Encerrou-se ontem uma história de 40 anos. Uma história que tem a cara do Brasil. Idas e vindas da política econômica de um lado; transferências de renda para setores com poder de pressão, de outro.
O Supremo Tribunal Federal por unanimidade decidiu que o crédito-prêmio de IPI, um arcaico e indecoroso subsídio aos exportadores, acabou em 1990. Um poderoso lobby foi derrotado.
O ministro Ricardo Lewandowski fez um voto claro e direto. “Douto”, como elogiou seu colega Celso de Mello, considerando que o subsídio aos exportadores havia acabado em 1990. Vários ministros disseram inclusive que ele foi extinto na verdade em 1983, mas idas e vindas da política econômica, da época, acabaram produzindo um emaranhado de decretos, portarias e normas que criam uma zona de sombra. Entrar na discussão sobre se foi 1983 ou 1990 seria entrar em matéria legal, infraconstitucional, já tratada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
E por que 1990? Porque a Constituição estabeleceu que estariam extintos todos os subsídios setoriais que não fossem confirmados em dois anos após a sua promulgação; ficando em vigor apenas os regionais. A discussão semântica de quem queria manter a farra do crédito-prêmio por mais tempo era que o setor exportador não é um setor. Os ministros consideraram que sim, é um setor. O ministro Marco Aurélio foi até ao Aurélio para mostrar que sim, setor é setor. O que o Constituinte queria resguardar era apenas o incentivo fiscal regional destinado a reduzir desigualdades do país.
Inúmeras empresas vinham se concedendo o crédito mesmo depois de ele estar extinto, usando o argumento de que o assunto estava em juízo e que havia muitas decisões já favoráveis.
Hoje, dizem que não têm como devolver esses créditos.
Foram imprudentes, deveriam ter esperado o julgamento, deveriam ter feito provisão.
Afinal, a Justiça não tinha dado a palavra final.
Para encurtar uma longa história, o crédito-prêmio dava aos exportadores um incentivo financeiro para exportar. Criado em 1969 por decreto do governo Costa e Silva era daquele velho tipo mesmo, de subsídio financeiro.
O que o procurador-geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Lucena Adams, explicou ontem na sua sustentação oral foi que o mecanismo não tem nada a ver com desoneração de exportações que todos os países fazem, e que é a devolução ao exportador do imposto pago na cadeia produtiva. Leis de 1996 e 2002, a chamada Lei Kandir, dão ao exportador até o ICMS. A confusão entre tax rebate, ou seja desoneração de exportações, e o subsídio financeiro para o exportador foi feita deliberadamente na esperança de que esse tosco e arcaico incentivo continuasse vigorando.
Nos debates dos últimos dias, muitos defensores dos exportadores disseram que as empresas iriam quebrar se o incentivo não fosse mantido em vigor até 2002, porque os exportadores teriam deixado de pagar inúmeros impostos durante anos, na expectativa de que o incentivo estava em vigor. E agora teriam que pagar o atrasado de uma vez, no meio de uma crise econômica.
Não é verdade. As jornalistas do “Valor Econômico” Marta Watanabe e Zínia Baeta fizeram um levantamento mostrando que várias empresas já tinham posto em provisão em seus balanços o dinheiro para o pagamento do imposto caso perdessem.
Inúmeras empresas nem entraram na Justiça. Várias entraram e não usaram o crédito.
Há situações variadas.
Conversei com o procuradorgeral Luís Adams, depois da decisão do Supremo, e ele disse que as empresas têm agora uma excelente oportunidade de renegociar todos esses débitos no novo Refis.
— Até novembro elas podem parcelar, ter o desconto de multas, para pagar os impostos devidos. As que provisionaram podem até ter lucro, porque usam o que foi provisionado (reservado no balanço), e vão pagar parceladamente.
O assunto havia chegado ao Congresso, e lá o lobby exportador conquistou aliados entre a base governista e a oposição. Foi pendurado um contrabando na MP que tratava do projeto Minha Casa Minha Vida para garantir que o incentivo vigorou até 2002. O projeto foi para a sanção presidencial. O presidente Lula escapou de ter que entrar em contradição, vetando o que sua base apoiara, ou aprovar um esqueleto que a Fazenda dizia poder chegar a R$ 288 bi.
O que mais me espantou neste caso foi o batalhão de defensores que os exportadores conseguiram mobilizar para defender um subsídio que, se estivesse em vigor, o Brasil enfrentaria imediatamente retaliação da Organização Mundial do Comércio (OMC), porque ele já era condenado na década de 1980. Para defender sobretudo o indefensável porque era uma forma explícita de transferência de renda para as grandes empresas.
Só dez empresas teriam créditos que chegavam a R$ 3,5 bilhões.
No julgamento, o Supremo não se deixou desviar por nenhum dos muitos sofismas criados durante toda a longa discussão desse processo e decidiu a favor dos interesses difusos, daqueles que não se organizam, que não contratam escritórios famosos nem grandes consultorias.
Decidiu a favor do erário, num caso em que o erário estava coberto de razão. O voto do relator foi direto ao ponto. Os outros ministros acompanharam o relator. Encerrouse a questão.
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