhões que ficariam para este fim, foi em grande parte já comprometida. O plano Obama, que está sendo aprovado no Senado, é para outros fins: redução de impostos, ajuda a mutuários, obras públicas, isenção tributária para indústrias que se quer incentivar, como a produção de energia eólica e solar.
A economia americana enfrenta dois problemas agudos. O primeiro é resgatar os bancos dos seus papéis podres; o segundo é resgatar a economia, que se afunda numa espiral recessiva. A primeira tarefa parece ser uma história sem fim: o governo já salvou banco a banco ou com a estatização, ou com capitalização, ou com garantia de depósitos e, ainda assim, os bancos continuam financeiramente instáveis, com os especialistas falando ainda em insolvência e crise sistêmica.
A ideia original do ex-secretário do Tesouro Henry Paulson, de "comprar" os ativos podres, que não foi implementada porque ninguém sabia responder às perguntas básicas - o que, como, quanto, de quem e por quanto comprar -, continua rondando os formuladores dos planos de salvamento. Os bancos querem se livrar dos micos que eles mesmos produziram com seus erros passados, e a chantagem que pesa sobre os contribuintes é a mesma de sempre nestes casos: se a indústria bancária ruir, desmonta-se toda a economia. O contribuinte está às vésperas de ser informado de que terá que gastar mais dinheiro nos bancos, que os micos virão para o setor público, e que terá que engordar o fundo garantidor de crédito, o FDIC.
Depois de fazer este resgate, se ele der certo, o governo americano terá que liderar uma ampla faxina na regulação bancária. Ontem, o economista Nouriel Roubini disse, em entrevista ao "Financial Times", que o modelo anglo-saxão de autorregulação do mercado financeiro falhou. Que o conjunto de normas prudenciais, conhecido como Basiléia II, fracassou antes de ser completamente implementado. Esta faxina ampla, geral e irrestrita será um trabalho de anos.
Enquanto isso, será preciso reerguer a economia em que definham produção, consumo e emprego. É para isso que será usado o dinheiro do Pacote Obama. Mas ele vem para nós com o amargo sabor do protecionismo, se não for eliminada a cláusula que determina que as obras públicas para estímulo econômico consumam apenas matérias-primas e componentes produzidos internamente.
O protecionismo é sempre o primeiro instinto numa crise e sempre o maior risco em qualquer crise. O mundo, agora, balança entre o instinto e a razão. Há sinais de que a razão leva a pior em alguns fatos: pressões de trabalhadores, em vários países, para que se pense primeiro nos empregos locais; pressão das indústrias nacionais para barrar as concorrências estrangeiras; fortalecimento do lobby nacionalista. Se essas pressões vencem o comércio internacional, que é um grande estimulador econômico, será a primeira vítima. O consumidor local acaba pagando o custo do fechamento dos mercados através de preços mais altos. Mas é difícil, num momento de perigo, dizer aos governantes e aos trabalhadores que o instinto de reservar os empregos só para os trabalhadores nacionais está errado.
No Brasil, foi o que se viu dias atrás: diante do primeiro vermelho da balança comercial, num surto, a área econômica decidiu levantar barreiras não tarifárias contra 60% das importações. O Brasil protesta na Organização Mundial do Comércio contra a cláusula de preferenciais nacionais nas compras governamentais do pacote americano, só que o Brasil nunca aceitou assinar o acordo que estabelece as regras para essas compras. Só nos resta torcer para que a Europa e o Japão, signatários do tratado de compras governamentais, derrotem todas as pressões protecionistas que vão continuar surgindo na economia americana neste momento.
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