Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE
A velha tensão entre o bem comum e os negócios divide os políticos, assim como entre a “ética das convicções” e a “ética da responsabilidade”
A Mesa da Câmara dos Deputados decidiu pôr um ponto final na chamada farra das passagens aéreas, com regras rígidas para seu uso por parlamentares e assessores, inclusive os líderes de bancada. Espera, com isso, reencontrar seu rumo. Não será fácil. Os desgastes do Congresso — o que inclui o Senado —, catalisados por denúncias de corrupção na máquina administrativa, de abusos de mordomias e outras mazelas, não serão revertidos nesta legislatura. Somente a eleição de 2010 purgará esses males, renovando as duas Casas, mesmo que antes algumas cabeças sejam cortadas por seus pares, como é de praxe.
Política miúda
A correlação entre a atividade legislativa e a eleição dos parlamentares se tornou um grande mistério. Hoje, se depender de um projeto de lei de sua autoria aprovado no Congresso, um parlamentar em primeiro mandato jamais será reeleito. Às vezes, uma boa lei leva décadas para ser votada em plenário, com seu autor já fora da Casa. A reeleição depende de “estruturas” de campanha e da “transa” política.
O governo é o primeiro a usurpar, com suas medidas provisórias, o poder de legislar dos parlamentares e afastá-los da grande política. O padrão estabelecido pelo falecido senador Nelson Carneiro (PMDB-RJ), que aprovou a lei do divórcio e tinha um portfólio de dezenas de leis trabalhistas aprovadas, é coisa do passado no Senado. O mesmo vale para os colegas do falecido deputado Dante de Oliveira (PMDB-SP), autor da emenda que motivou a campanha das Diretas Já. Honrosas exceções, como a deputada federal Rita Camata (PMDB-ES), autora do Estatuto da Criança e do Adolescente e de outras leis correlatas, correm o risco de serem tragadas pela crise ética que atravessa o Congresso. Rita é uma dos parlamentares criticados por utilizar o auxílio-moradia da Câmara. Como outros deputados da chamada “banda ética” da Casa, teve a imagem arranhada por causa das “mordomias” existentes no Congresso. O mesmo vale até para quem prefere o papel fiscalizador ao de legislador. O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), por exemplo, falhou. Mas denunciou o próprio erro: beneficiar a filha com uma passagem para o exterior.
A crise ética é um produto da política miúda que predomina no Congresso. A grande política, quando reaparece, assume formas estranhas, como a tese do terceiro mandato para o presidente Lula do deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) ou o desabafo do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que sugeriu um plebiscito para o povo decidir se deve fechar ou não o Congresso por uns tempos. Com a atividade legislativa amesquinhada, o que predomina no Congresso é a “transa”. Ou seja, os pequenos acordos, arranjos, favores, apadrinhamentos, privilégios, lobbies escusos e tudo o mais que a opinião pública condena. Funcionam como mecanismos de reprodução dos mandatos.
Grandes negócios
Quando um novato assume o mandato, é orientado pelos colegas a usufruir de tradicionais prerrogativas: o broche de parlamentar, o apartamento funcional ou auxílio-moradia, a cota de passagens aérea, a verba indenizatória, os cargos que deve preencher por livre nomeação, a verba de gabinete para contratar funcionários. Tudo isso, até agora, fazia parte do mandato, como um salário indireto, meio na moita. Com os abusos flagrados, receberam um xeque-mate da opinião pública.
Porém, há muito mais a fragilizar o Congresso e desmoralizar deputados e senadores. O lobby empresarial, por exemplo, descobriu o caminho das pedras e se soma ao Executivo para esvaziar a atividade legislativa e o debate da grande política. Por baixo dos panos, junto a assessorias dos ministérios ou relatores das medidas provisórias, faz contrabando de privilégios e maracutaias em matérias aprovadas de cambulhada. Ou, então, em projetos de lei que tramitam em caráter terminativo nas comissões do Senado e da Câmara. As mordomias dos parlamentares são um café pequeno diante dos “gatos” incluídos na legislação, concedendo isenções ou privilégios tributários, normas onerosas para o poder público ou os cidadãos, em favor de empreiteiras, bancos, seguradoras, empresas de comércio exterior, grandes sonegadores, o agronegócio e por aí vai. Quem paga a conta é povão.
Sem projetos de Nação, longe da grande política, das soluções para a crise econômica e das candidaturas à sucessão presidencial de 2010, mas de olho na renovação de seus mandatos , os políticos agora descobrem os riscos das miudezas da política da “transa”. Pequenas vantagens patrimonialistas e fisiológicas viram grandes infortúnios eleitorais. É a velha tensão entre o bem comum e os negócios, que sempre separa os políticos. A dualidade da “ética das convicções” e da “ética da responsabilidade”, de que nos falava Max Weber em A política como vocação, pauta a mídia e a sociedade.
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE
A velha tensão entre o bem comum e os negócios divide os políticos, assim como entre a “ética das convicções” e a “ética da responsabilidade”
A Mesa da Câmara dos Deputados decidiu pôr um ponto final na chamada farra das passagens aéreas, com regras rígidas para seu uso por parlamentares e assessores, inclusive os líderes de bancada. Espera, com isso, reencontrar seu rumo. Não será fácil. Os desgastes do Congresso — o que inclui o Senado —, catalisados por denúncias de corrupção na máquina administrativa, de abusos de mordomias e outras mazelas, não serão revertidos nesta legislatura. Somente a eleição de 2010 purgará esses males, renovando as duas Casas, mesmo que antes algumas cabeças sejam cortadas por seus pares, como é de praxe.
Política miúda
A correlação entre a atividade legislativa e a eleição dos parlamentares se tornou um grande mistério. Hoje, se depender de um projeto de lei de sua autoria aprovado no Congresso, um parlamentar em primeiro mandato jamais será reeleito. Às vezes, uma boa lei leva décadas para ser votada em plenário, com seu autor já fora da Casa. A reeleição depende de “estruturas” de campanha e da “transa” política.
O governo é o primeiro a usurpar, com suas medidas provisórias, o poder de legislar dos parlamentares e afastá-los da grande política. O padrão estabelecido pelo falecido senador Nelson Carneiro (PMDB-RJ), que aprovou a lei do divórcio e tinha um portfólio de dezenas de leis trabalhistas aprovadas, é coisa do passado no Senado. O mesmo vale para os colegas do falecido deputado Dante de Oliveira (PMDB-SP), autor da emenda que motivou a campanha das Diretas Já. Honrosas exceções, como a deputada federal Rita Camata (PMDB-ES), autora do Estatuto da Criança e do Adolescente e de outras leis correlatas, correm o risco de serem tragadas pela crise ética que atravessa o Congresso. Rita é uma dos parlamentares criticados por utilizar o auxílio-moradia da Câmara. Como outros deputados da chamada “banda ética” da Casa, teve a imagem arranhada por causa das “mordomias” existentes no Congresso. O mesmo vale até para quem prefere o papel fiscalizador ao de legislador. O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), por exemplo, falhou. Mas denunciou o próprio erro: beneficiar a filha com uma passagem para o exterior.
A crise ética é um produto da política miúda que predomina no Congresso. A grande política, quando reaparece, assume formas estranhas, como a tese do terceiro mandato para o presidente Lula do deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) ou o desabafo do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que sugeriu um plebiscito para o povo decidir se deve fechar ou não o Congresso por uns tempos. Com a atividade legislativa amesquinhada, o que predomina no Congresso é a “transa”. Ou seja, os pequenos acordos, arranjos, favores, apadrinhamentos, privilégios, lobbies escusos e tudo o mais que a opinião pública condena. Funcionam como mecanismos de reprodução dos mandatos.
Grandes negócios
Quando um novato assume o mandato, é orientado pelos colegas a usufruir de tradicionais prerrogativas: o broche de parlamentar, o apartamento funcional ou auxílio-moradia, a cota de passagens aérea, a verba indenizatória, os cargos que deve preencher por livre nomeação, a verba de gabinete para contratar funcionários. Tudo isso, até agora, fazia parte do mandato, como um salário indireto, meio na moita. Com os abusos flagrados, receberam um xeque-mate da opinião pública.
Porém, há muito mais a fragilizar o Congresso e desmoralizar deputados e senadores. O lobby empresarial, por exemplo, descobriu o caminho das pedras e se soma ao Executivo para esvaziar a atividade legislativa e o debate da grande política. Por baixo dos panos, junto a assessorias dos ministérios ou relatores das medidas provisórias, faz contrabando de privilégios e maracutaias em matérias aprovadas de cambulhada. Ou, então, em projetos de lei que tramitam em caráter terminativo nas comissões do Senado e da Câmara. As mordomias dos parlamentares são um café pequeno diante dos “gatos” incluídos na legislação, concedendo isenções ou privilégios tributários, normas onerosas para o poder público ou os cidadãos, em favor de empreiteiras, bancos, seguradoras, empresas de comércio exterior, grandes sonegadores, o agronegócio e por aí vai. Quem paga a conta é povão.
Sem projetos de Nação, longe da grande política, das soluções para a crise econômica e das candidaturas à sucessão presidencial de 2010, mas de olho na renovação de seus mandatos , os políticos agora descobrem os riscos das miudezas da política da “transa”. Pequenas vantagens patrimonialistas e fisiológicas viram grandes infortúnios eleitorais. É a velha tensão entre o bem comum e os negócios, que sempre separa os políticos. A dualidade da “ética das convicções” e da “ética da responsabilidade”, de que nos falava Max Weber em A política como vocação, pauta a mídia e a sociedade.
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