domingo, 1 de março de 2009

O quebra-cabeça da violência

Alberto Carlos Almeida
Professor universitário e escritor
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A segurança pública e a violência são questões das mais importantes em qualquer grande cidade brasileira. O Rio de Janeiro é, certamente, o epicentro desta preocupação. Isso pode ser facilmente mensurado. Faça-se uma pesquisa de opinião perguntando-se qual o problema que o governo estadual deveria resolver em primeiro lugar, o resultado é eloquente. A grande maioria irá afirmar que é a violência.

Na eleição municipal de 2000 em São Paulo, Marta venceu principalmente por causa da rejeição a Maluf. Naquele ano, o maior motivo de preocupação dos paulistanos era a saúde pública. Quatro anos depois, José Serra derrotou Marta. Ele tinha sido ministro da Saúde de Fernando Henrique e o principal tema da campanha fora a saúde. Marta teve um desempenho bastante razoável, crescendo muito no final da campanha e se aproximando ameaçadoramente do candidato vencedor. Os temas de Marta na campanha foram o transporte público e os CEUs da educação. No governo, Marta varreu a saúde para debaixo do tapete e tentou pautar a opinião pública com outras questões. Não venceu, mas foi longe.

No caso da segurança pública há um fenômeno de opinião curioso, ao menos no Rio de Janeiro. O eleitorado quer muito que o governo resolva o problema. É, inquestionavelmente, o principal problema. Aquele que o resolver, da maneira que é possível, lentamente e sem mágica, adotando-se a política pública mais adequada, tal como identificado nas análises do economista Aluísio Araújo – ele demonstrou que os assassinatos caem na medida em que aumenta a população carcerária – quem fizer isso facilmente terá projeção nacional ao ponto de, eventualmente, vir a pensar seriamente em uma candidatura presidencial. É fácil ser bem falado fora do Rio, basta resolver o principal problema da cidade e do estado.

E se o governante não fizer isso, o que acontece? A princípio, nada. Pode parecer paradoxal, mas é justamente isso. O eleitorado quer muito que alguém combata com sucesso a violência, mas se não o fizer, sem problema. Afinal, quantos foram os governantes que criaram, durante a campanha eleitoral, a expectativa de que a violência seria combatida e seus índices cairiam? E quantos tiveram sucesso nessa empreitada? Como quase todos prometeram, mas ninguém resolveu, então seria injusto punir um governante que pela enésima vez não tivesse sucesso no combate à violência.

A população tem para a violência soluções individuais que não encontram equivalente no caso da saúde. Para prevenir ser vitimizado adotam-se vários comportamentos: sai-se menos de casa, quando se vai a rua os horários são limitados, cerca-se a residência com arame e vidro, blinda-se o carro e assim sucessivamente. Na saúde isso é impossível. O que fazer quando se tem uma apendicite, para ficar em um exemplo dos menos complexos. Não há ação individual que resolva ou amenize uma crise de apêndice. O que não dizer de outras doenças e ocorrências mais graves?

Em suma, há ações individuais que previnem a violência, apesar do desejo ardente por uma solução pública. Nesse contexto, a estratégia tipo Marta seria varrer a violência para debaixo do tapete. Caberia ao governante mostrar empenho em seu combate. Mas sem acreditar, de fato, que há uma solução viável na situação atual. Seriam necessários mais recursos e um esforço conjunto inviável no atual cenário. Não faz parte da Realpolitik brasileira, ao menos por ora.

Há temas menos relevantes do que a segurança pública, porém muito importantes na ótica do eleitor. A saúde pública é um deles, mas há outros. Não foram poucos os candidatos abatidos, em campanha eleitoral, pelo tema único da violência; Newton Cruz no passado distante e Denise Frossard no recente. Assim, paradoxalmente, hoje, o sucesso ou fracasso de um governante no Rio de Janeiro depende menos do sucesso no combate à violência e mais do que ele for capaz de fazer ou deixar de fazer em outras áreas de ação.

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