DEU NO VALOR ECONÔMICO
Cinquenta dias separam as falas com que Dilma Rousseff e José Serra lançaram-se ao mercado eleitoral. Cotejadas, oferecem mais luzes sobre os postulantes do que a radicalização de suas trupes leva a crer.
Ambos fazem as devidas concessões à personalização da política exacerbada nos anos Luiz Inácio Lula da Silva. Sai Dona Lindu e entra Francesco Serra, o imigrante calabrês que preferia que o filho estudasse a ajudá-lo a carregar caixas de frutas no mercado municipal. Desde o lançamento de sua candidatura no sábado, o eleitor sabe que é a imagem de seu pai que Serra vê refletida no rosto do trabalhador brasileiro, o mesmo que Lula carrega no seu espelho.
Porque não é mãe apenas do PAC, Dilma vai de Paula Araújo Rousseff, a filha nascida quando buscava refazer a vida depois da prisão. No discurso durante o Congresso do PT, em fevereiro, quando assumiu a candidatura, o eleitor foi informado de que foi Paula quem lhe devolveu a fé na vida.
O resgate da clandestinidade é romantizado como ideário de geração que levou o compromisso com o país às últimas consequências. Como talvez não convença, conclui: "Amadureci".
Na fala de Serra não há lugar para autocrítica. São oito suas principais qualidades: honestidade, verdade, caráter, honra, coragem, coerência, brio profissional e perseverança.
Dilma vai de Drummond ("Teus ombros suportam o mundo/e ele não pesa mais do que a mão de uma criança") e Quintana ("Todos estes que aí estão/atravancando o meu caminho/eles passarão/eu passarinho"). E Serra, de Guimarães Rosa ("A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem").
Confrontados aos discursos, as respectivas entrevistas a dois livros recém-publicados, "Brasil: entre o passado e o futuro " (Boitempo, fevereiro de 2010) e "Retrato de Grupo, 40 anos do Cebrap"(Cosac Naify, novembro de 2009) colocam em perspectiva o país que defenderam ao lançarem-se.
À época do livro, Serra ainda não assumira candidatura. Fala na oposição. Desde sempre. Explica por que foi contra o Real. Não acreditava que o governo, em pleno período eleitoral, fosse dar cobertura ao plano. E reafirma sua convicção de que a moeda não precisava ter sido sobrevalorizada para vingar.
Acusa o "modelo primário exportador" e vê três armadilhas no Brasil de Lula: juro alto, câmbio sobrevalorizado e gasto público em descontrole. Para quem faz, como diz, uma análise "cretina" do que é o desenvolvimentismo, ele resume os desastres da política econômica com o exemplo da Embraer: "Foi bem privatizada, mas até poucos anos atrás tinha 60% de componente doméstico no valor gerado; hoje tem 30%. Ela está aí produzindo avião, mas está perdendo as cadeias produtivas, só por causa dos juros siderais e da sua consequência pior, a taxa de câmbio megavalorizada".
Na entrevista (a Emir Sader, Marco Aurélio Garcia e Jorge Mattoso), o Brasil de Dilma começa e termina em Lula. Que é diferente de todos os outros por quatro motivos: produziu crescimento com estabilidade, expandiu o mercado interno, promoveu a reinserção internacional do país e redefiniu as prioridades do gasto público.
Lembra que o final de 2005 foi o pior dos mundos. Sem margem de manobra na economia ou na política. E assume a defesa do Estado que subsidia: "Não se faz uma política de universalização sem subsidiar, é impossível no Brasil. (...) Saneamento quem faz é o Estado. Reservamos recursos para as empresas privadas fazerem saneamento básico, mas nada aconteceu. (....)Tornamos os subsídios novamente legítimos. No primeiro mandato fui chamada ao Congresso para explicar por que estávamos subsidiando o "Luz para Todos". Mas até agora não fui chamada para explicar por que estamos subsidiando o "Minha Casa Minha Vida". É sinal dos tempos. O consenso mudou".
Ambos os discursos tiveram seus picos de agressividade. Os de Dilma foram na referência indireta à concentração econômica de São Paulo - "O Brasil não será mais visto como um trem em que uma única locomotiva puxa todos vagões" - e na recusa de Lula a casuísmos: "Não mudamos, como se fez no passado, as regras do jogo no meio da partida".
Líder da oposição, Serra estava marcado para pautar seu discurso um tom acima. Não poupou, ainda que indiretamente, nem mesmo o dono da bola: "Ninguém deve esperar que joguemos Estados do Norte contra Estados do Sul, cidades grandes contra cidades pequenas, o urbano contra o rural..... Pode ser engraçado no futebol. Mas não é quando se fala de um país. E é deplorável que haja gente que, em nome da política, tente dividir o nosso Brasil".
Os dois textos trazem visões convergentes na política industrial e radicalmente divergentes na política externa. Ambos saúdam o SUS e se comprometem com avanços na educação. Dilma conclui sua fala saudando o povo brasileiro. E Serra, conclamando o Brasil que pode mais. São palavras de ordem, mas não se lhes reclame substância.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
Cinquenta dias separam as falas com que Dilma Rousseff e José Serra lançaram-se ao mercado eleitoral. Cotejadas, oferecem mais luzes sobre os postulantes do que a radicalização de suas trupes leva a crer.
Ambos fazem as devidas concessões à personalização da política exacerbada nos anos Luiz Inácio Lula da Silva. Sai Dona Lindu e entra Francesco Serra, o imigrante calabrês que preferia que o filho estudasse a ajudá-lo a carregar caixas de frutas no mercado municipal. Desde o lançamento de sua candidatura no sábado, o eleitor sabe que é a imagem de seu pai que Serra vê refletida no rosto do trabalhador brasileiro, o mesmo que Lula carrega no seu espelho.
Porque não é mãe apenas do PAC, Dilma vai de Paula Araújo Rousseff, a filha nascida quando buscava refazer a vida depois da prisão. No discurso durante o Congresso do PT, em fevereiro, quando assumiu a candidatura, o eleitor foi informado de que foi Paula quem lhe devolveu a fé na vida.
O resgate da clandestinidade é romantizado como ideário de geração que levou o compromisso com o país às últimas consequências. Como talvez não convença, conclui: "Amadureci".
Na fala de Serra não há lugar para autocrítica. São oito suas principais qualidades: honestidade, verdade, caráter, honra, coragem, coerência, brio profissional e perseverança.
Dilma vai de Drummond ("Teus ombros suportam o mundo/e ele não pesa mais do que a mão de uma criança") e Quintana ("Todos estes que aí estão/atravancando o meu caminho/eles passarão/eu passarinho"). E Serra, de Guimarães Rosa ("A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem").
Confrontados aos discursos, as respectivas entrevistas a dois livros recém-publicados, "Brasil: entre o passado e o futuro " (Boitempo, fevereiro de 2010) e "Retrato de Grupo, 40 anos do Cebrap"(Cosac Naify, novembro de 2009) colocam em perspectiva o país que defenderam ao lançarem-se.
À época do livro, Serra ainda não assumira candidatura. Fala na oposição. Desde sempre. Explica por que foi contra o Real. Não acreditava que o governo, em pleno período eleitoral, fosse dar cobertura ao plano. E reafirma sua convicção de que a moeda não precisava ter sido sobrevalorizada para vingar.
Acusa o "modelo primário exportador" e vê três armadilhas no Brasil de Lula: juro alto, câmbio sobrevalorizado e gasto público em descontrole. Para quem faz, como diz, uma análise "cretina" do que é o desenvolvimentismo, ele resume os desastres da política econômica com o exemplo da Embraer: "Foi bem privatizada, mas até poucos anos atrás tinha 60% de componente doméstico no valor gerado; hoje tem 30%. Ela está aí produzindo avião, mas está perdendo as cadeias produtivas, só por causa dos juros siderais e da sua consequência pior, a taxa de câmbio megavalorizada".
Na entrevista (a Emir Sader, Marco Aurélio Garcia e Jorge Mattoso), o Brasil de Dilma começa e termina em Lula. Que é diferente de todos os outros por quatro motivos: produziu crescimento com estabilidade, expandiu o mercado interno, promoveu a reinserção internacional do país e redefiniu as prioridades do gasto público.
Lembra que o final de 2005 foi o pior dos mundos. Sem margem de manobra na economia ou na política. E assume a defesa do Estado que subsidia: "Não se faz uma política de universalização sem subsidiar, é impossível no Brasil. (...) Saneamento quem faz é o Estado. Reservamos recursos para as empresas privadas fazerem saneamento básico, mas nada aconteceu. (....)Tornamos os subsídios novamente legítimos. No primeiro mandato fui chamada ao Congresso para explicar por que estávamos subsidiando o "Luz para Todos". Mas até agora não fui chamada para explicar por que estamos subsidiando o "Minha Casa Minha Vida". É sinal dos tempos. O consenso mudou".
Ambos os discursos tiveram seus picos de agressividade. Os de Dilma foram na referência indireta à concentração econômica de São Paulo - "O Brasil não será mais visto como um trem em que uma única locomotiva puxa todos vagões" - e na recusa de Lula a casuísmos: "Não mudamos, como se fez no passado, as regras do jogo no meio da partida".
Líder da oposição, Serra estava marcado para pautar seu discurso um tom acima. Não poupou, ainda que indiretamente, nem mesmo o dono da bola: "Ninguém deve esperar que joguemos Estados do Norte contra Estados do Sul, cidades grandes contra cidades pequenas, o urbano contra o rural..... Pode ser engraçado no futebol. Mas não é quando se fala de um país. E é deplorável que haja gente que, em nome da política, tente dividir o nosso Brasil".
Os dois textos trazem visões convergentes na política industrial e radicalmente divergentes na política externa. Ambos saúdam o SUS e se comprometem com avanços na educação. Dilma conclui sua fala saudando o povo brasileiro. E Serra, conclamando o Brasil que pode mais. São palavras de ordem, mas não se lhes reclame substância.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
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