Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Entre a ministra Dilma Rousseff informar ao presidente Lula, em Brasília, sobre a natureza do nódulo que extirpara da axila esquerda, confirmando o diagnóstico de câncer linfático, e o anúncio do seu problema de saúde em entrevista à imprensa, já em São Paulo, ao lado dos médicos, passaram-se menos de 24 horas, e tudo foi feito não apenas com agilidade mas da forma mais simples possível. A ministra, há três semanas, retirara o tumor durante um check up de rotina, e ficou aguardando o resultado da biópsia. A semana passada, a rigor, foi quando tudo se esclareceu.
Na segunda-feira, ela foi chamada para colocar o cateter por onde receberia a medicação caso ficasse confirmado o câncer, pois naquele dia os médicos já tinham indícios de que precisariam de novos procedimentos. Na quarta-feira, ela recebeu o resultado da biópsia mas o presidente Lula estava na Argentina e só voltou quinta-feira à noite. Sexta-feira, por volta do meio-dia, após a reunião de Coordenação, ela informou ao presidente.
Lula viajou a Itumbiara, a seguir, em companhia do ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, a quem pediu para marcar uma conversa com Dilma, a três, para a noitinha, quando voltassem a Brasília. Franklin ligou para a ministra, combinaram fazer o encontro na Base Aérea. Ela perguntou a Franklin, ao telefone, se ele sabia do que se tratava. Ele disse que não sabia. Dilma então explicou o caso e disse que estava pensando em dar uma entrevista.
Franklin concordou, em princípio, mas, surpreendido, observou que gostaria de refletir um pouco, até chegar a Brasilia. Na Base Aérea, a decisão foi tomada em 10 minutos, sem divergências. Concordaram que o melhor era ela mesma dar a informação e que era fundamental os médicos estarem ao lado porque haveria muitas dúvidas técnicas. Lula perguntou a Franklin se ele podia acompanhá-la, o ministro disse que estava exatamente pensando nisto. Ela falou com os médicos e combinaram a entrevista no dia seguinte, sábado pela manhã, em São Paulo.
A avaliação é que a Presidência da República, neste episódio, deu um show de comunicação. Performance que, para jornalistas com a tarefa de reportar os fatos do governo, representou a consolidação de uma melhora notável na difícil relação do presidente Lula e de seu governo com a imprensa.
Desde que o jornalista Franklin Martins foi nomeado ministro da Comunicação Social do Governo, há dois anos, instalou-se um processo de distensão nestas relações que estavam, em março de 2007, a um passo da ruptura. O PT não conhecia - ainda não conhece, mas alguns já melhoraram sua compreensão - a imprensa, o governo do PT não conseguia relacionar-se institucionalmente, dedicava-se a produzir polêmicos estudos sobre formas de enquadrá-la.
O presidente da República não conseguiu, ao longo de todo o primeiro mandato, construir o diálogo institucional, e não foram poucas as vezes em que diretores e chefes dos órgãos de comunicação foram chamados para conversar com o então ministro da área, Luiz Gushiken, para relatar dificuldades de acesso ao governo e ouvir, do outro lado, a indagação perplexa sobre qual era o problema que não se conseguia enxergar. Desacostumado ao contraditório, o próprio presidente também engolia a corda da intriga dos assessores e tensionava ainda mais as relações.
No fim da disputa da reeleição, Lula deu sinais de que estava mudando sua compreensão sobre o papel da imprensa ao informar a jornalistas que iriam cansar de ouvi-lo dar entrevistas. Em março de 2007 convidou Franklin Martins para executar a mudança. Resgatou o status da Comunicação Social, o ministro passou a participar de todas as reuniões importantes do governo, a ser ouvido, a dar assessoria inclusive política. Aos poucos foi mediando o diálogo e melhorando a crispada relação, de parte a parte.
Em 2008, as estatísticas reunidas por André Barrocal, do staff do ministro Franklin, registram que o presidente da República deu 182 entrevistas, uma média de três por semana, inclusive 92, a metade, do tipo quebra-queixo (como ficou conhecida aquela abordagem ao presidente, aos gritos, à saída ou entrada de solenidades e reuniões). O quebra-queixo está mais civilizado, o presidente fala em um púlpito, onde os jornalistas deixam seus microfones e gravadores, podem ficar a um metro e meio de distância sem levar riscos de acidente ao presidente e aos colegas.
Esta é uma modalidade que atende principalmente à cobertura diária dos atos e eventos porque permite à imprensa fazer perguntas ao presidente sobre os assuntos do dia.
Em 2007, o primeiro ano da transformação, o presidente já havia dado 157 entrevistas, das quais 77 do tipo quebra-queixo. Em 2006, por exemplo, fora 92 entrevistas, das quais dois terços do tipo quebra-queixo. Ou seja, o presidente só falava praticamente à força, na abordagem de surpresa.
No ano passado, Lula respondeu a 1.770 perguntas, uma média de 34 por semana, ou 4,8 por dia, considerando sábados, domingos e feriados, os 365 dias do ano. "Eu duvido que haja outro chefe de Estado ou de governo que fale tanto com a imprensa quanto o presidente Lula, e esta é uma das razões do fortalecimento da comunicação dele", afirma Franklin Martins, relutando, porém, a fazer maiores análises sobre o assunto em respeito ao princípio, que quer observar, de que o responsável pela comunicação do presidente não deve falar sobre comunicação. A razão é não dar a impressão que está falando em nome do presidente, "porque não estou". Segundo Franklin, Lula falou também com os principais órgãos de imprensa do mundo nos últimos 12 meses.
A transformação foi feita sem seguir modelos, apenas com base na experiência e bom senso do ministro. Em dois anos, acabou a insatisfação generalizada, do governo e da imprensa. "Acho que o presidente precisa falar, ainda mais quando é um excelente comunicador como ele é". O acesso ao governo, como consequência, ficou também mais fácil. "As pessoas foram percebendo que a melhor forma de lidar com o problema é lidar com a imprensa. Você pode não gostar da pergunta, mas responda à pergunta".
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
DEU NO VALOR ECONÔMICO
Entre a ministra Dilma Rousseff informar ao presidente Lula, em Brasília, sobre a natureza do nódulo que extirpara da axila esquerda, confirmando o diagnóstico de câncer linfático, e o anúncio do seu problema de saúde em entrevista à imprensa, já em São Paulo, ao lado dos médicos, passaram-se menos de 24 horas, e tudo foi feito não apenas com agilidade mas da forma mais simples possível. A ministra, há três semanas, retirara o tumor durante um check up de rotina, e ficou aguardando o resultado da biópsia. A semana passada, a rigor, foi quando tudo se esclareceu.
Na segunda-feira, ela foi chamada para colocar o cateter por onde receberia a medicação caso ficasse confirmado o câncer, pois naquele dia os médicos já tinham indícios de que precisariam de novos procedimentos. Na quarta-feira, ela recebeu o resultado da biópsia mas o presidente Lula estava na Argentina e só voltou quinta-feira à noite. Sexta-feira, por volta do meio-dia, após a reunião de Coordenação, ela informou ao presidente.
Lula viajou a Itumbiara, a seguir, em companhia do ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, a quem pediu para marcar uma conversa com Dilma, a três, para a noitinha, quando voltassem a Brasília. Franklin ligou para a ministra, combinaram fazer o encontro na Base Aérea. Ela perguntou a Franklin, ao telefone, se ele sabia do que se tratava. Ele disse que não sabia. Dilma então explicou o caso e disse que estava pensando em dar uma entrevista.
Franklin concordou, em princípio, mas, surpreendido, observou que gostaria de refletir um pouco, até chegar a Brasilia. Na Base Aérea, a decisão foi tomada em 10 minutos, sem divergências. Concordaram que o melhor era ela mesma dar a informação e que era fundamental os médicos estarem ao lado porque haveria muitas dúvidas técnicas. Lula perguntou a Franklin se ele podia acompanhá-la, o ministro disse que estava exatamente pensando nisto. Ela falou com os médicos e combinaram a entrevista no dia seguinte, sábado pela manhã, em São Paulo.
A avaliação é que a Presidência da República, neste episódio, deu um show de comunicação. Performance que, para jornalistas com a tarefa de reportar os fatos do governo, representou a consolidação de uma melhora notável na difícil relação do presidente Lula e de seu governo com a imprensa.
Desde que o jornalista Franklin Martins foi nomeado ministro da Comunicação Social do Governo, há dois anos, instalou-se um processo de distensão nestas relações que estavam, em março de 2007, a um passo da ruptura. O PT não conhecia - ainda não conhece, mas alguns já melhoraram sua compreensão - a imprensa, o governo do PT não conseguia relacionar-se institucionalmente, dedicava-se a produzir polêmicos estudos sobre formas de enquadrá-la.
O presidente da República não conseguiu, ao longo de todo o primeiro mandato, construir o diálogo institucional, e não foram poucas as vezes em que diretores e chefes dos órgãos de comunicação foram chamados para conversar com o então ministro da área, Luiz Gushiken, para relatar dificuldades de acesso ao governo e ouvir, do outro lado, a indagação perplexa sobre qual era o problema que não se conseguia enxergar. Desacostumado ao contraditório, o próprio presidente também engolia a corda da intriga dos assessores e tensionava ainda mais as relações.
No fim da disputa da reeleição, Lula deu sinais de que estava mudando sua compreensão sobre o papel da imprensa ao informar a jornalistas que iriam cansar de ouvi-lo dar entrevistas. Em março de 2007 convidou Franklin Martins para executar a mudança. Resgatou o status da Comunicação Social, o ministro passou a participar de todas as reuniões importantes do governo, a ser ouvido, a dar assessoria inclusive política. Aos poucos foi mediando o diálogo e melhorando a crispada relação, de parte a parte.
Em 2008, as estatísticas reunidas por André Barrocal, do staff do ministro Franklin, registram que o presidente da República deu 182 entrevistas, uma média de três por semana, inclusive 92, a metade, do tipo quebra-queixo (como ficou conhecida aquela abordagem ao presidente, aos gritos, à saída ou entrada de solenidades e reuniões). O quebra-queixo está mais civilizado, o presidente fala em um púlpito, onde os jornalistas deixam seus microfones e gravadores, podem ficar a um metro e meio de distância sem levar riscos de acidente ao presidente e aos colegas.
Esta é uma modalidade que atende principalmente à cobertura diária dos atos e eventos porque permite à imprensa fazer perguntas ao presidente sobre os assuntos do dia.
Em 2007, o primeiro ano da transformação, o presidente já havia dado 157 entrevistas, das quais 77 do tipo quebra-queixo. Em 2006, por exemplo, fora 92 entrevistas, das quais dois terços do tipo quebra-queixo. Ou seja, o presidente só falava praticamente à força, na abordagem de surpresa.
No ano passado, Lula respondeu a 1.770 perguntas, uma média de 34 por semana, ou 4,8 por dia, considerando sábados, domingos e feriados, os 365 dias do ano. "Eu duvido que haja outro chefe de Estado ou de governo que fale tanto com a imprensa quanto o presidente Lula, e esta é uma das razões do fortalecimento da comunicação dele", afirma Franklin Martins, relutando, porém, a fazer maiores análises sobre o assunto em respeito ao princípio, que quer observar, de que o responsável pela comunicação do presidente não deve falar sobre comunicação. A razão é não dar a impressão que está falando em nome do presidente, "porque não estou". Segundo Franklin, Lula falou também com os principais órgãos de imprensa do mundo nos últimos 12 meses.
A transformação foi feita sem seguir modelos, apenas com base na experiência e bom senso do ministro. Em dois anos, acabou a insatisfação generalizada, do governo e da imprensa. "Acho que o presidente precisa falar, ainda mais quando é um excelente comunicador como ele é". O acesso ao governo, como consequência, ficou também mais fácil. "As pessoas foram percebendo que a melhor forma de lidar com o problema é lidar com a imprensa. Você pode não gostar da pergunta, mas responda à pergunta".
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
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