Senador critica intromissão do Planalto no caso Sarney e diz que partido só pensa em 2010
De malas prontas para deixar o PT, o senador Flávio Arns (PR) fez ontem uma avaliação de seus oito anos no partido. Para ele, o PT se transformou com a necessidade de continuar no poder e hoje só enxerga um objetivo: a eleição presidencial de 2010. Arns entendeu como um rebaixamento o fato de senadores do partido terem sido obrigados pelo Planalto a votar pelo arquivamento das denúncias contra o senador José Sarney (PMDB-AP) no Conselho de Ética. Ligado aos movimentos sociais — Arns é sobrinho do cardeal-arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, e da coordenadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns —, ele também rebateu as críticas de petistas de que ele deixará o partido porque necessita de votos para renovar o mandato ano que vem.
E, em resposta ao presidente Lula, admitiu dificuldade de relacionamento com o governo nestes anos em questões administrativas. Mas diz que, agora, o problema é de princípios
O GLOBO: O presidente Lula disse que o senhor é um companheiro que tem seus valores, mas sempre foi muito encrencado com o PT. Esse é o motivo da sua saída do partido?
FLÁVIO ARNS: De fato houve muitas dificuldades no decorrer desses anos. Sempre fui muito crítico do relacionamento, não do partido, mas do Executivo, com a sociedade organizada. Sempre disse que havia uma falta de respeito, uma desqualificação, uma desvalorização com os movimentos sociais. Também não gosto de ficar devendo favores. Não tenho pessoa indicada em qualquer cargo do governo. Agora, o que a militância pensa de tudo isso é exatamente o que eu penso. O que existe é uma falta de sintonia entre as lideranças e a base.
Vários integrantes do PT dizem que o senhor estaria querendo faturar com críticas ao PT porque precisaria de votos para se reeleger.
FLÁVIO ARNS: É uma interpretação equivocada. Já esperava isso. Mas quando as pessoas de bem dizem isso, falo que o divisor de águas foi outro. Porque se não houvesse os votos dos senadores do PT, e particularmente a orientação do presidente do partido (Ricardo Berzoini), nós nem estaríamos discutindo o assunto. Houve ainda a supervisão do Palácio do Planalto para esse tipo de atitude. Dizer que estou saindo por causa de votos é absolutamente inverídico.
Mas não foi humilhante para a bancada votar obedecendo ao presidente Lula? Ou os petistas votaram por convicção pelo arquivamento das denúncias contra Sarney?
FLÁVIO ARNS: Eu penso que a bancada do PT foi desqualificada nesse episódio faz muito tempo. Quando fizemos a primeira reunião, decidindo pela investigação e pelo afastamento do presidente Sarney, a bancada foi chamada para um jantar no Palácio da Alvorada. O que saiu no dia seguinte foi que o presidente Lula havia enquadrado o presidente do PT. Na sequência, o ministro José Múcio (Relações Institucionais) desautorizou a posição da bancada, dizendo que essa era a opinião de um ou dois senadores do PT. Berzoini chamou a posição de Mercadante de infantil. A bancada está sendo humilhada.
Como o senhor avalia o fato de os senadores do PT terem sido obrigados a votar a favor de Sarney por determinação direta do Planalto?
Como o senhor avalia o fato de os senadores do PT terem sido obrigados a votar a favor de Sarney por determinação direta do Planalto?
FLÁVIO ARNS: Isso é um rebaixamento total e absoluto, em vários sentidos. Porque os senadores que votaram tinham, antes, elaborado e assinado um documento que pedia a investigação. Assinaram e não cumpriram. Além disso, houve uma interferência indevida de um poder em outro poder. O que mais me assusta nisso é que o PT tomou uma posição oficial como partido para o Brasil todo. Ultrapassou a bancada. Foi uma pressão enorme! Mas somos senadores e temos que estar acostumados com pressão.
Esse processo pode levar a uma debandada maior de quadros do PT?
FLÁVIO ARNS: Não tenho dúvida em relação a isso. O pior de tudo isso é esse comportamento da cúpula, sem sintonia com a base. Eu me sinto envergonhado. Mas a base também está envergonhada com o PT.
E do que o senhor mais se envergonha neste momento, depois de oito anos no partido?
FLÁVIO ARNS: O presidente falou que a minha relação com o PT era encrencada. Sempre considerei esses episódios como coisas administrativas. Mas agora, nessa crise, chegamos a conflitos de princípios. Ontem, o partido determinou que se fizesse o contrário do que todo mundo acha que deveria acontecer: a investigação. Então, eu me envergonho disso. É um princípio ético fundamental! Isso é que me decepcionou, porque agora não é mais uma questão burocrática. E como poderia chegar agora para as pessoas e explicar que estou no PT, mas que o partido fez isso? O PT se transformou. A proximidade do poder e a necessidade de continuar no poder, em muitas ocasiões, transformam e transtornam as pessoas. Isso faz uma espécie de viseira que você só enxerga um tipo de objetivo: 2010. E tudo tem que estar de acordo para conseguir esse objetivo. E aquilo que é importante numa caminhada para se atingir com dignidade o objetivo fica de lado
E do que o senhor mais se envergonha neste momento, depois de oito anos no partido?
FLÁVIO ARNS: O presidente falou que a minha relação com o PT era encrencada. Sempre considerei esses episódios como coisas administrativas. Mas agora, nessa crise, chegamos a conflitos de princípios. Ontem, o partido determinou que se fizesse o contrário do que todo mundo acha que deveria acontecer: a investigação. Então, eu me envergonho disso. É um princípio ético fundamental! Isso é que me decepcionou, porque agora não é mais uma questão burocrática. E como poderia chegar agora para as pessoas e explicar que estou no PT, mas que o partido fez isso? O PT se transformou. A proximidade do poder e a necessidade de continuar no poder, em muitas ocasiões, transformam e transtornam as pessoas. Isso faz uma espécie de viseira que você só enxerga um tipo de objetivo: 2010. E tudo tem que estar de acordo para conseguir esse objetivo. E aquilo que é importante numa caminhada para se atingir com dignidade o objetivo fica de lado
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