Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL
O impecável artigo do jornalista e escritor Mauro Santayana, publicado neste espaço, quarta-feira, dia 4, quando Tancredo Neves faria 99 anos, cutucou na minha saudade, com a concordância, sem alterar uma vírgula, com o comovido texto de um mestre da língua. Eu também tenho alguma coisa a contar dos muitos anos de convivência com o mais arguto político que conheci em 66 anos de militância como repórter, com o mais competente enxadrista, que não movia uma pedra antes de analisar todas as alternativas, com a previsão de cinco lances.
Cinco dias antes da posse que não houve, estive com o presidente Tancredo Neves, em seu apartamento na Avenida Atlântica, para uma conversa que ficou gravada como uma lição de sabedoria. À vontade, de pijama, chinelo e roupão, diante da vista incomparável da Baía de Guanabara, à luz da manhã, Tancredo respondeu às perguntas introdutórias, até me permitir encaixar a ressalva da imprudência: no memorável discurso em que agradeceu a sua escolha como candidato da oposição, lançou o slogan que pegou como tiririca: É proibido gastar. Nos alinhavos para fechar a composição do ministério, parecia ignorar a regra do corte de gastos, criando várias pastas, claro que muito longe do recorde imbatível das 37 do inchado ministério do presidente Lula. No mesmo tom de quem sabe ser paciente com os afoitos, Tancredo cantou a pedra da víspora da mineirice: "Este é o ministério para a Constituinte, quando não posso perder um único aliado. Promulgada a Constituição democrática, a reforma ministerial enxugará gastos, com a montagem da equipe para todo o mandato". Despedi-me do presidente e caminhei pela Avenida Atlântica, ruminando a aula magna da sabedoria mineira de São João del-Rei. Dois dias depois em Brasília, antevéspera da posse, almocei na companhia do meu compadre José Aparecido de Oliveira, de Carlos Castelo Branco, nosso maior repórter político, e de dona Antônia, a secretária particular de absoluta confiança, com anos de serviço e exemplar discrição. Lá pelo meio da conversa, Castelinho pediu o testemunho de dona Antônia sobre uma intrigante informação que recebera horas antes do diretor do Jornal do Brasil, Nascimento Brito: o presidente Tancredo Neves, logo depois da posse, teria que se submeter a uma operação sem maior gravidade, para livrar-se da diverticulite, o popular nó nas tripas, diagnosticado pela equipe médica que o atendera ainda no Rio. Dona Antônia recuperou-se do susto e saiu pela tangente, com toda classe: "O presidente terá que ser operado. Mas sem urgência. Nada de importante".
Como duvidar da palavra de dona Antônia, se daí a algumas horas acompanhamos, pela televisão, o presidente Tancredo, ao lado da esposa, dona Risoleta, de ministros, parlamentares na missa solene na Catedral de Brasília? A TV Manchete levou uma equipe e aparelhagem que exigiu um caminhão para transmitir a posse do presidente Tancredo. Aos fundos do Senado foram improvisados modestos estúdios para as emissoras que desejassem. Na véspera da posse, fomos convocados para a gravação de documentários que ajudariam a encher os vazios durante a solenidade.
Lá pelas 20h terminei a minha tarefa e fui para o hotel para jantar com o futuro ministro Aluisio Alves. Seu filho, Aluisio, recebeu-me à porta com a informação de que seu pai fora para o Hospital de Brasília, onde o presidente Tancredo seria operado não se sabia de quê. Início do calvário de irresponsabilidade, da invasão de parlamentares, ministros, curiosos, na bagunça do Hospital Sarah Kubitschek, do qual Tancredo não escapou com vida. Perdido na noite brasiliense, telefonei para a Manchete para comunicar a reviravolta e caminhei para o apartamento do senador José Sarney, vice-presidente da República, que assumiria interinamente a Presidência. A presença de seguranças à porta do prédio e no andar superior era o sinal da presença do Poder. A filha de Sarney, Roseana, na juventude de seus 16, 17 anos, recebeu-me à porta, abraçou-me em soluços. Estranhei o pânico. Entre engasgos, Roseana justificou a angústia: "Todo mundo está esperando a posse do Tancredo. Papai vai ser vaiado no Congresso".
Não foi vaiado nem aplaudido. Mas a cambalhota da história frustrou a esperança do que poderia ser e não foi.
DEU NO JORNAL DO BRASIL
O impecável artigo do jornalista e escritor Mauro Santayana, publicado neste espaço, quarta-feira, dia 4, quando Tancredo Neves faria 99 anos, cutucou na minha saudade, com a concordância, sem alterar uma vírgula, com o comovido texto de um mestre da língua. Eu também tenho alguma coisa a contar dos muitos anos de convivência com o mais arguto político que conheci em 66 anos de militância como repórter, com o mais competente enxadrista, que não movia uma pedra antes de analisar todas as alternativas, com a previsão de cinco lances.
Cinco dias antes da posse que não houve, estive com o presidente Tancredo Neves, em seu apartamento na Avenida Atlântica, para uma conversa que ficou gravada como uma lição de sabedoria. À vontade, de pijama, chinelo e roupão, diante da vista incomparável da Baía de Guanabara, à luz da manhã, Tancredo respondeu às perguntas introdutórias, até me permitir encaixar a ressalva da imprudência: no memorável discurso em que agradeceu a sua escolha como candidato da oposição, lançou o slogan que pegou como tiririca: É proibido gastar. Nos alinhavos para fechar a composição do ministério, parecia ignorar a regra do corte de gastos, criando várias pastas, claro que muito longe do recorde imbatível das 37 do inchado ministério do presidente Lula. No mesmo tom de quem sabe ser paciente com os afoitos, Tancredo cantou a pedra da víspora da mineirice: "Este é o ministério para a Constituinte, quando não posso perder um único aliado. Promulgada a Constituição democrática, a reforma ministerial enxugará gastos, com a montagem da equipe para todo o mandato". Despedi-me do presidente e caminhei pela Avenida Atlântica, ruminando a aula magna da sabedoria mineira de São João del-Rei. Dois dias depois em Brasília, antevéspera da posse, almocei na companhia do meu compadre José Aparecido de Oliveira, de Carlos Castelo Branco, nosso maior repórter político, e de dona Antônia, a secretária particular de absoluta confiança, com anos de serviço e exemplar discrição. Lá pelo meio da conversa, Castelinho pediu o testemunho de dona Antônia sobre uma intrigante informação que recebera horas antes do diretor do Jornal do Brasil, Nascimento Brito: o presidente Tancredo Neves, logo depois da posse, teria que se submeter a uma operação sem maior gravidade, para livrar-se da diverticulite, o popular nó nas tripas, diagnosticado pela equipe médica que o atendera ainda no Rio. Dona Antônia recuperou-se do susto e saiu pela tangente, com toda classe: "O presidente terá que ser operado. Mas sem urgência. Nada de importante".
Como duvidar da palavra de dona Antônia, se daí a algumas horas acompanhamos, pela televisão, o presidente Tancredo, ao lado da esposa, dona Risoleta, de ministros, parlamentares na missa solene na Catedral de Brasília? A TV Manchete levou uma equipe e aparelhagem que exigiu um caminhão para transmitir a posse do presidente Tancredo. Aos fundos do Senado foram improvisados modestos estúdios para as emissoras que desejassem. Na véspera da posse, fomos convocados para a gravação de documentários que ajudariam a encher os vazios durante a solenidade.
Lá pelas 20h terminei a minha tarefa e fui para o hotel para jantar com o futuro ministro Aluisio Alves. Seu filho, Aluisio, recebeu-me à porta com a informação de que seu pai fora para o Hospital de Brasília, onde o presidente Tancredo seria operado não se sabia de quê. Início do calvário de irresponsabilidade, da invasão de parlamentares, ministros, curiosos, na bagunça do Hospital Sarah Kubitschek, do qual Tancredo não escapou com vida. Perdido na noite brasiliense, telefonei para a Manchete para comunicar a reviravolta e caminhei para o apartamento do senador José Sarney, vice-presidente da República, que assumiria interinamente a Presidência. A presença de seguranças à porta do prédio e no andar superior era o sinal da presença do Poder. A filha de Sarney, Roseana, na juventude de seus 16, 17 anos, recebeu-me à porta, abraçou-me em soluços. Estranhei o pânico. Entre engasgos, Roseana justificou a angústia: "Todo mundo está esperando a posse do Tancredo. Papai vai ser vaiado no Congresso".
Não foi vaiado nem aplaudido. Mas a cambalhota da história frustrou a esperança do que poderia ser e não foi.
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