domingo, 22 de fevereiro de 2009

Interrupção da dinâmica virtuosa

Yoshiaki Nakano
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Com juros tão altos e cenário externo adverso, manter a dinâmica virtuosa se torna um impossibilidade

SEGUNDO os dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) do Ministério do Trabalho, foram fechados, no mês passado, 102 mil postos de trabalho. Trata-se do pior resultado para janeiro desde 1996. Em dezembro último, já havíamos atingido um recorde de demissões, com o fechamento de 655 mil postos de trabalho. Interrompe-se, assim, a dinâmica virtuosa que havia sido conseguida nos últimos cinco anos, de continua expansão da economia com geração de empregos. Nessa dinâmica virtuosa, a geração de empregos formais era acompanhada de aumento de produção e da produtividade, o que permitia o aumento do salário real dos trabalhadores sem pressionar os preços, gerando aumento na demanda agregada e nos investimentos produtivos, o que garantia um crescimento sustentado.

Um círculo virtuoso.
Agora interrompido o circulo virtuoso, podemos entrar num círculo vicioso: o aumento do desemprego reduz a demanda agregada, que levará à contração na produção, à queda na produtividade, à elevação nos custos médios, à redução nas margens de lucro com consequentes cortes nos investimentos e a novos cortes nos postos de trabalho. É possível reverter esse quadro em meio a plena crise internacional?

A resposta é sim, mas infelizmente pouco provável. É possível porque, depois de quase 25 anos de semiestagnação, a economia brasileira havia conseguido criar a referida dinâmica virtuosa.

Além da política de salário mínimo, expansão de crédito e transferência de rendas por meio do Bolsa Família, o círculo virtuoso de crescimento foi gerado por uma mudança demográfica fundamental que mudou a dinâmica do mercado de trabalho. De fato, a taxa de natalidade atingiu no Brasil seu pico em 1984, quando nasceram mais de 4 milhões de brasileiros, para cair em seguida e atingir 3,5 milhões dez anos depois. A população jovem entrando no mercado de trabalho, que vinha aumentando fortemente, começa a declinar a partir de 2002. Segundo os dados e as projeções do IBGE, a população de 15 a 17 anos atingiu seu pico em 2000, para, em seguida, começar a declinar, reduzindo o fluxo excedente de trabalhadores e pressionando menos o mercado de trabalho. Esse fenômeno demográfico certamente é um dos elementos que explicam o contínuo aumento do salário real, que se tornou virtuoso, pois foi acompanhado do aumento de produtividade.

Antes da crise, o Brasil tinha replicado, internamente, uma dinâmica de crescimento clássica dos países capitalistas avançados, criando a possibilidade de romper com a dependência externa em que havíamos caído, especialmente após o Real. Romper com dependência externa não significa fechar a economia, pois elevar o fluxo de comércio é um dos elementos vitais do círculo virtuoso, já que é pelo comércio que incorporamos as inovações tecnológicas e garantimos o aumento da produtividade, sem o que o aumento de salário se torna inflacionário.

Portanto, as possibilidades estão postas, mas, com a atual configuração do nosso sistema monetário, do refinanciamento da dívida pública e da política monetária praticada pelo BC, isso será pouco provável. Aliás, com juros tão elevados, num quadro de liquidez internacional adverso, a manutenção da dinâmica virtuosa se torna uma impossibilidade.

YOSHIAKI NAKANO, 62, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV (Fundação Getulio Vargas), foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).

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