Uma das razões para a permanente crise em que vive o Congresso Nacional, afora as questões de decoro parlamentar e nepotismo, é a maneira como o governo encaminha os principais temas políticos, retirando os parlamentares da discussão da maioria deles. Ou o assunto é encaminhado através de medida provisória, ou discutido diretamente com as centrais sindicais e organizações da sociedade civil.
Lula já disse que é impossível governar sem medidas provisórias, e recentemente a pauta do Senado ficou travada por sete meses devido a medidas provisórias em excesso. A contabilização oficial mostra que o governo Lula tem editado uma média de mais de 4,5 medidas provisórias por mês, ultrapassando seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, que editou em oito anos 365, enquanto Lula já editara 345 até janeiro deste ano.
Mas é a negociação direta, ultrapassando a prerrogativa do Congresso, que traz mais prejuízos às relações institucionais, subvertendoas e enfraquecendo a representação parlamentar. As negociações fisiológicas tomam o lugar, então, dos debates programáticos.
A primeira tentativa foi usar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social para dar ao Congresso um “prato feito”, com as reformas estruturais como a previdenciária e até mesmo a política.
A reação foi imediata, e o CDES acabou se transformando no que nunca deveria ter deixado de ser, um conselho consultivo do governo, formado por representantes do empresariado, das centrais sindicais e da sociedade civil.
Outros assuntos, no entanto, são tratados de maneira terminativa diretamente entre o governo, as centrais sindicais e as ONGs, cabendo ao Congresso apenas ratificar as decisões.
Lula gaba-se de que “nunca desde que o Brasil foi descoberto as centrais sindicais foram tratadas como eu trato”.
E é verdade, só que esse tratamento excepcional é dado em detrimento do Congresso, que fica sem agenda para negociar com a sociedade que representa, e um bom exemplo é o aumento do salário mínimo.
O acordo que fixou que o aumento será dado com base em um índice que engloba a inflação do último ano, mais o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior, foi feito diretamente com as centrais sindicais.
Da mesma forma, o aumento dos aposentados que ganham mais de um salário mínimo, que ficou para o ano que vem, foi negociado com representantes dos aposentados e das centrais sindicais.
O pior é que essas negociações, na maioria das vezes, são uma farsa, com o governo combinando com os sindicatos o quanto pode dar, e os sindicatos fixando essas metas como reivindicações suas.
O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, exacerbou essa maneira de governar ao assinar recentemente portaria conjunta de sua pasta e do Ibama que dá às entidades sindicais de trabalhadores parcela de decisão no processo de licenciamento ambiental de um empreendimento empresarial.
A portaria — assinada durante o 10 oCongresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em São Paulo —, obriga os empreendedores a incluir no Estudo de Impacto Ambiental e no Relatório de Impacto Ambiental (Rima) capítulo específico sobre “alternativa de tecnologias limpas para reduzir os impactos na saúde do trabalhador e no meio ambiente, incluindo poluição térmica, sonora e emissões nocivas ao sistema respiratório”.
O mais recente embate entre o governo e as empresas privadas tem em sua raiz justamente a participação de ONGs e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) na rediscussão de toda a política nacional de comunicações.
A Conferência Nacional das Comunicações (Confecon) está sendo convocada pelo governo com a participação de organizações da sociedade civil, como Intervozes, FNDC, Pró-comunicação, a CUT e as representações de entidades empresariais.
Na impossibilidade de se chegar a um acordo sobre o escopo da conferência e, sobretudo, sobre o peso do voto de cada representação, seis das oito entidades empresariais saíram da Confecom: a Abert (de radiodifusores), Abranet (dos provedores), ABTA (das TVs por assinatura), Aner, Adjori e ANJ (da mídia impressa).
Curiosamente, um dos organizadores da Conferência é o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, que, na sua encarnação anterior como jornalista, teve um debate com o sociólogo Betinho, em junho de 1996, sobre o papel das ONGs.
Naquela ocasião, Franklin considerava “qualquer tentativa de contornar o Parlamento, ou de achar que se definem políticas públicas sem passar por ele, não é uma atitude democrática. Isso investiria contra a essência do Estado democrático, que é o voto”.
Para ele, havia o perigo de, “a pretexto de dar voz a esses interesses fragmentados, se criarem condições para que a vontade de pequenos grupos seja imposta, e o voto, base da democracia, acabe relativizado e deixado de lado.” A participação das ONGs nos conselhos, quando ultrapassa os limites de um simples grupo de pressão ou de assessoramento, é delicada, afirmava na ocasião Franklin Martins.
Ele dizia acreditar que “ao se apresentar como representante da sociedade civil e participar de reuniões com direito a voto, as ONGs negam o sistema representativo”.
E concluía seu pensamento: “Não vejo a menor autoridade para que falem em nome da sociedade. Quem fala em nome da sociedade é quem tem voto para isso”.
Hoje, essas afirmações soam como uma crítica à atuação do governo como um todo, e à sua especificamente.
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