Quem tem por ofício fazer prognósticos eleitorais a 14 meses da disputa, coloca Minas Gerais como a maior incógnita de 2010. Uma eleição nunca é igual a outra, mas o comportamento eleitoral, visto pelo retrovisor, é, a esta altura dos acontecimentos, mais útil do que pesquisas de intenção de voto incensadas pelos interesses de ocasião.
A lupa sobre essa geografia do voto dá, em grande parte, razão ao peso do eleitorado mineiro. A ver: São Paulo tem 29 milhões de eleitores. O Nordeste, seis milhões a mais. No primeiro turno de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou com um pouco mais de um terço dos votos paulistas, enquanto no Nordeste colheu 66% dos votos. É lá que o lulismo espera continuar recuperando a desvantagem imposta por São Paulo.
Lula comeu poeira no Sul, mas respirou no Rio. A provável candidatura Fernando Gabeira tende a reforçar a oposição fluminense, ainda que a derrota do PT no Estado tenha acontecido uma única única vez, na avalanche do Real, em 1994.
Se a entrada da senadora Marina Silva (AC- sem partido), afeta todos os prognósticos, o faz mais marcadamente no Norte e Centro-Oeste, pelo peso do duelo ruralistas x ambientalistas nessas regiões, que têm exatamente o mesmo peso eleitoral e motivações que se confrontam.
Resta Minas, um eleitorado de 14 milhões, o segundo maior do país, com uma fatia de 10% do total. Lula ganhou no Estado tanto em 2002 quanto em 2006. Nesses mesmos anos, o governador Aécio Neves foi eleito e reeleito em primeiro turno com acachapantes votações. Esta será a primeira eleição em que o poder de transferência de votos de ambos será testado, considerando como tal o poder do ocupante de um cargo fazer seu sucessor.
O interesse do governador tucano em manter boas relações com o petismo presidencial é parte da explicação do voto lulécio - Lula presidente, Aécio governador - que prevaleceu nas duas últimas eleições.
Foi na esteira desse voto que o governador e o ex-prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT) aproximaram-se. Essa parceria, que culminou com a eleição, ainda que apertada, do prefeito da capital, Márcio Lacerda (PSB), tinha data marcada para acabar ou, pelo menos, para não ter mais uma versão ao vivo e em cores, como nas eleições de 2008.
A questão agora é saber para onde vai o voto lulécio. Oito entre dez mineiros, segundo pesquisa que circula no Palácio da Liberdade, continuam achando que Aécio será candidato a presidente. Professor da Universidade Federal de Minas Gerais, o cientista político Carlos Ranulfo, diz que essa crença só seria prejudicial ao governador José Serra, se Aécio viesse a passar a imagem de preterido. Com um acordo, aposta, esse sentimento de mineiridade traída tende a se dissipar, o que não significa que venha a cair, necessariamente, no colo de Serra.
O voto lulécio não está dissociado da eleição estadual. Ao contrário de Lula, que investe num plebiscito, Aécio quer pulverizar a disputa. Seu candidato, o vice-governador Antonio Anastasia, assim como Dilma, nunca foi testado nas urnas. Pode crescer, ainda que, em Minas, poucos apostem que Aécio, por causa de seu candidato, vá entrar em bate boca público com funcionário demitido.
Aécio estimula o ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB), a sair candidato, e ainda filiou o ex-presidente Itamar Franco no PPS como alternativa caso seus planos A e B fracassem.
O ministro larga na frente, como sói acontecer nas majoritárias que já disputou. Nas duas outras vezes, contra Eduardo Azeredo e Hélio Garcia, perdeu fôlego no final.
Resta o PT de Pimentel e Patrus Ananias, o ministro do Bolsa Família. O confronto se dará na disputa pela presidência estadual do partido em novembro. Pimentel, que tem um desempenho melhor nas pesquisas, costura por baixo com os candidatos proporcionais do PMDB, a quem interessa antes compor com uma coligação com o PT que bancar Hélio Costa.
Pimentel, que acompanhou Dilma Rousseff nas semanas em que a ministra esteve em tratamento em São Paulo, joga duro para fazer a maioria dos delegados eleitores da direção do PT estadual, que acontecerá em novembro e fará as vezes de uma prévia. Patrus tem sido incitado à disputa, mas não costuma entrar em bola dividida.
Lula e Aécio caminham para o fim de seus mandatos com patamares de popularidade igualmente estratosféricos em Minas. Nas eleições anteriores, nem Lula forçou a mão para eleger um petista governador nem Aécio comprou briga pelos candidatos tucanos à Presidência. A disputa de 2010 marca o fim da trégua. O que não significa, em se tratando de Minas Gerais, que venha por aí uma guerra.
Sobre a falta de decoro
A saída da senadora Marina Silva no mesmo dia em que o PT ajudou a sepultar as denúncias no Conselho de Ética é saudada ora como símbolo da esperteza da virtual candidata à Presidência da República ora como sinal dos descaminhos do partido governista. A probabilidade de as duas contingências estarem corretas não inibe a especulação de uma terceira: o arquivamento das denúncias, contra os senadores José Sarney (PMDB-AP) e Arthur Virgílio (PSDB-AM) acontece no mesmo momento em que a oposição consegue consagrar, na primeira página dos jornais, a estampa da ex-detentora de um dos cargos mais sujeitos a pressões da capital federal, a contestar a palavra da ministra mais importante da República.
O Palácio do Planalto precipitou-se em negar um encontro na ilusão de que a política se move pela lei do ônus da prova. A ex-secretária da Receita Lina Viera foi clara: não foi sua a iniciativa de informar o encontro com Dilma Rousseff, apenas confirmou sua existência ao ser questionada. O encontro foi o achado de uma oposição ameaçada pela pira que, acesa para assar um leitão, já ameaçava a pocilga inteira. O teor da conversa, como ficou claro pelo depoimento, é o que menos importa. Trata-se agora de colar na candidata do presidente a pecha de mentirosa. Como a absolvição de Sarney e Virgílio bem mostrou, não é pelo decoro que Brasília se move.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
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