sábado, 28 de março de 2009

Quatro ações

Cristovam Buarque
DEU EM O GLOBO


Neste ano, o Brasil completou 24 anos da redemocratização.

Tempo suficientemente longo para que comecemos a nos esquecer de como foi a ditadura. Porém, tempo insuficiente para consolidarmos a democracia.

Já não há mais medo da ditadura, mas ainda não existe confiança na democracia.

O poder ditatorial se mantém por meio de armas nas mãos dos ditadores; o poder democrático, pela credibilidade dos parlamentares junto ao olhar público. E pela capacidade de se reciclar, atraindo os melhores quadros para a vida pública.

A atual crise de confiança que atravessa o Senado Federal está provocando dois fenômenos que ameaçam a democracia: a descrença da opinião pública e a perda do entusiasmo dos jovens pela vida pública. As pesquisas mostram um Senado com baixíssima credibilidade, e quem anda entre jovens percebe que não há renovação da vocação política. A juventude despreza os políticos e a política. Pior, a sensação é de que os jovens que desejam seguir a carreira política estão mais interessados nos benefícios e vantagens do que em servir ao país.

Por isso, nós que fazemos parte do parlamento de hoje, nós que somos o centro dos escândalos, temos de pensar não só na honra pessoal ameaçada, mas na nossa responsabilidade com a consolidação da democracia.

Temos idade para nos lembrar dos males da ditadura, e obrigação de senti-la ameaçada. Por isso, precisamos reagir.

Primeiro, precisamos entender nossa culpa e responsabilidade.

Mesmo que a imprensa possa exagerar, a notícia é sempre despertada, nunca inventada. Ela é o alarme de que precisamos para corrigir erros que às vezes não vemos em nós ou ao nosso redor. Por isso, a primeira ação deve ser garantir transparência em todos os atos, gestos e gastos. Não se comete crime e pecado do lado de lá de um vidro limpo, sob o olhar do público.

Crimes e pecados são cometidos entre paredes fechadas, por trás de cortinas grossas. O Senado precisa assumir a transparência, tornar tudo público, como deve ser em uma instituição de eleitos pelo povo.

A segunda ação é aumentar nossa produtividade. O que mais deve incomodar a opinião pública é o fato de não ver, ao lado das notícias de escândalos, o resultado concreto do nosso trabalho para melhorar o dia-a-dia do povo brasileiro. Somos um poder irrelevante diante das medidas provisórias e das decisões judiciais, espremidos entre o Executivo e o Judiciário. Por nossa ausência, Executivo e Judiciário se assenhorearam do poder de toda a República.

Já que nossa Casa não aparenta produção concreta, além de discursos, salvo uma ou outra lei de interesse público, o povo nos vê apenas como despesa. Devemos recuperar o poder que temos a obrigação de ter, revertendo as leis que dão mais poder ao Executivo, definindo as regras de como o Judiciário deve legislar. Na democracia, a Casa do Povo é o Congresso, ou não há democracia.

Para isso, precisamos de uma terceira ação: temos de mudar radicalmente nosso comportamento.

É impossível ter poder parlamentar quando se fica apenas dois dias por semana no Congresso, não mais que poucas horas no Plenário, raríssimas vezes em sessões plenárias, e nunca em sessões nas quais dialoguemos, discutamos, parlamentemos. O maior de todos os escândalos é o fato de que, no Brasil de hoje, nós, parlamentares, não parlamentamos.

A quarta ação é renovar o compromisso com a agenda do povo.

Mesmo nossos discursos são raramente centrados nos problemas reais da nação brasileira, no futuro do Brasil. Gastamos muito tempo debatendo generalidades, enquanto o Brasil enfrenta uma crise estrutural e outra conjuntural, e precisa enfrentar as duas.

O Brasil espera de nós mais do que estancar escândalos. Quer que demonstremos nosso poder de mudar o país, fazendo um Congresso que orgulhe a todos os brasileiros, que faça as mudanças que o Brasil espera há séculos, e sobretudo que justifique e consolide a democracia, atraindo os jovens para a vida pública em vez de afastá-los, como hoje acontece.

Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

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