Existem dois G-20 nas negociações internacionais: um formado pelos países em desenvolvimento que se uniram para as negociações comerciais no âmbito da Organização Mundial do Comércio, e outro que reúne as economias mais importantes do mundo, uma ampliação do G-7. O Brasil faz parte dos dois e, com a onda protecionista que se espalha pelo mundo nos últimos dias, está utilizando a experiência dos dois lados a fim de chamar a atenção para os perigos de o comércio internacional ficar paralisado pelas decisões governamentais de vários países.
A cláusula "buy American" (compre produtos americanos) incluída no plano de recuperação econômica dos Estados Unidos desencadeou protestos pelo mundo, mas diversos países estão também adotando medidas protecionistas, inclusive a França, que ontem exigiu que a indústria automobilística utilize o pacote de incentivo anunciado pelo governo nas fábricas em território francês e em compras de produtos franceses, provocando protesto na União Européia.
O Congresso americano, diante das reações, amenizou a barreira protecionista, ressaltando que a exigência só poderá ser feita se não ferir os acordos internacionais. Há quem veja nessa ressalva uma maneira de anular a cláusula na prática sem revogá-la, enquanto os mais céticos consideram que apenas os países que assinaram acordos de compras governamentais com os Estados Unidos estariam a salvo, como os países do Nafta (Canadá e México) e a União Européia.
O fato é que o governo brasileiro está em uma situação delicada, pois, embora esteja do lado certo na defesa da liberação do comércio internacional, não assinou acordos de compras governamentais. O Brasil, fazendo um alerta na Organização Mundial do Comércio contra o protecionismo, está apenas defendendo um conceito, mas terá que ser mais flexível se for retomada a negociação da Rodada de Doha, por exemplo, se quiser manter a coerência e avançar nas negociações.
O Acordo de Compras Governamentais é plurilateral, de adesão voluntária e, portanto, restrito aos membros que aceitaram suas cláusulas, segundo as quais, nas compras governamentais, o processo licitatório está aberto a todos aqueles que aderiram a ele.
A área de compras governamentais sempre foi um terreno delicado nas negociações internacionais do Brasil, ainda na época da falecida Alca, a Área de Livre Comércio das Américas. Chegou-se a um compromisso da transparência, com o Brasil aceitando que, quando houvesse uma licitação internacional para compras públicas com alguma empresa estrangeira interessada, esta teria acesso, sem restrições, às informações.
Isso não representaria nenhum problema para o governo brasileiro, já que as informações são públicas e estão no sistema de pregão eletrônico, um dos mais avançados do mundo. Uma proposta mais ampla, porém, que não obteve a concordância do governo brasileiro, exigia que, quando surgisse um projeto de lei no Congresso, se desse conhecimento imediato aos países integrantes da Alca para que opinassem.
A negociação empacou mesmo no compromisso de abrir todas as áreas às empresas estrangeiras, sem limitações, por instrução direta do Palácio do Planalto. O governo admitia que, no futuro, quando estivesse estabelecido um protocolo de compras do Mercosul, essa abertura pudesse ser feita.
Os americanos queriam que houvesse um compromisso também dos estados, e Argentina e Brasil, que são federações, não podiam se comprometer, assim como os estados americanos, independentes entre si, não aceitariam normas federais genéricas.
No plano federal, alguma flexibilidade poderia ser aceita, mas sem abrir mão da possibilidade de usar compras públicas para exigir contrapartidas de transferência de tecnologia, ou de investimentos em algumas áreas.
A postura do governo brasileiro pode ser considerada tão protecionista quanto a dos Estados Unidos, já que considera que as compras governamentais devem servir para estimular as empresas nacionais.
No momento, o Brasil assume, mais uma vez, a liderança do G-20 na Organização Mundial do Comércio, fazendo o alerta contra o protecionismo dos países ricos, e vai para a reunião do G-20, em Londres, pela primeira vez com o novo presidente americano Barack Obama disposto a, pela voz do presidente Lula, denunciar esse protecionismo como prejudicial à solução da crise econômica internacional.
O problema é que a coesão do G-20 dos países emergentes só existe até o momento em que ele representa uma resistência para a abertura em produtos industriais, e a China, que é o verdadeiro alvo da cláusula "buy American", só se sentiu à vontade no G-20 enquanto ele era um bastião contra a negociação.
Já o Brasil, que na denúncia do protecionismo está do lado da China e dos outros emergentes, aceitara, no ano passado, uma proposta dos Estados Unidos e da União Européia sobre subsídios agrícolas, uma redução pequena, mas que dava espaço para que o espírito multilateral prevalecesse, e a abertura para mais acesso, mesmo que não a ideal.
Nossa ambição, no entanto, era maior do que a da China ou da Índia, que queriam apenas proteger suas agriculturas familiares, assim como a União Européia faz, contra os competidores, que em grande parte das vezes é o agronegócio brasileiro.
O Brasil luta no G-20 dos países industrializados para que a retomada da Rodada de Doha represente um avanço para o comércio internacional que beneficiará os países em desenvolvimento, mas servirá também para revitalizar a economia internacional, ao contrário do protecionismo que está sendo adotado pelos mesmos países mais desenvolvidos.
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