DEU EM O GLOBO
A ruidosa licitação da usina de Belo Monte permite perceber com clareza em que, afinal, redundou a reforma do setor elétrico comandada nos últimos sete anos pela ex-ministra Dilma Rousseff. Para assegurar a expansão da oferta de energia, o governo se vê agora obrigado a aplicar doses maciças e crescentes de dinheiro público em cada novo projeto de investimento.
Quando assumiu o Ministério de Minas e Energia em 2003, Dilma Rousseff anunciou que seu objetivo fundamental, na remodelagem do setor elétrico, era garantir a modicidade tarifária. Objetivo mais que defensável. O desafio estava em remover entraves à expansão da oferta de energia e estabelecer regras e práticas de regulação bem concebidas, capazes de reduzir a incerteza regulatória e atrair sólido fluxo de investimento para o setor. Não há melhor forma de assegurar tarifas módicas do que manter ambiente propício à expansão da oferta de energia, em compasso com o crescimento da demanda.
Infelizmente, não foi esse o programa de ação escolhido pela ministra.
A proposta que apresentou em meados de 2003 deixou o setor elétrico horrorizado. Entre “pontos inegociáveis” e delírios voluntaristas, o documento que veio a público mostrava total descaso por incentivos e riscos que condicionam decisões de investimento no setor. Foi preciso bem mais de um ano para que, com ajuda de especialistas de fora do governo, o documento inicial fosse convertido em algo que servisse de base para uma proposta menos rudimentar de reforma do setor elétrico.
Mas o vezo voluntarista e o desprezo por forças de mercado que marcaram a formulação da proposta original jamais puderam ser completamente eliminados. E afloraram agora, de forma clara, na licitação da usina de Belo Monte.
A preocupação central com a modicidade tarifária permanece. O problema é que, sem poder contar com um ambiente de investimento que engendre tarifas módicas de forma natural, o governo vem tentando assegurar a modicidade tarifária na marra, despejando nas novas usinas todo o dinheiro público que para isso for necessário.
O ponto de partida em Belo Monte foi um esquema de financiamento que permitisse fixar em nível arbitrariamente baixo a tarifa máxima que poderá ser exigida na licitação. Feito o orçamento preliminar do projeto, constatou-se que tarifa tão baixa só seria viável se 49% dos investimentos fossem bancados pela Eletrobrás, que se contentaria com uma remuneração “patriótica” dos recursos investidos.
Na verdade a Eletrobrás nem conta com tais recursos. A empresa terá de ser capitalizada pelo Tesouro, direta ou indiretamente, através do BNDES, com fundos advindos de emissão de dívida pública. Só assim a Eletrobrás poderá se mostrar tão “patriótica” quanto se espera.
Como o orçamento inicial estava excessivamente irrealista, a tarifa máxima teve de ser elevada. Contudo, mesmo essa tarifa mais alta vem sendo considerada insuficiente por investidores que poderiam ter interesse na licitação de Belo Monte. Em face das reclamações, o natural seria que o governo elevasse mais uma vez a tarifa máxima ou, confiante nas suas contas, se recusasse a alterá-la, fazendo ouvidos moucos a investidores insatisfeitos.
Mas o que o governo tem feito é algo bem diferente. Tacitamente, reconhece que a nova tarifa máxima é insuficiente.
Mas se recusa a elevá-la.
Prefere despejar mais dinheiro público no projeto. Dispõe-se a financiar 70% da usina, pelo BNDES, em 30 anos, a juros de 4%. Obriga fundos de pensão a entrar no projeto com recursos que não são públicos, mas que o governo trata como se fossem.
E, por fim, temendo que tudo isso ainda seja insuficiente, considera o desatino de isentar de impostos os lucros auferidos no projeto, como já fez nas usinas do Rio Madeira.
Salta aos olhos que há algo de profundamente errado em tudo isso. Ao fim e ao cabo, o que se vê é a modicidade tarifária viabilizada por gigantesco e demagógico programa de subsídio à energia elétrica, bancado por recursos públicos que poderiam ter utilização alternativa incomparavelmente mais nobre.
Rogério Furquim Werneck é economista
A ruidosa licitação da usina de Belo Monte permite perceber com clareza em que, afinal, redundou a reforma do setor elétrico comandada nos últimos sete anos pela ex-ministra Dilma Rousseff. Para assegurar a expansão da oferta de energia, o governo se vê agora obrigado a aplicar doses maciças e crescentes de dinheiro público em cada novo projeto de investimento.
Quando assumiu o Ministério de Minas e Energia em 2003, Dilma Rousseff anunciou que seu objetivo fundamental, na remodelagem do setor elétrico, era garantir a modicidade tarifária. Objetivo mais que defensável. O desafio estava em remover entraves à expansão da oferta de energia e estabelecer regras e práticas de regulação bem concebidas, capazes de reduzir a incerteza regulatória e atrair sólido fluxo de investimento para o setor. Não há melhor forma de assegurar tarifas módicas do que manter ambiente propício à expansão da oferta de energia, em compasso com o crescimento da demanda.
Infelizmente, não foi esse o programa de ação escolhido pela ministra.
A proposta que apresentou em meados de 2003 deixou o setor elétrico horrorizado. Entre “pontos inegociáveis” e delírios voluntaristas, o documento que veio a público mostrava total descaso por incentivos e riscos que condicionam decisões de investimento no setor. Foi preciso bem mais de um ano para que, com ajuda de especialistas de fora do governo, o documento inicial fosse convertido em algo que servisse de base para uma proposta menos rudimentar de reforma do setor elétrico.
Mas o vezo voluntarista e o desprezo por forças de mercado que marcaram a formulação da proposta original jamais puderam ser completamente eliminados. E afloraram agora, de forma clara, na licitação da usina de Belo Monte.
A preocupação central com a modicidade tarifária permanece. O problema é que, sem poder contar com um ambiente de investimento que engendre tarifas módicas de forma natural, o governo vem tentando assegurar a modicidade tarifária na marra, despejando nas novas usinas todo o dinheiro público que para isso for necessário.
O ponto de partida em Belo Monte foi um esquema de financiamento que permitisse fixar em nível arbitrariamente baixo a tarifa máxima que poderá ser exigida na licitação. Feito o orçamento preliminar do projeto, constatou-se que tarifa tão baixa só seria viável se 49% dos investimentos fossem bancados pela Eletrobrás, que se contentaria com uma remuneração “patriótica” dos recursos investidos.
Na verdade a Eletrobrás nem conta com tais recursos. A empresa terá de ser capitalizada pelo Tesouro, direta ou indiretamente, através do BNDES, com fundos advindos de emissão de dívida pública. Só assim a Eletrobrás poderá se mostrar tão “patriótica” quanto se espera.
Como o orçamento inicial estava excessivamente irrealista, a tarifa máxima teve de ser elevada. Contudo, mesmo essa tarifa mais alta vem sendo considerada insuficiente por investidores que poderiam ter interesse na licitação de Belo Monte. Em face das reclamações, o natural seria que o governo elevasse mais uma vez a tarifa máxima ou, confiante nas suas contas, se recusasse a alterá-la, fazendo ouvidos moucos a investidores insatisfeitos.
Mas o que o governo tem feito é algo bem diferente. Tacitamente, reconhece que a nova tarifa máxima é insuficiente.
Mas se recusa a elevá-la.
Prefere despejar mais dinheiro público no projeto. Dispõe-se a financiar 70% da usina, pelo BNDES, em 30 anos, a juros de 4%. Obriga fundos de pensão a entrar no projeto com recursos que não são públicos, mas que o governo trata como se fossem.
E, por fim, temendo que tudo isso ainda seja insuficiente, considera o desatino de isentar de impostos os lucros auferidos no projeto, como já fez nas usinas do Rio Madeira.
Salta aos olhos que há algo de profundamente errado em tudo isso. Ao fim e ao cabo, o que se vê é a modicidade tarifária viabilizada por gigantesco e demagógico programa de subsídio à energia elétrica, bancado por recursos públicos que poderiam ter utilização alternativa incomparavelmente mais nobre.
Rogério Furquim Werneck é economista
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