A procura de uma saída para o impasse em que as civilizações ocidental e oriental se encontram, exacerbado pelos ataques terroristas da Al Qaeda aos Estados Unidos, em 2001, continua sendo a principal motivação de diversos organismos internacionais, tais como a Aliança das Civilizações coordenada pela ONU, ou a Academia da Latinidade, que reúne há dez anos intelectuais do mundo latino e pretende ser uma ponte para o entendimento
O ex-presidente de Portugal Jorge Sampaio, nomeado alto representante da ONU para a Aliança das Civilizações, prefere falar em apenas uma civilização com diversas culturas que se confrontam.
Na XX reunião da Academia da Latinidade, que acontece no Cairo esta semana, procurou-se prever o que acontecerá além da “pós-laicidade”, no pressuposto de que já se atingiu esse ponto no relacionamento entre os dois mundos.
O ex-secretário-geral da ONU, o egípcio BoutrosBoutros Ghali, cristão copta, uma minoria significativa no país, ressaltou que o tema da conferência é muito atual, já que o Egito e o mundo árabe são confrontados com um choque identitário religioso, “um fundamentalismo agressivo exacerbado pela nova cruzada antiislâmica do mundo ocidental depois dos acontecimentos de 11 de Setembro em Nova York”.
Essa rejeição do outro, “apesar de que a revolução tecnológica nos aproxima, impõe aos nossos problemas uma visão global”, é uma posição anacrônica, na visão de Boutros-Ghali, como se as torres das igrejas e os minaretes fossem contrapostos aos satélites, e a certeza de que “a laicidade, esse fundamento da Declaração dos Direitos dos Homens será substituída por um retorno ao fanatismo, ao obscurantismo, à retomada das guerras de religião”.
Mas o ex-secretário-geral da ONU ainda acredita que, “num mundo cheio de perigos, a vontade superará o imobilismo, a esperança superará a resignação, o espírito de paz a recusa do outro”.
Para ele, esse conceito de pós-laicidade, como uma antevisão do que virá, pode ser a utopia que moverá o motor da História.
Também o presidente da Academia da Latinidade, o exdiretor-geral d a U n e s c o F e d e r i c o Mayor, ressaltou que a laicidade, “fundamento e condição da autêntica democracia”, não existe ainda na maioria dos casos, e por isso o tema da conferência é uma tentativa de avançar nesse campo ainda minado.
É o momento de grandes projetos para o futuro, com associações regionais que permitam estabelecer grandes acordos de cooperação entre Europa, África, América Latina e Liga Árabe.
Para Federico Mayor, a Europa tem que ter uma posição firme para forçar passos nesse sentido, como a normalização da co-habitação entre Israel e a Palestina .
“Diálogo em escala planetária no lugar da imposição, conversa em lugar da força”, pediu Mayor.
Uma das maneiras de superar essa situação, discutida na reunião e que já foi tema de outros encontros, é a adoção dos chamados “projetos de identidades regionais”, como a noção regi onalmediterrânea , que está sendo retomada pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy.
Essa “noção regional mediterrânea” seria uma maneira de integrar os muçulmanos no mundo europeu a partir da entrada da Turquia na Comunidade Europeia . Ou de aproximar o Marrocos de Portugal e Espanha.
A questão da uniã o mediterrânea foi abordada na reunião do Cairo pelo professor de filosofia François L’Yvonnet, segundo quem os debates em torno da questão têm como pano de fundo as disputas políticas sobre a entrada da Turquia na Comunidade Europeia.
“O Mediterrâneo não é um teatro neutro, é lugar de tensões inéditas. Não tem apenas um passado glorioso (...)”.
Do seu ponto de vista, o Mediterrâneo tem um futuro com o palco de uma “razão política”com uma importância cada vez menos geográfica e cada vez mais metafórica de “uma narração do possível”.
Embora seja uma visão profundamente europeia, e por isso mesmo deixe de lado conceitos mais modernos, como a importância maior que tem o Pacífico nas relações comerciais atuais e n t re o Ocidente e a Ásia, ela ganhou na reunião da Latinidade um reforço de peso na visão do sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, um defensor da ideia, que vê nela não apenas fatores geográficos e políticos, mas também poéticos.
Para conceber o Mediterrâneo, diz Morin em um dos seus textos sobre o tema, “é preciso conceber a uma só vez a unidade, a diversidade e as oposições; é preciso um pensamento que não seja linear, que abranja ao mesmo tempo complementaridades e antagonismos.
O Mediterrâneo é o mar da comunicação e do conflito, o mar dos politeístas e dos monoteístas, o mar do fanatismo e da tolerância, o mar onde o conflito (...) se tornou debate democrático e filosófico”.
Edgar Morin chama o Mediterrâneo em um de seus textos de “nossa ligação afetiva, místico, religioso” e faz um jogo de palavras em francês com “mer”(mar) e mère (mãe), que “através de tantas dores e misérias, de negações e injustiças, pode nos dar a alegria de sermos mediterrâneos (...) fonte de poesia vital”.
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