DEU EM O GLOBO
A pesquisa que a Fundação Getulio Vargas divulgou ontem mostrando que os efeitos da crise financeira internacional frearam a mobilidade social que o país vinha desenvolvendo nos últimos anos revela também a fragilidade do processo de inclusão social na base do consumo popular, fomentado pelos programas assistencialistas e o aumento do salário mínimo.
O avanço permanente desde 2004 da classe média foi paralisado pela crise, fazendo com que a classe C — famílias com renda de R$ 1.115 a R$ 4.807 — permanecesse praticamente no mesmo patamar de dezembro de 2008 a dezembro de 2009: representava 53,58%, uma queda de 0,4% no período.
O crescimento da “nova classe média”, no entanto, continua formidável. Em dezembro de 2003, a classe C representava 42,99% do total da população.
A notícia boa é que a recuperação, tanto da classe AB — que cresceu 2% — quanto das demais, ocorreu no mesmo ano da crise, recuperando perdas que foram mais sensíveis no último trimestre de 2008 e no primeiro semestre de 2009.
No trabalho da Fundação Getulio Vargas há uma parte dedicada para prospecções dos próximos quatro anos, até 2014, período do futuro mandato presidencial pós-Lula.
Embora otimista, o trabalho não se alinha a um outro, divulgado meses atrás pelo Ipea, que previa o fim da pobreza no país nos próximos anos.
O economista Marcelo Neri, coordenador do trabalho, acredita que seja possível reduzir a pobreza pela metade nesse período, caindo de 16,02% da população para 7,96% em 2015, com a seguinte previsão por classes sociais: queda da classe D d e 24,35% para 19,9%; aumento da classe C para 56,48%; e aumento da classe AB de nada menos que 50%, passando a representar 15,66% da população.
Marcelo Neri reforça a constatação de que se a pobreza cai pela metade, a classe AB dobra. Com esses números, cerca de 2,6 milhões de cidadãos seriam incorporados ao mercado consumidor, somando um total de 36 milhões de brasileiros a mais na classe média desde 2003.
Esse cenário de longo prazo, se analisado apenas pelo ano de 2010, traria números excelentes para o governo em pleno ano eleitoral, segundo a previsão de Neri. A pobreza cairia 10% este ano, por exemplo.
Na sua análise, Neri não vê fatores restritivos à expansão da economia em curto prazo, prevendo que a redução generalizada de estoques em 2009 mostra que os empresários temeram uma recessão pior do que a ocorrida, e isso terá um efeito expansionista neste ano, assim como a retomada dos empregos ajudará a fortalecer o mercado interno.
Além de todos os efeitos econômicos, inclusive os estatísticos que ajudarão a aumentar o PIB de 2010, o economista Marcelo Neri vê uma razão bastante pragmática para prever um bom ano: “Se 2010 seguir a tradição de todos os anos eleitorais da nova democracia brasileira, há que se esperar ganho em todas as fontes de renda e nas transferências públicas em particular”, comenta ele.
A importância política dessa recuperação é fundamental para os planos do governo de eleger como sucessora a ministra Dilma Roussef. O cientista político e ex-porta-voz de Lula André Singer, professor da USP, já havia divulgado um trabalho em que definia o lulismo como baseado no subproletariado beneficiado pelos programas assistencialistas do governo e pelo aumento do salário mínimo dentro da lógica conservadora, “que identificou no governo um fiador da estabilidade econômica e garantidor de sua nova situação financeira”.
Na definição do sociólogo mineiro Rudá Ricci, que está lançando o livro “Lulismo, Da Era dos Movimentos Sociais à ascensão da Nova Classe Média Brasileira”, o surgimento dessa nova classe “é o fenômeno sociológico mais significativo por que passou o país na primeira década do século XXI e que formatou o lulismo enquanto programa de modernização e gerenciamento político”.
Mas ele constata que a inserção se deu “pelo consumo e não pelas práticas políticas ou sociais”.
Ele não vê o lulismo como a volta do populismo clássico, mas “como um novo processo de inclusão social a partir do Estado como tradutor dos interesses sociais desorganizados”.
Para ele, “o fato relevante é que o lulismo gerou e se alimenta da emergência da nova classe média brasileira”. Segundo o sociólogo, essa mobilidade social dá sentido ao estilo discursivo e ao projeto estataldesenvolvimentista do governo.
“Lula fala para esta nova classe média, milhões de brasileiros que rompem com histórias familiares de exclusão do consumo de massas”.
Os componentes dessa nova classe, que durante o pico da crise internacional teve redução sensível na sua composição, especialmente devido ao desemprego, são, segundo Rudá Ricci, “brasileiros pragmáticos como o lulismo.
Não são afetos a teorias ou ideologias. São descrentes da política.
Seus vínculos sociais são comunitários, muitas vezes familiares”.
Esse pragmatismo e o conservadorismo da nova classe, identificados pelos dois cientistas políticos, podem representar também uma armadilha para a candidatura oficial.
Se esse eleitorado, teoricamente cativo do “lulismo”, não sentir na candidata oficial a melhor garantia de continuidade, abre-se campo para outros candidatos, que explorarão a inexperiência da ministra Dilma e as posições mais à esquerda que seu programa de governo sinaliza.
A pesquisa que a Fundação Getulio Vargas divulgou ontem mostrando que os efeitos da crise financeira internacional frearam a mobilidade social que o país vinha desenvolvendo nos últimos anos revela também a fragilidade do processo de inclusão social na base do consumo popular, fomentado pelos programas assistencialistas e o aumento do salário mínimo.
O avanço permanente desde 2004 da classe média foi paralisado pela crise, fazendo com que a classe C — famílias com renda de R$ 1.115 a R$ 4.807 — permanecesse praticamente no mesmo patamar de dezembro de 2008 a dezembro de 2009: representava 53,58%, uma queda de 0,4% no período.
O crescimento da “nova classe média”, no entanto, continua formidável. Em dezembro de 2003, a classe C representava 42,99% do total da população.
A notícia boa é que a recuperação, tanto da classe AB — que cresceu 2% — quanto das demais, ocorreu no mesmo ano da crise, recuperando perdas que foram mais sensíveis no último trimestre de 2008 e no primeiro semestre de 2009.
No trabalho da Fundação Getulio Vargas há uma parte dedicada para prospecções dos próximos quatro anos, até 2014, período do futuro mandato presidencial pós-Lula.
Embora otimista, o trabalho não se alinha a um outro, divulgado meses atrás pelo Ipea, que previa o fim da pobreza no país nos próximos anos.
O economista Marcelo Neri, coordenador do trabalho, acredita que seja possível reduzir a pobreza pela metade nesse período, caindo de 16,02% da população para 7,96% em 2015, com a seguinte previsão por classes sociais: queda da classe D d e 24,35% para 19,9%; aumento da classe C para 56,48%; e aumento da classe AB de nada menos que 50%, passando a representar 15,66% da população.
Marcelo Neri reforça a constatação de que se a pobreza cai pela metade, a classe AB dobra. Com esses números, cerca de 2,6 milhões de cidadãos seriam incorporados ao mercado consumidor, somando um total de 36 milhões de brasileiros a mais na classe média desde 2003.
Esse cenário de longo prazo, se analisado apenas pelo ano de 2010, traria números excelentes para o governo em pleno ano eleitoral, segundo a previsão de Neri. A pobreza cairia 10% este ano, por exemplo.
Na sua análise, Neri não vê fatores restritivos à expansão da economia em curto prazo, prevendo que a redução generalizada de estoques em 2009 mostra que os empresários temeram uma recessão pior do que a ocorrida, e isso terá um efeito expansionista neste ano, assim como a retomada dos empregos ajudará a fortalecer o mercado interno.
Além de todos os efeitos econômicos, inclusive os estatísticos que ajudarão a aumentar o PIB de 2010, o economista Marcelo Neri vê uma razão bastante pragmática para prever um bom ano: “Se 2010 seguir a tradição de todos os anos eleitorais da nova democracia brasileira, há que se esperar ganho em todas as fontes de renda e nas transferências públicas em particular”, comenta ele.
A importância política dessa recuperação é fundamental para os planos do governo de eleger como sucessora a ministra Dilma Roussef. O cientista político e ex-porta-voz de Lula André Singer, professor da USP, já havia divulgado um trabalho em que definia o lulismo como baseado no subproletariado beneficiado pelos programas assistencialistas do governo e pelo aumento do salário mínimo dentro da lógica conservadora, “que identificou no governo um fiador da estabilidade econômica e garantidor de sua nova situação financeira”.
Na definição do sociólogo mineiro Rudá Ricci, que está lançando o livro “Lulismo, Da Era dos Movimentos Sociais à ascensão da Nova Classe Média Brasileira”, o surgimento dessa nova classe “é o fenômeno sociológico mais significativo por que passou o país na primeira década do século XXI e que formatou o lulismo enquanto programa de modernização e gerenciamento político”.
Mas ele constata que a inserção se deu “pelo consumo e não pelas práticas políticas ou sociais”.
Ele não vê o lulismo como a volta do populismo clássico, mas “como um novo processo de inclusão social a partir do Estado como tradutor dos interesses sociais desorganizados”.
Para ele, “o fato relevante é que o lulismo gerou e se alimenta da emergência da nova classe média brasileira”. Segundo o sociólogo, essa mobilidade social dá sentido ao estilo discursivo e ao projeto estataldesenvolvimentista do governo.
“Lula fala para esta nova classe média, milhões de brasileiros que rompem com histórias familiares de exclusão do consumo de massas”.
Os componentes dessa nova classe, que durante o pico da crise internacional teve redução sensível na sua composição, especialmente devido ao desemprego, são, segundo Rudá Ricci, “brasileiros pragmáticos como o lulismo.
Não são afetos a teorias ou ideologias. São descrentes da política.
Seus vínculos sociais são comunitários, muitas vezes familiares”.
Esse pragmatismo e o conservadorismo da nova classe, identificados pelos dois cientistas políticos, podem representar também uma armadilha para a candidatura oficial.
Se esse eleitorado, teoricamente cativo do “lulismo”, não sentir na candidata oficial a melhor garantia de continuidade, abre-se campo para outros candidatos, que explorarão a inexperiência da ministra Dilma e as posições mais à esquerda que seu programa de governo sinaliza.
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