DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Alberto Carlos Almeida*
Nas eleições presidenciais os candidatos tratam de todos os temas. Isso é resultado de nossa estadolatria. Adoramos o Estado e ele é capaz, ou deveria ser, de resolver tudo: desde as coisas mais óbvias, como saúde e educação, até a prevenção de acidentes naturais como enchentes, organizar festas de réveillon e financiar cachorros guias de cegos.
Nos países desenvolvidos os governantes admitem que há limites, por exemplo, para lidar com os transtornos causados por nevascas. Simplesmente há o aviso da nevasca e a solicitação para que as pessoas não saiam de casa. No Brasil, por enquanto, e pensando somente nos transtornos e não nas tragédias, essa admissão de não-onipotência de nossos governantes é inviável. Assim todos os candidatos a todos os cargos no Brasil tratam de todos os assuntos e prometem resolver tudo, desde que, é claro, controlem os recursos necessários para isso.
Apesar da profusão de temas o eleitorado tem um grande motivo para escolher o presidente que o governará. O eleitor vê no presidente o facilitador de seu consumo. Na campanha de 1994 poucos de nós se recordam dos cinco temas representados por cada dedo da mão símbolo da campanha de Fernando Henrique. Mas todos se lembram que o Plano Real e a redução abrupta da inflação foi o principal tema da campanha. O motivo é simples: a redução da inflação aumentou a capacidade de consumo da maioria do eleitorado.
Em 1998 um pouco de esforço trará de volta para a nossa memória o desejo do eleitorado de, em meio a uma grave crise econômica mundial que atingia especificamente os países emergentes, não perder o que conquistara com a estabilização da moeda. O tema, portanto, foi: qual dos candidatos será o mais capaz de assegurar que não iremos andar para trás em nossa capacidade de compra, de consumo.
Em 2002 o tema foi outro, desemprego, e ele levava a outro resultado final, completamente oposto àquele experimentado nos últimos seis ou sete anos. O desemprego resultava na redução da capacidade de compra da população. Se em 1994 e em 1998 o eleitor chamou Fernando Henrique para lidar com a inflação, e ele fez isso com grande sucesso, em 2002 o problema era diferente e, por isso, a pessoa a ser chamada também seria diferente. Seria alguém que sempre lidou com emprego e salários e que sempre tratou da questão social. Cada pessoa é talhada, em função de sua imagem pública, para resolver problemas diferentes.
Quatro anos depois Lula foi reeleito. Aqueles que em 2005 pensavam que o tema seria o mensalão enganaram-se redondamente. Corrupção não tem impacto direto sobre a capacidade de consumo da população. O seu impacto é extremamente mediado por diversas circunstâncias e inúmeros fatores. Ao contrário, o Bolsa-Família tem impacto direto e imediato na capacidade de compra de quem o recebe e serve de sinalização, para quem não é beneficiário do programa, de que o governo cuida das pessoas e se preocupa com a população.
O grande tema de 2006 foram os programas sociais, com a sua vedete no carro abre-alas, o Bolsa-Família, e a consequência que tais programas têm: aumentam enormemente a capacidade de compra da população, ao menos na percepção da própria população.
Duvido que em 2010 quem prometer reduzir a inflação terá chance de ser eleito. A inflação de 2009, 4,3% foi a terceira menor desde 1980. Quem prometer reduzir o desemprego também não será eleito. A taxa média de desemprego de 2002, quando ele foi a principal questão da campanha, foi de 11,7%. A taxa média de desemprego de 2009 foi aproximadamente 30% menor do que em 2002: 8,1%.
Igualmente , o Bolsa-Família não será o tema de 2010. Creio que pelas mesmas razões que colocam a inflação fora do time de candidata a principal tema da campanha. O Bolsa-Família, na cabeça do eleitor, está consolidado. Para o eleitor o próximo presidente não ameaçará o Bolsa-Família porque isso seria contra ele próprio, presidente.
Há, para 2010, um tema latente junto ao eleitorado, um tema que já está presente, com muita força e que é ignorado pela elite brasileira. A população de todas as classes sociais, isso inclui os mais pobres, sabe que paga impostos, acha que os pobres é que realmente pagam impostos, considera-os elevados e gostaria que fossem reduzidos para poder comprar mais. No último ano e meio o governo contribuiu para reforçar essa percepção. Ele inadvertidamente e contra seu interesse educou a população ao reduzir o IPI de bens muito desejados.
Aliás, enganam-se os que acham que o povo não sabe que paga impostos, especificamente aqueles sobre os bens e serviços que compram. Com o passar dos anos a informação circulou e chegou a todos os brasileiros. Não se trata de uma informação neutra, a de que ele paga impostos, é algo que tem impacto em seu interesse imediato, em seu dia a dia, em sua capacidade de compra.
Essa informação chegou por meio da campanha contra a MP 232, da campanha contra a CPMF, do Impostômetro, das demissões de trabalhadores que acontecem todos os dias quando o patrão diz que está demitindo porque os impostos são altos, por meio da conta de luz, em função de propostas de trabalho sem carteira assinada com um salário mais elevado, etc. As pessoas sabem que pagam impostos. Pergunte a sua empregada se ela paga impostos ao comprar alimentos e bebidas, na conta de luz, ao comprar roupas, ao pagar a passagem de ônibus. Ela vai dizer que paga impostos e que compraria mais alimentos se os impostos fossem menores.
Em todos os países do mundo desenvolvido, clube para o qual o Brasil se sente cada vez mais preparado e autoconfiante para tomar parte, há pelo menos um grande partido político, um grande grupo político com seus respectivos líderes, que defende a redução de impostos com um discurso popular.
Fala-se de impostos publicamente no Brasil, mas os argumentos são para os empresários e para os políticos, tratam de competitividade mundial do Brasil, custos de produção, custo Brasil, etc. Não falam de alimentos, consumo e empregos. Estas sim questões que, devidamente conectadas aos impostos, mobilizam a grande maioria da população brasileira. Por que, afinal, ninguém fala de impostos elevados com um discurso popular? Cabe aos leitores a resposta.
*Alberto Carlos Almeida é cientista político e diretor do Instituto Análise
Alberto Carlos Almeida*
Nas eleições presidenciais os candidatos tratam de todos os temas. Isso é resultado de nossa estadolatria. Adoramos o Estado e ele é capaz, ou deveria ser, de resolver tudo: desde as coisas mais óbvias, como saúde e educação, até a prevenção de acidentes naturais como enchentes, organizar festas de réveillon e financiar cachorros guias de cegos.
Nos países desenvolvidos os governantes admitem que há limites, por exemplo, para lidar com os transtornos causados por nevascas. Simplesmente há o aviso da nevasca e a solicitação para que as pessoas não saiam de casa. No Brasil, por enquanto, e pensando somente nos transtornos e não nas tragédias, essa admissão de não-onipotência de nossos governantes é inviável. Assim todos os candidatos a todos os cargos no Brasil tratam de todos os assuntos e prometem resolver tudo, desde que, é claro, controlem os recursos necessários para isso.
Apesar da profusão de temas o eleitorado tem um grande motivo para escolher o presidente que o governará. O eleitor vê no presidente o facilitador de seu consumo. Na campanha de 1994 poucos de nós se recordam dos cinco temas representados por cada dedo da mão símbolo da campanha de Fernando Henrique. Mas todos se lembram que o Plano Real e a redução abrupta da inflação foi o principal tema da campanha. O motivo é simples: a redução da inflação aumentou a capacidade de consumo da maioria do eleitorado.
Em 1998 um pouco de esforço trará de volta para a nossa memória o desejo do eleitorado de, em meio a uma grave crise econômica mundial que atingia especificamente os países emergentes, não perder o que conquistara com a estabilização da moeda. O tema, portanto, foi: qual dos candidatos será o mais capaz de assegurar que não iremos andar para trás em nossa capacidade de compra, de consumo.
Em 2002 o tema foi outro, desemprego, e ele levava a outro resultado final, completamente oposto àquele experimentado nos últimos seis ou sete anos. O desemprego resultava na redução da capacidade de compra da população. Se em 1994 e em 1998 o eleitor chamou Fernando Henrique para lidar com a inflação, e ele fez isso com grande sucesso, em 2002 o problema era diferente e, por isso, a pessoa a ser chamada também seria diferente. Seria alguém que sempre lidou com emprego e salários e que sempre tratou da questão social. Cada pessoa é talhada, em função de sua imagem pública, para resolver problemas diferentes.
Quatro anos depois Lula foi reeleito. Aqueles que em 2005 pensavam que o tema seria o mensalão enganaram-se redondamente. Corrupção não tem impacto direto sobre a capacidade de consumo da população. O seu impacto é extremamente mediado por diversas circunstâncias e inúmeros fatores. Ao contrário, o Bolsa-Família tem impacto direto e imediato na capacidade de compra de quem o recebe e serve de sinalização, para quem não é beneficiário do programa, de que o governo cuida das pessoas e se preocupa com a população.
O grande tema de 2006 foram os programas sociais, com a sua vedete no carro abre-alas, o Bolsa-Família, e a consequência que tais programas têm: aumentam enormemente a capacidade de compra da população, ao menos na percepção da própria população.
Duvido que em 2010 quem prometer reduzir a inflação terá chance de ser eleito. A inflação de 2009, 4,3% foi a terceira menor desde 1980. Quem prometer reduzir o desemprego também não será eleito. A taxa média de desemprego de 2002, quando ele foi a principal questão da campanha, foi de 11,7%. A taxa média de desemprego de 2009 foi aproximadamente 30% menor do que em 2002: 8,1%.
Igualmente , o Bolsa-Família não será o tema de 2010. Creio que pelas mesmas razões que colocam a inflação fora do time de candidata a principal tema da campanha. O Bolsa-Família, na cabeça do eleitor, está consolidado. Para o eleitor o próximo presidente não ameaçará o Bolsa-Família porque isso seria contra ele próprio, presidente.
Há, para 2010, um tema latente junto ao eleitorado, um tema que já está presente, com muita força e que é ignorado pela elite brasileira. A população de todas as classes sociais, isso inclui os mais pobres, sabe que paga impostos, acha que os pobres é que realmente pagam impostos, considera-os elevados e gostaria que fossem reduzidos para poder comprar mais. No último ano e meio o governo contribuiu para reforçar essa percepção. Ele inadvertidamente e contra seu interesse educou a população ao reduzir o IPI de bens muito desejados.
Aliás, enganam-se os que acham que o povo não sabe que paga impostos, especificamente aqueles sobre os bens e serviços que compram. Com o passar dos anos a informação circulou e chegou a todos os brasileiros. Não se trata de uma informação neutra, a de que ele paga impostos, é algo que tem impacto em seu interesse imediato, em seu dia a dia, em sua capacidade de compra.
Essa informação chegou por meio da campanha contra a MP 232, da campanha contra a CPMF, do Impostômetro, das demissões de trabalhadores que acontecem todos os dias quando o patrão diz que está demitindo porque os impostos são altos, por meio da conta de luz, em função de propostas de trabalho sem carteira assinada com um salário mais elevado, etc. As pessoas sabem que pagam impostos. Pergunte a sua empregada se ela paga impostos ao comprar alimentos e bebidas, na conta de luz, ao comprar roupas, ao pagar a passagem de ônibus. Ela vai dizer que paga impostos e que compraria mais alimentos se os impostos fossem menores.
Em todos os países do mundo desenvolvido, clube para o qual o Brasil se sente cada vez mais preparado e autoconfiante para tomar parte, há pelo menos um grande partido político, um grande grupo político com seus respectivos líderes, que defende a redução de impostos com um discurso popular.
Fala-se de impostos publicamente no Brasil, mas os argumentos são para os empresários e para os políticos, tratam de competitividade mundial do Brasil, custos de produção, custo Brasil, etc. Não falam de alimentos, consumo e empregos. Estas sim questões que, devidamente conectadas aos impostos, mobilizam a grande maioria da população brasileira. Por que, afinal, ninguém fala de impostos elevados com um discurso popular? Cabe aos leitores a resposta.
*Alberto Carlos Almeida é cientista político e diretor do Instituto Análise
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