José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Não é de hoje que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abusa da licença especial que o País e o mundo lhe dão para cometer gafes e as transforma em frases e episódios pitorescos que aumentam seu prestígio com eleitores, ricos ou pobres, que não dão a mínima para isso. A lembrança da mãe nordestina nascida analfabeta, coitada, e o deslumbramento com a cidade que não parecia africana se tornaram registros folclóricos a provocar risos de folgazã simpatia. Mas desde que uma pesquisa lhe deu 84% de popularidade (e 75% de aprovação a seu governo, que se fez alguma obra importante para consertar a indigente infraestrutura nacional ou algo de notável no combate à violência, ao tráfico de drogas e à corrupção, grandes problemas que parecem se eternizar, ninguém sabe, ninguém viu), o homem tem extrapolado.
A desfaçatez com que Sua Excelência se desloca pelo País de palanque em palanque carregando a própria candidata na disputa presidencial de 2010 é cínica e notória. O périplo de Dilma Rousseff mataria de inveja os demagogos de antanho, useiros e vezeiros inauguradores de pedras fundamentais de obras inacabadas. Dia destes, ela foi a São Leopoldo (RS) inaugurar o início da obra de uma estrada para Novo Hamburgo. E dali foi a Novo Hamburgo, onde subiu num palanque para comemorar a perspectiva de obra da mesma estrada para São Leopoldo.
Antes disso, a candidatíssima compartilhou com o chefe e patrono os lados extremos de um cartaz com um espaço no meio, usado por um fotógrafo de Goiânia para produzir fotomontagens, nunca antes tão disputadas, com prefeitos do Brasil inteiro. A fila se comparava às dos postos de INSS e hospitais públicos e o preço era módico para o resultado final: R$ 30, 8 mil vezes menos que o que se calcula que tenha sido gasto dos cofres da viúva no grande convescote municipal da semana passada na capital federal: R$ 240 mil.
Na tal fila se viveu o episódio mais esclarecedor sobre a relação entre representantes e representados numa democraççia como a noçça, em que a participação popular se resume à ida às urnas para escolher qual entre os nomes do cardápio preparado pelos caciques partidários é capaz de seduzi-lo e abandoná-lo. O prefeito petista de Timbira, do Maranhão dos Sarneys, Raimundo Nonato Ponte, informou que mandará escanear a foto em que fingia estar com o presidente e a candidata do PT para provar a maledicência de seus adversários que o acusam de não ter o prestígio de que se gaba com noçço guia máççimo.
A cena é um símbolo exato do jogo de "me engana que eu gosto" eleitoral, reproduzido depois pelo presidente, ao mostrar sagrada (e talvez sincera) indignação contra a pequenez da imprensa que confundiu aquele "profícuo" encontro dos prefeitos com o chefe da Nação com um mesquinho comício. Talvez Lula pense de fato que serve à Nação dizendo às mulheres dos prefeitos, que os acompanhavam, que está na hora de o Brasil ser governado por uma delas e que seria melhor que ninguém entendesse isso como propaganda direta de uma candidata que ainda não pode sê-lo. Mas imaginar que o respaldo popular baste para fazer de pedra pão é uma sensação de megalômana inimputabilidade, concedida pela Constituição a menores e índios, mas não aos homens públicos. Ainda não!
No referido convescote municipalesco, o presidente mostrou-se íntimo de valores no mesmo grau da própria familiaridade com a gramática. "Nós cortaremos o batom de dona Dilma, o meu corte de unhas, mas não cortaremos nenhuma obra do PAC", afirmou, sem saber que estava reduzindo sua única plataforma administrativa ao que ela é mesmo: uma intervenção cosmética.
Nesse pronunciamento, que se tornou histórico por "nunca antes" um presidente ter insultado tanto a inteligência da plateia, ele ainda cometeu o desplante de se dirigir a um adversário, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), para manipular dados estatísticos de maneira inesperada até para sua lavra. Ao dizer que 10% da população do Estado mais rico da Federação, São Paulo, governado pelo principal candidato da oposição à disputa de 2010 para a Presidência, José Serra (do PSDB), é analfabeta, quando, na verdade, moram em São Paulo 4,6% dos analfabetos do País, índice inferior à média nacional, Lula deixou no ar uma dúvida: se não sabe sabe distinguir 4,6 de 10 ou se falsificou o dado para obter proveito político próprio.
Qualquer resposta a esta questão tropeça numa conclusão pior: a da própria inutilidade. Tenha dificuldade para compreender um dado comezinho da realidade ou facilidade para falsificar estatísticas, o presidente de noçça República se beneficiaria da banalização da amoralidade, comprovada pelo fato de ninguém se ter espantado com o senador Jarbas Vasconcelos (PE) ter dito à Veja que a maioria de seus colegas do PMDB se especializou em "manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral".
E mais até que da ignorância do lúmpen das favelas ou dos condomínios de luxo, tira ele vantagem da concupiscência da classe política, incapaz de um vagido de civismo. Faltam à oposição autoridade moral, capacidade gerencial e desapego pessoal até para expor os disparates que o presidente tem disseminado desde que os 84% de uma pesquisa de credibilidade duvidosa retiraram dele qualquer noção de risco. Com o DEM perdido nos desvãos do castelo de um corregedor incorrigível e a coragem cívica dos tucanos reduzida aos rodeios retóricos do ex-presidente Fernando Henrique, enquanto os pretendentes ao trono, José Serra e Aécio Neves, fazem de tudo para não perturbar El Rei, este nada de braçadas ao iniciar uma campanha que a lei proíbe, mas a Justiça, só preocupada em aumentar os vencimentos de seus membros, tolera. E a oposição se limita a invejar.
José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Não é de hoje que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abusa da licença especial que o País e o mundo lhe dão para cometer gafes e as transforma em frases e episódios pitorescos que aumentam seu prestígio com eleitores, ricos ou pobres, que não dão a mínima para isso. A lembrança da mãe nordestina nascida analfabeta, coitada, e o deslumbramento com a cidade que não parecia africana se tornaram registros folclóricos a provocar risos de folgazã simpatia. Mas desde que uma pesquisa lhe deu 84% de popularidade (e 75% de aprovação a seu governo, que se fez alguma obra importante para consertar a indigente infraestrutura nacional ou algo de notável no combate à violência, ao tráfico de drogas e à corrupção, grandes problemas que parecem se eternizar, ninguém sabe, ninguém viu), o homem tem extrapolado.
A desfaçatez com que Sua Excelência se desloca pelo País de palanque em palanque carregando a própria candidata na disputa presidencial de 2010 é cínica e notória. O périplo de Dilma Rousseff mataria de inveja os demagogos de antanho, useiros e vezeiros inauguradores de pedras fundamentais de obras inacabadas. Dia destes, ela foi a São Leopoldo (RS) inaugurar o início da obra de uma estrada para Novo Hamburgo. E dali foi a Novo Hamburgo, onde subiu num palanque para comemorar a perspectiva de obra da mesma estrada para São Leopoldo.
Antes disso, a candidatíssima compartilhou com o chefe e patrono os lados extremos de um cartaz com um espaço no meio, usado por um fotógrafo de Goiânia para produzir fotomontagens, nunca antes tão disputadas, com prefeitos do Brasil inteiro. A fila se comparava às dos postos de INSS e hospitais públicos e o preço era módico para o resultado final: R$ 30, 8 mil vezes menos que o que se calcula que tenha sido gasto dos cofres da viúva no grande convescote municipal da semana passada na capital federal: R$ 240 mil.
Na tal fila se viveu o episódio mais esclarecedor sobre a relação entre representantes e representados numa democraççia como a noçça, em que a participação popular se resume à ida às urnas para escolher qual entre os nomes do cardápio preparado pelos caciques partidários é capaz de seduzi-lo e abandoná-lo. O prefeito petista de Timbira, do Maranhão dos Sarneys, Raimundo Nonato Ponte, informou que mandará escanear a foto em que fingia estar com o presidente e a candidata do PT para provar a maledicência de seus adversários que o acusam de não ter o prestígio de que se gaba com noçço guia máççimo.
A cena é um símbolo exato do jogo de "me engana que eu gosto" eleitoral, reproduzido depois pelo presidente, ao mostrar sagrada (e talvez sincera) indignação contra a pequenez da imprensa que confundiu aquele "profícuo" encontro dos prefeitos com o chefe da Nação com um mesquinho comício. Talvez Lula pense de fato que serve à Nação dizendo às mulheres dos prefeitos, que os acompanhavam, que está na hora de o Brasil ser governado por uma delas e que seria melhor que ninguém entendesse isso como propaganda direta de uma candidata que ainda não pode sê-lo. Mas imaginar que o respaldo popular baste para fazer de pedra pão é uma sensação de megalômana inimputabilidade, concedida pela Constituição a menores e índios, mas não aos homens públicos. Ainda não!
No referido convescote municipalesco, o presidente mostrou-se íntimo de valores no mesmo grau da própria familiaridade com a gramática. "Nós cortaremos o batom de dona Dilma, o meu corte de unhas, mas não cortaremos nenhuma obra do PAC", afirmou, sem saber que estava reduzindo sua única plataforma administrativa ao que ela é mesmo: uma intervenção cosmética.
Nesse pronunciamento, que se tornou histórico por "nunca antes" um presidente ter insultado tanto a inteligência da plateia, ele ainda cometeu o desplante de se dirigir a um adversário, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), para manipular dados estatísticos de maneira inesperada até para sua lavra. Ao dizer que 10% da população do Estado mais rico da Federação, São Paulo, governado pelo principal candidato da oposição à disputa de 2010 para a Presidência, José Serra (do PSDB), é analfabeta, quando, na verdade, moram em São Paulo 4,6% dos analfabetos do País, índice inferior à média nacional, Lula deixou no ar uma dúvida: se não sabe sabe distinguir 4,6 de 10 ou se falsificou o dado para obter proveito político próprio.
Qualquer resposta a esta questão tropeça numa conclusão pior: a da própria inutilidade. Tenha dificuldade para compreender um dado comezinho da realidade ou facilidade para falsificar estatísticas, o presidente de noçça República se beneficiaria da banalização da amoralidade, comprovada pelo fato de ninguém se ter espantado com o senador Jarbas Vasconcelos (PE) ter dito à Veja que a maioria de seus colegas do PMDB se especializou em "manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral".
E mais até que da ignorância do lúmpen das favelas ou dos condomínios de luxo, tira ele vantagem da concupiscência da classe política, incapaz de um vagido de civismo. Faltam à oposição autoridade moral, capacidade gerencial e desapego pessoal até para expor os disparates que o presidente tem disseminado desde que os 84% de uma pesquisa de credibilidade duvidosa retiraram dele qualquer noção de risco. Com o DEM perdido nos desvãos do castelo de um corregedor incorrigível e a coragem cívica dos tucanos reduzida aos rodeios retóricos do ex-presidente Fernando Henrique, enquanto os pretendentes ao trono, José Serra e Aécio Neves, fazem de tudo para não perturbar El Rei, este nada de braçadas ao iniciar uma campanha que a lei proíbe, mas a Justiça, só preocupada em aumentar os vencimentos de seus membros, tolera. E a oposição se limita a invejar.
José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde
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