Mesmo tendo sido gerada no centro do sistema econômico internacional pelos “brancos de olhos azuis”, ou justamente por isso, a crise resultará em um “generalizado, profundo e prolongado” efeito negativo na economia da América Latina, sem distinção de países ou de quanto esta ou aquela economia está ligada aos mercados internacionais, o grau de abertura das economias ou suas condições macroeconômicas iniciais. Estas são as conclusões de um estudo dos economistas Ramón Pineda, Esteban Perez e Daniel Titelman, da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), que descartam a possibilidade de algum país estar mais bem preparado para enfrentar a crise, dada sua magnitude sem precedentes e os recentes resultados macroeconômicos da região.
O trabalho analisa o comportamento econômico de 17 países da região: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. As crises acompanhadas foram as da dívida externa (198083); a de instituições de empréstimos e poupança (198791); a mexicana (1994-95); a da Rússia (1997-99), e a da Argentina (2001-2002).
Segundo o estudo, as evidências mostram que o impacto das crises financeiras está relacionado fortemente com o grau em que as finanças externas ficam escassas e caras, e a magnitude da interrupção dos canais de comércio externo.
As evidências atuais, dizem os economistas, não permitem imaginar que os efeitos da crise serão diferentes daqueles que atingiram seriamente a região no passado.
Mais uma vez, dizem, as condições externas estão batendo forte na região.
O fluxo de financiamentos privados para a América Latina está experimentando um declínio em 2008 (US$ 184 bilhões em 2007 contra US$ 89 bilhões in 2008), e uma contração maior é esperada para este ano, quando deve cair para US$ 43 bilhões. O comércio internacional, por sua vez, deve cair mais de 2% em relação ao ano passado.
Uma análise do comportamento do PIB per capita nas crises anteriores mostra que a região teve uma queda média entre 1,2%, durante a crise argentina, e 12,6%, durante a crise da dívida.
Comportamento similar teve o investimento, com uma queda que variou entre 13,7% na crise mexicana e 46,6% na crise da dívida.
A média de redução do fluxo de financiamentos foi de 2,7% do PIB, durante a crise de empréstimos e poupança, e 8,4%, durante a crise da dívida, enquanto a contração média das exportações foi de 4,1% durante a crise mexicana e 38,2% durante a crise da dívida.
Desde o segundo semestre de 2008, o fluxo de capitais privados está decaindo em uma média de 2% do PIB da região. O comércio internacional também está previsto para cair mais de 2% durante este ano.
As evidências também mostram, segundo o estudo, que, nas ocasiões anteriores de crise, a piora das condições externas é acompanhada pela contração da atividade econômica em muitos países da região, pelo mesmo período de tempo.
Já tendo sido superada a fase em que se acreditava que poderia haver um descolamento das economias regionais em relação à crise global, agora se discute até que ponto os governos da região terão condições de adotar uma política contra-cíclica para evitar os efeitos da crise.
O estudo admite que a melhora nas condições econômicas internas nos últimos seis anos, incluindo uma posição fiscal mais equilibrada, a redução da dívida externa, o controle da inflação e a acumulação de reservas internacionais por alguns países da região, estão ajudando alguns países a financiar essas políticas.
O Brasil, segundo o estudo, é um dos países que menos dedicaram recursos a estas políticas contracíclicas: enquanto colocamos 1% do PIB nessas políticas, a Argentina colocou 5,7%; a Bolívia 1,9%; o Chile 2,2%; a Colômbia 4,2%; a Costa Rica 0,7%; a Guatemala 0,8%, Honduras 0.6%; o México 0,6%; e o Peru 2,4%.
No entanto, para os economistas da Cepal, não obstante os esforços para mitigar os efeitos da crise, esses devem ser insuficientes para evitar a estagnação ou mesmo a contração da atividade econômica da região, devido ao caráter sistêmico da crise atual, além da sua magnitude incomparável.
O estudo mostra que, desde os anos 80 do século passado, a crise se abate sobre a região de uma maneira generalizada, profunda e prolongada, independentemente das especificidades de cada país.
As consequências econômicas negativas e o acesso restrito aos financiamentos externos são comuns a vários países da região, a despeito da heterogeneidade das economias.
Uma das facetas dessa crise é o aumento da remessa de lucros e dividendos pelas empresas estrangeiras para cobrir dívidas no exterior, especialmente as empresas dos Estados Unidos. As empresas automobilísticas, por exemplo, têm ótimo desempenho aqui e o governo ajuda a manter seus lucros com a redução de impostos. Ao mesmo tempo, elas aumentam a remessa de lucros para suas sedes.
O ex-ministro José Dirceu, reforçado politicamente no papel de um dos articuladores da campanha presidencial da ministra Dilma Roussef, denunciou outro dia em seu blog a remessa para o exterior de US$ 33,8 bilhões em lucros e dividendos. Dirceu está errado ao pedir um maior controle do capital estrangeiro, e ao afirmar que esses investimentos não ajudam na produção, são meramente especulativos.
Mas saída maciça de capitais é verdade, tanto que, no ano passado, estávamos remetendo de volta para os Estados Unidos muito mais capitais do que a China, quando há muito mais capital americano na China do que no Brasil. O que indicaria que a confiança na economia brasileira não é tão grande quanto alardeia o governo.
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