Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO
A resposta do governo à crise continua tendo os mesmos defeitos: alguns setores são beneficiados, e não toda a economia, e os incentivos são dados sem qualquer contrapartida. Os automóveis, produto para classe média e ricos, têm renúncia fiscal; os trabalhadores das montadoras terão garantia do emprego, mas os do setor sucroalcooleiro não têm nem a garantia das leis trabalhistas.
Nos Estados Unidos, a ajuda às montadoras foi dada com contrapartida ambiental.
Aqui, nada foi pedido às montadoras, exceto manter o emprego dos funcionários, o que cria uma distorção na economia: todos os brasileiros podem ser demitidos, exceto os trabalhadores do setor automobilístico e os funcionários públicos.
Ontem foi o dia dos carros, aqui e nos EUA. Lá, o presidente da General Motors caiu porque o governo recusou o plano, feito pela antiga direção, de ajuste e adaptação às exigências para receber a ajuda do governo.
Não quero comparar a ajuda lá, que são bilhões diretos do contribuinte para os cofres das montadoras, e a renúncia fiscal aqui, mas apenas insistir que essa é uma ótima oportunidade para induzir mudanças nas escolhas das empresas.
O novo presidente da GM terá 60 dias para apresentar um novo plano, mas já começou avisando que os novos carros serão diferentes.
Frederick Henderson disse que a montadora está uma ou duas gerações atrás em tecnologia verde para carros e que a empresa vai aprender a ganhar dinheiro com carros leves, e não apenas SUVs. Outra exigência é a de um ajuste fiscal na empresa, que vai separar ativos bons e passivos difíceis de serem digeridos, como o fundo de pensão dos funcionários.
Tudo lá é diferente, mas o importante é ver a postura dos governos: na ajuda aos setores industriais, a administração Obama tem pedido contrapartida. O governo Lula prorrogou a redução de IPI para carros e caminhões pedindo, apenas, a manutenção do emprego. Vale lembrar que as fabricantes de caminhões não cumpriram a exigência do Conama de produzir, a partir do começo de 2009, apenas caminhões com motores adaptados ao diesel limpo. Depois de sete anos de demora, elas disseram que não estavam preparadas e tiveram mais três anos de prazo para entregar aqui o que já entregam em outros países há anos. Esta, por exemplo, poderia ter sido uma contrapartida.
A falta completa de preocupação ambiental do governo Lula é tão impressionante que ontem eles reduziram para zero o IPI para chuveiro elétrico, altamente consumidor de energia, e que tem sido abandonado em outros países. Chuveiro elétrico já tinha tido uma redução de IPI e agora foi zerado junto com outros materiais de construção convencionais, como cimento e tijolo. O Ministério do Meio Ambiente havia pedido que fosse equalizado o imposto do chuveiro (que era de 5%) com o de placas para aquecimento solar (que paga 18%). Ontem, o MMA disse que a decisão “ainda não foi tomada” e continua sendo analisada “pela Fazenda e a Casa Civil”.
Ontem, o Codefat autorizou o Banco do Brasil a prorrogar por mais dois anos o pagamento da dívida rural na linha FAT Giro Rural. A dívida é de R$ 4 bilhões e a primeira parcela começaria a ser paga hoje. O agronegócio está conseguindo um pacote de ajuda para os setores sucroalcooleiro e de produção de carne, campeões em flagrante de trabalho escravo. A pecuária tem relação direta com o desmatamento da Amazônia. O BNDES vai fazer uma clássica operação hospital, dando R$ 200 milhões para um frigorífico quebrado, que tem abatedouros em área de desmatamento.
Em nenhuma ajuda foi negociada qualquer mudança de conduta, seja na relação com os trabalhadores, seja no respeito ao meio ambiente. Tudo se passa como se o governo brasileiro não fosse deste planeta.
A relação veículo/habitante no Brasil, segundo a Anfavea, é de um veículo para cada oito habitantes.
Isso é a média geral, levando em conta a população brasileira e a frota considerada pela Anfavea, de 25,5 milhões.
Só para comparar, esta mesma densidade nos EUA é de um veículo para cada 1,2 habitante, no Japão é de um veículo para cada 1,7 habitante, no México é de um para 4,7 pessoas, na Argentina é de um carro para 5,2 habitantes, todos dados da Anfavea.
O censo 2000 disse que 54,4 milhões de brasileiros moravam em domicílios que tinham um ou mais carros, o que naquela época representava 32% da população.
Imaginando que esse percentual tenha crescido um pouco, porque as vendas de veículos cresceram — apesar de a maioria dos novos carros ter sido comprada pelas mesmas famílias que tinham carros antes, alguns novos entraram no mercado —, mesmo assim, quem tem carro é a classe média e daí para cima. Os dois dados mostram que os motorizados não chegam a 40% da população. Sendo que os que compram carros zero são exatamente os que têm maior renda.
O governo fez uma medida que vai beneficiar apenas a classe média e os ricos, protegeu os trabalhadores apenas das montadoras, ajuda o agronegócio sem fazer exigência de mudança de conduta. Está perdendo a chance de mudança aberta pela crise.
DEU EM O GLOBO
A resposta do governo à crise continua tendo os mesmos defeitos: alguns setores são beneficiados, e não toda a economia, e os incentivos são dados sem qualquer contrapartida. Os automóveis, produto para classe média e ricos, têm renúncia fiscal; os trabalhadores das montadoras terão garantia do emprego, mas os do setor sucroalcooleiro não têm nem a garantia das leis trabalhistas.
Nos Estados Unidos, a ajuda às montadoras foi dada com contrapartida ambiental.
Aqui, nada foi pedido às montadoras, exceto manter o emprego dos funcionários, o que cria uma distorção na economia: todos os brasileiros podem ser demitidos, exceto os trabalhadores do setor automobilístico e os funcionários públicos.
Ontem foi o dia dos carros, aqui e nos EUA. Lá, o presidente da General Motors caiu porque o governo recusou o plano, feito pela antiga direção, de ajuste e adaptação às exigências para receber a ajuda do governo.
Não quero comparar a ajuda lá, que são bilhões diretos do contribuinte para os cofres das montadoras, e a renúncia fiscal aqui, mas apenas insistir que essa é uma ótima oportunidade para induzir mudanças nas escolhas das empresas.
O novo presidente da GM terá 60 dias para apresentar um novo plano, mas já começou avisando que os novos carros serão diferentes.
Frederick Henderson disse que a montadora está uma ou duas gerações atrás em tecnologia verde para carros e que a empresa vai aprender a ganhar dinheiro com carros leves, e não apenas SUVs. Outra exigência é a de um ajuste fiscal na empresa, que vai separar ativos bons e passivos difíceis de serem digeridos, como o fundo de pensão dos funcionários.
Tudo lá é diferente, mas o importante é ver a postura dos governos: na ajuda aos setores industriais, a administração Obama tem pedido contrapartida. O governo Lula prorrogou a redução de IPI para carros e caminhões pedindo, apenas, a manutenção do emprego. Vale lembrar que as fabricantes de caminhões não cumpriram a exigência do Conama de produzir, a partir do começo de 2009, apenas caminhões com motores adaptados ao diesel limpo. Depois de sete anos de demora, elas disseram que não estavam preparadas e tiveram mais três anos de prazo para entregar aqui o que já entregam em outros países há anos. Esta, por exemplo, poderia ter sido uma contrapartida.
A falta completa de preocupação ambiental do governo Lula é tão impressionante que ontem eles reduziram para zero o IPI para chuveiro elétrico, altamente consumidor de energia, e que tem sido abandonado em outros países. Chuveiro elétrico já tinha tido uma redução de IPI e agora foi zerado junto com outros materiais de construção convencionais, como cimento e tijolo. O Ministério do Meio Ambiente havia pedido que fosse equalizado o imposto do chuveiro (que era de 5%) com o de placas para aquecimento solar (que paga 18%). Ontem, o MMA disse que a decisão “ainda não foi tomada” e continua sendo analisada “pela Fazenda e a Casa Civil”.
Ontem, o Codefat autorizou o Banco do Brasil a prorrogar por mais dois anos o pagamento da dívida rural na linha FAT Giro Rural. A dívida é de R$ 4 bilhões e a primeira parcela começaria a ser paga hoje. O agronegócio está conseguindo um pacote de ajuda para os setores sucroalcooleiro e de produção de carne, campeões em flagrante de trabalho escravo. A pecuária tem relação direta com o desmatamento da Amazônia. O BNDES vai fazer uma clássica operação hospital, dando R$ 200 milhões para um frigorífico quebrado, que tem abatedouros em área de desmatamento.
Em nenhuma ajuda foi negociada qualquer mudança de conduta, seja na relação com os trabalhadores, seja no respeito ao meio ambiente. Tudo se passa como se o governo brasileiro não fosse deste planeta.
A relação veículo/habitante no Brasil, segundo a Anfavea, é de um veículo para cada oito habitantes.
Isso é a média geral, levando em conta a população brasileira e a frota considerada pela Anfavea, de 25,5 milhões.
Só para comparar, esta mesma densidade nos EUA é de um veículo para cada 1,2 habitante, no Japão é de um veículo para cada 1,7 habitante, no México é de um para 4,7 pessoas, na Argentina é de um carro para 5,2 habitantes, todos dados da Anfavea.
O censo 2000 disse que 54,4 milhões de brasileiros moravam em domicílios que tinham um ou mais carros, o que naquela época representava 32% da população.
Imaginando que esse percentual tenha crescido um pouco, porque as vendas de veículos cresceram — apesar de a maioria dos novos carros ter sido comprada pelas mesmas famílias que tinham carros antes, alguns novos entraram no mercado —, mesmo assim, quem tem carro é a classe média e daí para cima. Os dois dados mostram que os motorizados não chegam a 40% da população. Sendo que os que compram carros zero são exatamente os que têm maior renda.
O governo fez uma medida que vai beneficiar apenas a classe média e os ricos, protegeu os trabalhadores apenas das montadoras, ajuda o agronegócio sem fazer exigência de mudança de conduta. Está perdendo a chance de mudança aberta pela crise.
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