DEU NO VALOR ECONÔMICO
As turras das últimas semanas no embate entre governo e oposição revelaram dois movimentos distintos, porém conexos, da luta eleitoral - que ganhou grande impulso neste início de ano. O primeiro desses movimentos foi expresso pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu artigo de 7 de fevereiro, emblematicamente intitulado "Sem medo do passado" (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100207/not_imp507564,0.php). O significado primeiro, mas menos importante, desse movimento é a necessidade do próprio ex-presidente de defender sua administração, já que nas últimas eleições presidenciais as campanhas do PSDB raramente o fizeram. Talvez a única exceção a esta postura dissimulada tenha sido o pleito de 1998, quando obviamente não havia outra opção, já que Fernando Henrique ele mesmo era candidato e ainda contava com grande apoio popular - ao ponto de reeleger-se no primeiro turno. Na campanha de 2002, José Serra portou-se como um bem-sucedido ex-ministro da Saúde (sabe-se lá de quem...) que nada tinha a ver com o desemprego e, no pleito de 2006, Geraldo Alckmin caiu na arapuca do debate sobre as privatizações, esquivando-se de defender a política adotada por seu partido quando na Presidência.
O significado secundário da defesa do governo FHC é a aceitação do inevitável. Não há como o candidato de um partido fingir que nada tem com ele e com seu passado - sobretudo se for um passado recente. De duas, ao menos uma: ou o postulante à chefia do Executivo defende ardorosamente tudo o que foi feito pelo governo de seus correligionários, ou faz uma humilde autocrítica do que não deu certo, ressalvando, porém, o que houve de bom. O que não funciona é fingir nada ter a ver com uma vinculação que o eleitor pode claramente identificar - sobretudo se contar com o prestimoso auxílio dos adversários eleitorais. E se esses adversários enxergarem na promoção da lembrança do vínculo uma estratégia de alavancagem das preferências do eleitorado, daí então é que a tática dissimuladora tende a não funcionar mesmo. Portanto, na tentativa de combinar atitudes aparentemente opostas e dar consistência política à máxima popular de que "a melhor defesa é o ataque", estrategicamente faz sentido a opção pelo ataque na comparação dos governos, sem receios de defender as ações passadas. A questão é saber como calibrar esse ataque - se enfatizando uma defesa ardorosa, ou se também realizando mea-culpas.
Há, contudo, um segundo movimento em curso nas ações da oposição, que tiveram no senador Sérgio Guerra, presidente do PSDB, o seu deflagrador. Trata-se da estratégia de alvejar a candidata situacionista com ataques que vulnerabilizem-na em termos pessoais - não no sentido de revelar aspectos de sua vida privada, mas de questionar a competência dela, como pessoa, para exercer cargos de responsabilidade governamental. O estopim desse movimento foi a nota emitida pelo partido em 20 de janeiro, quando Sérgio Guerra acusou a ministra-chefe da Casa Civil de mentirosa (usou o verbo mentir 11 vezes, como apontou o Valor de 21 de janeiro) e "dissimulada", além de afirmar que a ministra transferia responsabilidades, omitia dados, assumia a autoria de obras alheias, escondia seus fracassos, escondera-se após o apagão, não sabia o que dizer etc. Finalizava com a seguinte afirmação: "Está claro, portanto, que mentir, omitir, esconder-se, dissimular e transferir responsabilidades são a base do discurso de Dilma Rousseff. Mas, ao contrário do que ela pensa, o Brasil não é um país de bobos".
Após as respostas ásperas das lideranças petistas, inclusive do próprio presidente Lula, ao senador Sérgio Guerra, esse movimento de ataques à candidata teve continuidade com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que afirmou ser ela um "boneco de ventríloquo", que não "inspira confiança" e que não se trata de uma liderança, mas "do reflexo de um líder" - no caso, o presidente da República. Ora, alguém com tais atributos certamente não teria condições de ocupar a chefia de governo e de Estado no país. Os ataques assumiram o tom mais áspero - e, pode-se dizer, com tonalidades machistas - nas palavras do senador Tasso Jereissati. Para o político cearense, Dilma Rousseff seria uma "liderança de silicone: bonita por fora, mas falsa por dentro. Sem dúvida nenhuma precisa ser desmascarada adequadamente".
Essa aparente estratégia de dirigir os ataques à pessoa da candidata tem uma explicação. Num cenário em que as comparações com o governo Lula e as críticas ao próprio presidente da República parecem bastante desfavoráveis à oposição, tendo em vista os índices de aprovação popular tanto da administração como de seu chefe, torna-se difícil desqualificar a candidatura governista por críticas que se dirijam à continuidade da gestão. Neste terreno, a vantagem no momento é claramente do campo situacionista. Em função disto, as críticas mais produtivas são - em princípio - aquelas que apontam para uma solução de continuidade, ou ao menos para a revelação de que a suposta continuidade da candidatura governista é um engodo, já que a candidata do governo não possuiria o estofo necessário para tanto. Se for uma liderança fraca (ou mesmo falsa), se for moralmente inepta (pois que mente), se for uma marionete nas mãos de outros, então não serve. Esta parece ser a estratégia que vem sendo adotada nas hostes oposicionistas.
O risco de tal estratégia é incorrer na deselegância (como na referência ao silicone), ou não conseguir fazer com que o eleitor distinga as críticas propriamente políticas - à capacidade político-administrativa de Dilma - dos tão rejeitados ataques meramente pessoais. Andar neste fio de navalha é inevitável quando se faz a opção pelo uso do fator pessoal como elemento de campanha - mas a oposição não parece ter muitas outras alternativas.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP. A titular da coluna, Maria Inês Nassif, está em férias
As turras das últimas semanas no embate entre governo e oposição revelaram dois movimentos distintos, porém conexos, da luta eleitoral - que ganhou grande impulso neste início de ano. O primeiro desses movimentos foi expresso pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu artigo de 7 de fevereiro, emblematicamente intitulado "Sem medo do passado" (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100207/not_imp507564,0.php). O significado primeiro, mas menos importante, desse movimento é a necessidade do próprio ex-presidente de defender sua administração, já que nas últimas eleições presidenciais as campanhas do PSDB raramente o fizeram. Talvez a única exceção a esta postura dissimulada tenha sido o pleito de 1998, quando obviamente não havia outra opção, já que Fernando Henrique ele mesmo era candidato e ainda contava com grande apoio popular - ao ponto de reeleger-se no primeiro turno. Na campanha de 2002, José Serra portou-se como um bem-sucedido ex-ministro da Saúde (sabe-se lá de quem...) que nada tinha a ver com o desemprego e, no pleito de 2006, Geraldo Alckmin caiu na arapuca do debate sobre as privatizações, esquivando-se de defender a política adotada por seu partido quando na Presidência.
O significado secundário da defesa do governo FHC é a aceitação do inevitável. Não há como o candidato de um partido fingir que nada tem com ele e com seu passado - sobretudo se for um passado recente. De duas, ao menos uma: ou o postulante à chefia do Executivo defende ardorosamente tudo o que foi feito pelo governo de seus correligionários, ou faz uma humilde autocrítica do que não deu certo, ressalvando, porém, o que houve de bom. O que não funciona é fingir nada ter a ver com uma vinculação que o eleitor pode claramente identificar - sobretudo se contar com o prestimoso auxílio dos adversários eleitorais. E se esses adversários enxergarem na promoção da lembrança do vínculo uma estratégia de alavancagem das preferências do eleitorado, daí então é que a tática dissimuladora tende a não funcionar mesmo. Portanto, na tentativa de combinar atitudes aparentemente opostas e dar consistência política à máxima popular de que "a melhor defesa é o ataque", estrategicamente faz sentido a opção pelo ataque na comparação dos governos, sem receios de defender as ações passadas. A questão é saber como calibrar esse ataque - se enfatizando uma defesa ardorosa, ou se também realizando mea-culpas.
Há, contudo, um segundo movimento em curso nas ações da oposição, que tiveram no senador Sérgio Guerra, presidente do PSDB, o seu deflagrador. Trata-se da estratégia de alvejar a candidata situacionista com ataques que vulnerabilizem-na em termos pessoais - não no sentido de revelar aspectos de sua vida privada, mas de questionar a competência dela, como pessoa, para exercer cargos de responsabilidade governamental. O estopim desse movimento foi a nota emitida pelo partido em 20 de janeiro, quando Sérgio Guerra acusou a ministra-chefe da Casa Civil de mentirosa (usou o verbo mentir 11 vezes, como apontou o Valor de 21 de janeiro) e "dissimulada", além de afirmar que a ministra transferia responsabilidades, omitia dados, assumia a autoria de obras alheias, escondia seus fracassos, escondera-se após o apagão, não sabia o que dizer etc. Finalizava com a seguinte afirmação: "Está claro, portanto, que mentir, omitir, esconder-se, dissimular e transferir responsabilidades são a base do discurso de Dilma Rousseff. Mas, ao contrário do que ela pensa, o Brasil não é um país de bobos".
Após as respostas ásperas das lideranças petistas, inclusive do próprio presidente Lula, ao senador Sérgio Guerra, esse movimento de ataques à candidata teve continuidade com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que afirmou ser ela um "boneco de ventríloquo", que não "inspira confiança" e que não se trata de uma liderança, mas "do reflexo de um líder" - no caso, o presidente da República. Ora, alguém com tais atributos certamente não teria condições de ocupar a chefia de governo e de Estado no país. Os ataques assumiram o tom mais áspero - e, pode-se dizer, com tonalidades machistas - nas palavras do senador Tasso Jereissati. Para o político cearense, Dilma Rousseff seria uma "liderança de silicone: bonita por fora, mas falsa por dentro. Sem dúvida nenhuma precisa ser desmascarada adequadamente".
Essa aparente estratégia de dirigir os ataques à pessoa da candidata tem uma explicação. Num cenário em que as comparações com o governo Lula e as críticas ao próprio presidente da República parecem bastante desfavoráveis à oposição, tendo em vista os índices de aprovação popular tanto da administração como de seu chefe, torna-se difícil desqualificar a candidatura governista por críticas que se dirijam à continuidade da gestão. Neste terreno, a vantagem no momento é claramente do campo situacionista. Em função disto, as críticas mais produtivas são - em princípio - aquelas que apontam para uma solução de continuidade, ou ao menos para a revelação de que a suposta continuidade da candidatura governista é um engodo, já que a candidata do governo não possuiria o estofo necessário para tanto. Se for uma liderança fraca (ou mesmo falsa), se for moralmente inepta (pois que mente), se for uma marionete nas mãos de outros, então não serve. Esta parece ser a estratégia que vem sendo adotada nas hostes oposicionistas.
O risco de tal estratégia é incorrer na deselegância (como na referência ao silicone), ou não conseguir fazer com que o eleitor distinga as críticas propriamente políticas - à capacidade político-administrativa de Dilma - dos tão rejeitados ataques meramente pessoais. Andar neste fio de navalha é inevitável quando se faz a opção pelo uso do fator pessoal como elemento de campanha - mas a oposição não parece ter muitas outras alternativas.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP. A titular da coluna, Maria Inês Nassif, está em férias
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