BRASÍLIA - Lula foi explícito na quinta-feira: "Se a pessoa quer sair do partido, não está confortável, é direito da pessoa".
Um dia depois, metamorfoseou o pensamento numa carta de 235 palavras a Aloizio Mercadante. No texto, conclamou o petista a permanecer como líder no Senado: "Fique na liderança. Esse é um pedido sincero de um velho amigo".
O episódio mostra um presidente insincero ou numa crise de transtorno bipolar. Num dia, vale o ditado "a porta da rua é a serventia da casa". Depois, aparece o Lula bonzinho e contemporizador.
Com sua indignação seletiva, Mercadante acreditou no Lula epistolar. A carta presidencial fez o senador sepultar sua aflição pela absolvição de José Sarney.
Ontem, da tribuna do Senado, Mercadante usou um raciocínio helicoidal para revogar sua renúncia irrevogável anunciada por ele mesmo 24 horas antes.
Cinismo à parte, essa história é a superfície de um grande conchavo de bastidor. Cada um cumpre sua função. Lula simula desejar a manutenção de Mercadante como líder. É conveniente ter um vassalo nesse cargo, sempre pronto a ser humilhado quando necessário.
Mercadante surge como um Hamlet de província e suas dúvidas existenciais. Protagoniza cenas de teatrão stanislavskiano. Exala autocomiseração com seu andar macambúzio. O semblante triste faz o serviço para engambelar parte do eleitorado ingênuo ainda crente na ética defendida pelo senador no início de sua carreira.
Justiça seja feita, Mercadante não está só no papel de "petista ético traído" (sic). O senador Flávio Arns ganha o prêmio de melhor ator coadjuvante. Não há registro de repulsa de Arns quando o PT se lambuzava com o mensalão, dólares na cueca ou salvava Renan Calheiros.
Tudo somado, só com muita boa vontade para enxergar algo aproveitável na atual bancada petista.
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