Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Reprise é filme assistido, dèjá-vu é ilusão do já visto, déjá vécu, sensação do já vivido -- brasileiros sofrem de vários distúrbios coletivos, o menos conhecido é o da paramnésia, lapso onde aparecem palavras desconexas e situações desconectadas da realidade.Tudo isso porque nesta terra da abundância fomos aquinhoados com dois inícios de ano: o virtual nos acomoda ao calendário universal e começa no primeiro dia de janeiro. O ano novo real, efetivo, começa na segunda-feira seguinte à semana do Carnaval.
Amanhã, além do educado "bom dia" e "boa semana" convém adicionar um discreto "feliz ano-novo" que aos desavisados pode parecer surto paramnésico mas, ao contrário, é prova de realismo. E de um certo cansaço. O brasileiro vive correndo não porque seja atrapalhado, impontual – às vezes é, e muito – mas porque o nosso ano é menor, comprimido. Dependendo dos acertos com a astronomia temos anos como este 2009 com menos 52 dias e outros, quando o Carnaval cai em março, em que perdemos 60 dias ou mais. Os dias estão lá inteirinhos, vividos, sofridos, gozados, ninguém os afanou. Mas o intervalo entre o réveillon e os primeiros dias da Quaresma não conta. Vai na conta de uma superestação que se chama recesso, vale-tudo onde nada vale. Zerado. No país do faz de conta, o recesso é um encontro com a verdade, mas de mentirinha.
Como nada funciona e todos estão fora mesmo quando andam por aqui, ninguém dá sequência e toma providências. O recesso é uma imensa desobrigação coletiva. Exemplo foi dado pelo animadíssimo ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, que, ao invés de apressar decisões prementes e pendentes, põe-se a deblaterar contra o repasse de verbas oficiais para os movimentos que promovem invasões de terras. O chefe da nossa suprema corte pode ter razão – o estímulo à violência política é sempre condenável mesmo sem verbas oficiais -- mas convém a um magistrado preservar suas opiniões para manifestá-las através de sentenças e votos seguindo os trâmites do devido processo. O caso entra na pauta política artificialmente e prejudicará sua eventual discussão na esfera judiciária por conta de um julgamento paralelo debitado ao marasmo oficial. Melhor faria o ministro se tentasse agilizar, ao menos filosoficamente, a aguardada decisão sobre o repatriamento ou concessão de asilo político a Cesare Battisti. Esta procrastinação é descabida, não interessa a ninguém. Maltrata o acusado, prejudica a imagem do Brasil, ultimamente tão arranhada, e mostra a face perversa da institucionalização do recesso. Justiça tardia é sempre falha.
Com a habilidade que o caracteriza (ou descaracteriza, dá no mesmo), o senador José Sarney aproveitou o fim do recesso formal, legislativo, e o início do recesso momesco para evaporar-se.
Sua reeleição para a presidência do Legislativo provocou mais espanto na imprensa internacional do que na nacional e não poderia ser diferente: sua passagem pela presidência da República inaugurou um gênero de ilegalidade legitimada pelo abuso. A concessão de canais de radiodifusão a congressistas é um acinte, macula a mídia eletrônica, macula o Congresso e desvenda a existência de um recesso moral que se estende além do verão e das férias. Este mesmo recesso moral deveria acobertar o assalto final para a conquista da direção e abertura dos cofres do fundo de pensão dos funcionários de Furnas Centrais Elétricas. A desfaçatez, a ganância e a impunidade são tão grandes que a tropa de choque do PMDB desconsiderou as recentes acusações do senador dissidente Jarbas Vasconcelos e forneceu-lhe ostensivamente as provas da corrupção que comanda os movimentos do partido. O ano-novo começa velho, repetido, fatigado.
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Reprise é filme assistido, dèjá-vu é ilusão do já visto, déjá vécu, sensação do já vivido -- brasileiros sofrem de vários distúrbios coletivos, o menos conhecido é o da paramnésia, lapso onde aparecem palavras desconexas e situações desconectadas da realidade.Tudo isso porque nesta terra da abundância fomos aquinhoados com dois inícios de ano: o virtual nos acomoda ao calendário universal e começa no primeiro dia de janeiro. O ano novo real, efetivo, começa na segunda-feira seguinte à semana do Carnaval.
Amanhã, além do educado "bom dia" e "boa semana" convém adicionar um discreto "feliz ano-novo" que aos desavisados pode parecer surto paramnésico mas, ao contrário, é prova de realismo. E de um certo cansaço. O brasileiro vive correndo não porque seja atrapalhado, impontual – às vezes é, e muito – mas porque o nosso ano é menor, comprimido. Dependendo dos acertos com a astronomia temos anos como este 2009 com menos 52 dias e outros, quando o Carnaval cai em março, em que perdemos 60 dias ou mais. Os dias estão lá inteirinhos, vividos, sofridos, gozados, ninguém os afanou. Mas o intervalo entre o réveillon e os primeiros dias da Quaresma não conta. Vai na conta de uma superestação que se chama recesso, vale-tudo onde nada vale. Zerado. No país do faz de conta, o recesso é um encontro com a verdade, mas de mentirinha.
Como nada funciona e todos estão fora mesmo quando andam por aqui, ninguém dá sequência e toma providências. O recesso é uma imensa desobrigação coletiva. Exemplo foi dado pelo animadíssimo ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, que, ao invés de apressar decisões prementes e pendentes, põe-se a deblaterar contra o repasse de verbas oficiais para os movimentos que promovem invasões de terras. O chefe da nossa suprema corte pode ter razão – o estímulo à violência política é sempre condenável mesmo sem verbas oficiais -- mas convém a um magistrado preservar suas opiniões para manifestá-las através de sentenças e votos seguindo os trâmites do devido processo. O caso entra na pauta política artificialmente e prejudicará sua eventual discussão na esfera judiciária por conta de um julgamento paralelo debitado ao marasmo oficial. Melhor faria o ministro se tentasse agilizar, ao menos filosoficamente, a aguardada decisão sobre o repatriamento ou concessão de asilo político a Cesare Battisti. Esta procrastinação é descabida, não interessa a ninguém. Maltrata o acusado, prejudica a imagem do Brasil, ultimamente tão arranhada, e mostra a face perversa da institucionalização do recesso. Justiça tardia é sempre falha.
Com a habilidade que o caracteriza (ou descaracteriza, dá no mesmo), o senador José Sarney aproveitou o fim do recesso formal, legislativo, e o início do recesso momesco para evaporar-se.
Sua reeleição para a presidência do Legislativo provocou mais espanto na imprensa internacional do que na nacional e não poderia ser diferente: sua passagem pela presidência da República inaugurou um gênero de ilegalidade legitimada pelo abuso. A concessão de canais de radiodifusão a congressistas é um acinte, macula a mídia eletrônica, macula o Congresso e desvenda a existência de um recesso moral que se estende além do verão e das férias. Este mesmo recesso moral deveria acobertar o assalto final para a conquista da direção e abertura dos cofres do fundo de pensão dos funcionários de Furnas Centrais Elétricas. A desfaçatez, a ganância e a impunidade são tão grandes que a tropa de choque do PMDB desconsiderou as recentes acusações do senador dissidente Jarbas Vasconcelos e forneceu-lhe ostensivamente as provas da corrupção que comanda os movimentos do partido. O ano-novo começa velho, repetido, fatigado.
Desgastaram-se as oportunidades e os tremendos desafios oferecidos pela crise econômica mundial. Graças ao recesso, sobrou a recessão.
Alberto Dines é jornalista
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