sábado, 22 de agosto de 2009

Mercadante não consegue dizer ‘não’ para Lula e fica

Gerson Camarotti e Adriana Vasconcelos
DEU EM O GLOBO


Depois de anunciar na véspera que renunciaria “em caráter irrevogável” à liderança do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP) voltou atrás ontem e ficou no cargo, mesmo depois de ter sido desautorizado na votação sobre o presidente do Senado, José Sarney. Com ar abatido e envergonhado, ele subiu à tribuna e leu a carta que convenceu o presidente Lula a lhe enviar, afirmando que o considera “imprescindível” na liderança. “Mais uma vez, na minha vida, o presidente Lula me deixa numa situação em que não tenho como dizer não”, disse Mercadante a um plenário quase vazio. Imediatamente, o senador petista virou alvo de chacota no Twitter, ferramenta da internet que tinha usado para anunciar sua “renúncia irrevogável”. Colegas do senador puseram em dúvida suas condições de continuar liderando a bancada do PT.

Não tenho como dizer não

Mercadante usa carta de Lula para ficar no cargo e recuar da renúncia irrevogável

O anúncio feito na véspera pelo líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP), de que renunciaria em “caráter irrevogável”, não convenceu muito. Mesmo assim, houve certa incredulidade quando ele, com ar abatido e envergonhado, subiu ontem à tribuna para recuar de sua decisão. Com um discurso de 23 minutos ensaiado na véspera num encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em vez da renúncia, avisou que continuará no cargo que já ameaçara deixar outras vezes desde que começou a crise no Senado.

Para justificar o recuo e tentar reduzir o desgaste perante seu eleitorado e o país, o petista convenceu Lula a lhe enviar uma carta com o apelo para que continuasse líder do PT.

— Mais uma vez, na minha vida, o presidente Lula me deixa numa situação que eu não tenho como dizer não.

Não tenho, como não tive muitas vezes — justificou Mercadante a um plenário quase vazio, onde leu também a carta negociada, na qual Lula afirma que o petista é “imprescindível”.

O líder chegou a pedir desculpas à família por ter voltado atrás: — Peço a muitos companheiros e companheiras que acho que pedem a minha saída hoje, especialmente à minha família, sinceras desculpas, mas, com a história que tenho com o Lula, com a minha história de militância, com o que nós fizemos juntos e podemos fazer juntos pelo Brasil, eu não posso dizer não ao presidente da República e ao meu velho companheiro Luiz Inácio Lula da Silva.

Discurso só após a carta de Lula

Com a carta, Mercadante acabou se valendo do mesmo expediente, por ele criticado, usado por João Pedro (PT-AM), Delcídio Amaral (PT-MS) e Ideli Salvatti (PT-AM), na quarta-feira, para justificar o voto favorável ao arquivamento das denúncias contra José Sarney (PMDB-AP) no Conselho de Ética. Na ocasião, Mercadante se recusou a ler a carta assinada pelo presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP).

Mercadante atrasou o discurso para esperar a carta, como combinado na véspera. Antes, em rápido encontro com João Pedro, apontado como seu sucessor, confirmou que leria em plenário para justificar seu recuo. Ao começar o discurso, repetiu que queria sair do cargo e criticou o governo: — Meu sentimento mais profundo, a minha vontade neste momento é de deixar a liderança, porque não tivemos força para construir um caminho alternativo.

Esbarramos na maior bancada do Senado, que é o PMDB, que teve um papel fundamental nesse processo.

Esbarramos, infelizmente, no apoio que o meu governo e a direção do meu partido deram a essa resposta que foi dada e que não era a posição da nossa bancada, não foi nunca a minha posição — disse Mercadante, que começou o discurso dizendo-se frustrado por não ter encontrado uma alternativa para a crise. — Nunca aceitei o caminho fácil do prejulgamento, porque esse não é o caminho da democracia, ainda que seja mais fácil do ponto de vista eleitoral.

Ao fim da fala, voltou às críticas: — Esta Casa errou, o meu governo errou, o meu partido errou, nós erramos, eu errei, porque essa não é a solução que o Brasil espera e precisa. Só espero que aprendamos, sinceramente, com esses erros e sejamos capazes de construir novas descobertas.

O líder disse que teve com Lula uma conversa “franca, dura, sincera e profunda”. Interlocutores do presidente e colegas do Senado revelaram, porém, que a conversa, de mais de cinco horas, foi longe de ser emocional e afetuosa. Lula explodiu e derramou sua ira ao listar as situações embaraçosas que, segundo ele, o líder criou para o PT e o Planalto com a crise.

Mercadante disse que sua posição não era apenas pela governabilidade, mas pelo papel histórico do PT. Foi, então, que Lula teria argumentado que o Senado é o espaço mais difícil de luta política e que não teria como ter outra alternativa para o cargo.

— Mas não adianta dizer tudo isso para mim. Você tem que dizer isso publicamente.

Tem que formalizar o que está dizendo — teria cobrado Mercadante, na senha para a carta.

Lula, segundo assessores, disse que o episódio do Senado estava encerrado, e que ele não deveria ter voltado ao tema ao anunciar o discurso. E que, se Mercadante fosse à tribuna para deixar o posto, só serviria à oposição.

Disse que não pediria que o senador ficasse, já que ele contrariara sua recomendação de defender a permanência Sarney. O PT também ameaçou: alertou o líder de que correria o risco de perder a legenda para disputar a reeleição em 2010. A irritação no Planalto era tanta que já se trabalhava pela indicação de João Pedro para líder.

Mas o Planalto recebeu o recado de que o amazonense não seria eleito na bancada, até por ser suplente. O governo, então, também recuou e aceitou a permanência de Mercadante..

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