Pelo menos uma coisa ficou clara nesta confusa cena política que se desenrola sem um fim previsível: a convocação da ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, através de uma manobra da oposição, e o recurso do PMDB para reabrir a representação contra o senador Arthur Virgílio na Comissão de Ética são provas de que não houve o tão temido acordo entre governo e oposição para deixar tudo como está. Pode ser até que tentem fazer mudanças à la Príncipe de Lampedusa, para que tudo continue na mesma. Mas mudanças serão feitas, e, se forem inócuas, haverá reação do eleitorado
Os senadores estão impressionados com a reação popular nesta crise do Senado, tendo que enfrentar desde comentários em aeroportos e ruas, além de muitas car tas e muitos mais e-mails e, sobretudo, a comunicação direta pelo Twitter, onde quase que a totalidade das mensagens contém exigências de rigor na apuração dos fatos e punição dos culpados.
A questão é que os culpados são praticamente todos, e temos em ação uma estrutura burocrática que dominou os subterrâneos do Senado por 15 anos, com a conivência de presidentes tanto do PMDB como do atual DEM, antigo PFL.
A nova enxurrada de decretos secretos, do tempo do falecido senador Antonio Carlos Magalhães, é apenas uma amostra do que ainda pode vir se os senadores não decidirem fazer uma reformulação profunda nos mecanismos de poder do Senado, dando o máximo de transparência aos atos e decisões.
A proposta do Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) de uma renúncia coletiva da Mesa do Senado, como forma de viabilizar uma nova eleição, é mais factível do que a da OAB, de renúncia coletiva dos senadores.
Seria uma maneira de fazer a retirada de Sarney da presidência sem transformálo no alvo único das medidas saneadoras, e uma garantia para o governo de que o tucano Marconi Perillo não assumiria a presidência na ausência de Sarney.
Quem trabalha no Senado não fala, mas há a percepção generalizada de que a crise não parou e ainda vai explodir, porque há um impressionante clima de belicosidade no ar.
Esse clima se reflete nas negociações políticas , tornando impossível um armistício , mesmo que existam senadores tentando essa ginástica. O líder do governo, Romero Jucá, já anunciou que haverá retaliação devido à convocação da ex-secretária Lina Vieira, e o palpite é que os governistas vão acatar o pedido do PMDB e reabrirão o processo contra o líder tucano, Arthur Virgílio.
Ao mesmo tempo, o PT tenta saídas alternativas para não se juntar à oposição na revisão do arquivamento das representações contra Sarney.
Se o PT não cumprir o acordo que seu líder de bancada, Aluizio Mercadante, fechou com a oposição, e ainda por cima se unir ao PMDB para rever a punição a Arthur Virgílio, é porque a pressão do Palácio do Planalto terá sido proporcional ao dano que poderá causar o depoimento de Lina Vieira na Comissão de Constituição e Justiça.
E qual seria a extensão desse dano? Se a ministra Dilma Rousseff tivesse confirmado a reunião, mas esclarecido que houvera um mal-entendido por parte de Lina Vieira, o dano seria pequeno — apenas a dúvida sobre por que uma chefe da Casa Civil tem que falar com a chefe da Receita Federal sobre um processo contra o filho de um senador.
Na época, Sarney não era nem candidato a presidente do Senado, mas já era o maior aliado político do governo.
O empenho do governo para impedir que a ex-secretária fosse à CPI da Petrobras falar sobre o episódio da manobra fiscal que a empresa fez para pagar menos imposto indica para a oposição que o governo estava mesmo era com receio desse assunto, e por isso a ministra Dilma Rousseff teria sido tão peremptória na negativa da reunião sozinha com Lina Vieira.
Para ela chegar ao ponto de negar a reunião, e para Lina, um quadro petista de dentro do governo, colocar em xeque o nome mais importante depois do presidente Lula, um palpite no Senado é que há algo muito mais grave por trás dessa reunião, possivelmente abrangendo a Petrobras, e o caso da família Sarney, que se tornou central hoje, teria sido acessório.
Ninguém sabe do que as duas trataram nesse encontro que a cada dia parece mais verossímil. Mas tem que ser nitroglicerina pura.
O paradoxo é que, em parte de modo pensado pelo próprio governo para não ter que pagar pedágio à base aliada a cada iniciativa, o Congresso ficou sem uma agenda, nada foi feito, mas o governo acabou dependendo cada vez mais do PMDB pelo apoio à candidatura de Dilma Rousseff, saída do bolso do colete do próprio Lula, que o PT engoliu a contragosto e de cuja eficácia a base aliada duvida cada vez mais.
Não foi à toa que o PV tirou da cartola a candidatura da senadora Marina Silva e o PSB insiste no deputado federal Ciro Gomes.
O crédito pela transformação da oposição se deve aos erros do governo, talvez pela soberba que tomou conta do presidente Lula, talvez pela agressividade arrogante da “tropa de choque”, que acha que pode resolver tudo na base da ameaça e da chantagem.
Mas também deveria ser dado a quem literalmente inventou a candidatura da senadora Marina Silva, que se transformou no famoso “fato novo” na política brasileira, capaz de mudar, pelo menos na teoria, o jogo sucessório.
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