DEU EM O GLOBO
O presidente Lula sempre gostou de simplificar as coisas, o que o leva a fazer constantes metáforas de fácil compreensão para a média dos brasileiros. Mas leva também ao pé da letra certas simplificações. Para ele, o mundo se divide entre ricos e pobres, entre paises do Norte contra países do Sul, entre os brancos de olhos azuis e os paises explorados por eles, e essa visão estreita do mundo se reflete em muitas das tomadas de posição na nossa política externa.
E acaba se voltando contra nós, como na rodada de Doha, que acabou sendo abortada por posições de países como China e Índia, que não aceitaram um acordo que o Brasil havia fechado com a União Européia e os Estados Unidos.
Exatamente porque os interesses brasileiros no comércio internacional às vezes coincidem mais com os dos ricos do que com o dos emergentes. Foi assim que ele deu uma das maiores gafes de um chefe de Estado, com a declaração racista de que a crise internacional foi provocada por brancos de olhos azuis.
A simplificação das disputas, sejam elas internas ou internacionais, vai muito bem para o objetivo de Lula, que obviamente estava querendo dar uma demonstração de que não se intimida diante de representantes do primeiro mundo, no caso o primeiro ministro inglês, Gordon Brown.
E ele aparece diante de seus eleitores de baixa renda como aquele que defende os pobres e os desvalidos diante dos colonizadores. Mas, quando se está num encontro internacional, preparando o próximo encontro do G-20, em que o país pretende ter uma atuação proeminente, querendo lugar de destaque nos grandes organismos internacionais como o Conselho de Segurança da ONU, não se pode simplificar as questões dessa maneira.
Ele, com uma tirada dessas, se aproxima mais do seu colega Hugo Chávez do que do estadista que pretende ser. O presidente Lula, quando leva a discussão pra um campo ideológico reduzido, perde a capacidade de influenciar a política internacional. Lembra Chávez, que, na tribuna da ONU, disse que sente cheiro de enxofre porque o presidente dos Estados Unidos acabara de sair.
Não é preciso nem mesmo lembrar que quando perguntado se o que dizia tinha sentido ideológico, ele tentou minimizar dizendo que não conhecia nenhum banqueiro negro, ou índio. Além de mostrar desinformação – o ex presidente do Merrill Lynch, Stanley O Neal, era negro e foi dos banqueiros mais influentes em Wall Street, e o atual presidente do Citibank é o indiano Vikram Pandit -, o presidente Lula tenta mais uma vez jogar as perdas da crise internacional no colo dos estrangeiros, sem assumir nossas culpas, como se o pais estivesse em perfeitas condições.
Mas essa crise é importada ou fabricada. No ultimo trimestre do ano passado, o PIB brasileiro teve uma queda de 3.6%, mas, se adotarmos o critério da maioria dos países, inclusive os europeus e os Estados Unidos, que anualizam as perdas, a queda do PIB brasileiro seria de extraordinários 15,2%.
Por essa mesma metodologia, o PIB americano caiu 6,8%, a Europa caiu 6%. Na mesma faixa do Brasil caíram Singapura, com 16,4%, Coréia, com 20%, Taiwan, com 22% e Japão, com 12%. O problema é que os paises asiáticos têm um grau de abertura da economia muito maior do que o brasileiro.
Enquanto naquela região o grau de abertura – a soma de importações com exportações – pode chegar a 100% do PIB, no Brasil não passa de 20%, semelhante aos Estados Unidos. Na Malásia, passou mesmo dos 100% do PIB. Portanto, eles são muito mais expostos a crises internacionais do que nós.
Quando o comercio exterior é afetado, como agora, esses países sentem muito mais do que nós. E porque, se somos uma economia fechada, tivemos uma queda na economia no mesmo patamar das economias mais abertas?O que derrubou nosso país, segundo a análise de muitos economistas, foi a taxa dos investimentos internos, que despencou no ultimo trimestre de 2008.
O investimento no Brasil, mesmo sendo pequeno em relação ao que seria necessário, caiu tanto que teve importância decisiva na queda do PIB. Os empresários pararam de investir, sobretudo por falta de confiança, mas também porque perderam o acesso ao crédito. As consultas ao BNDS, um indicador antecedente de tendência , caíram 40%. A demanda externa chegou a subir 0,6%, mas a demanda interna caiu 2,8%, sendo que a formação bruta de capital – a compra de máquinas e equipamentos que indica investimentos das empresas – caiu 1,7% , mais que o consumo das famílias, que caiu 1,2%.
Essa queda do consumo das famílias brasileiras, aliás, mostra um outro fator. Ele caiu mais que o consumo das famílias americanas, que viviam dependentes do crédito, o que indica que a economia brasileira depende muito mais do crédito do que a americana.
A crise, portanto, foi mais fabricada do que importada, e o problema é que o governo não está fazendo nada para mudar esse modelo econômico, baseado no crédito, que desapareceu, e na massa salarial.
Mas, como o desemprego está aumentando, e não há indicio de que vai haver aumento da massa salarial tão cedo, fica difícil ver por onde sairemos da crise.
(Amanhã: O crédito sumiu)
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