A campanha de José Serra (PSDB) aos poucos deixa irritado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele diz que o tucano engana o eleitorado quando dá a entender que tanto faz a eleição de Dilma Rousseff (PT) como a dele próprio para a continuidade de programas de governo. Lula até acha que é uma jogada inteligente de Serra, mas o presidente está sendo apenas "institucional" quando afirma que o país estará bem servido com a eleição de um ou do outro candidato à sucessão de 2010.
No dia a dia da política, Lula trata pelo menos como "um equívoco" a interpretação segundo a qual a eleição de Serra ou Dilma terá na prática o mesmo resultado. O presidente aguarda apenas uma oportunidade para dizer que Serra é oposição, e que o PSDB desde o início esteve contra tudo o que o governo do PT fez desde que o partido da estrela assumiu o Palácio do Planalto, em 2003. Ele tem na ponta da língua os exemplos para citar na campanha.
Cabe um parêntese: o desempenho de Lula no último programa partidário do PT não é exceção, será a regra. Lula testa a paciência e os limites da Justiça Eleitoral como nunca antes...
Não importa que Serra, em 2002, e Geraldo Alckmin, em 2006, tenham prometido que, uma vez no governo, a oposição não acabaria com o programa Bolsa Família. O que o presidente diz é que a oposição sempre foi contrária ao programa e ele pretende deixar isso claro na campanha eleitoral.
Também não adianta a oposição dizer que fez o programa Luz no Campo para fazer um contraponto ao Luz para Todos. Na visão do presidente da República são programas efetivamente de natureza distinta. O tucano, elitista; o petista, voltado sim para as populações de renda mais baixa do país. Essa é a diferença que o presidente pretende demarcar no território da campanha eleitoral, mais quente quanto mais renhida fica a disputa, conforme indicam as pesquisas de opinião.
Outro exemplo a que costuma recorrer sua excelência diz respeito ao aumento real do salário mínimo, que o presidente implantou com a ajuda de seu ex-ministro do Trabalho e hoje prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho. O argumento do PSDB era que programas do tipo implicavam aumento do gasto público - algo que segundo o entendimento de Lula sempre causou urticária na tucanagem.
O PT voltou a sorrir com os números das pesquisas Vox Populi e CNT Sensus, mas já não calça de manhã, à tarde e à noite o salto alto que usava quando Dilma começou a escalar degraus nas pesquisas. A eleição, avalia-se, segue mais ou menos o mesmo padrão de outras disputas passadas. PT/Lula entram com um terço do eleitorado, o PSDB com o outro terço e a definição fica para os 45 dias de campanha do horário eleitoral gratuito. É quando Lula espera "transbordar" sua popularidade recorde e fazer a diferença na reta final. Já há "transbordamento", na opinião do presidente e auxiliares, mas ele deve aumentar depois do mundial de futebol na África.
No último mês, a campanha de Dilma passou por correções tópicas de curso. Em vez de lançar a candidata na linha de frente das composições estaduais, o PT passou a trabalhar mais cuidadosamente a imagem de Dilma. O raciocínio é que é preciso construir a imagem da presidenciável tanto dentro quanto fora do PT, algo que Lula tem de sobra, Serra também tem no PSDB e na sociedade, mas de que Dilma ainda é carente - ela não é uma antiga militante, mas uma oriundi do brizolismo do PDT gaúcho.
A preocupação petista é com a imagem que será consolidada por Dilma na campanha propriamente dita, quando ela começar de fato, a partir da segunda quinzena de agosto. O PT avalia que não pode se dar ao luxo de permitir que venha a ser fixada a imagem da candidata autoritária, prolixa e centralista. E isso tem que ser cuidado agora. Dilma não pode levar esses estereótipos até a campanha, porque bastará um descuido para que eles sejam fixados em sua pele de candidata como uma indelével tatuagem.
Já aconteceu antes. Todos se lembram de que Ciro Gomes, na campanha de 2002, tinha a fama de destemperado. Não foi coisa que apareceu quando ele se tornou candidato a presidente. Devia-se a performances anteriores do ex-governador do Ceará sobretudo como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco. Ainda assim ele decolou na campanha. No mês de julho, estava a quatro pontos de Lula nas pesquisas (32% a 28%). A ultrapassagem parecia uma questão de tempo.
Dois episódios ocorreram então. No primeiro, Ciro não gostou da forma de uma pergunta de um eleitor em entrevista a uma estação de rádio da Bahia. Ele se descontrolou e chamou o ouvinte de burro - gravação que seus adversários trataram de difundir imediatamente. O outro foi quando respondeu que o papel da atriz Patrícia Pilar em sua campanha eleitoral era o de "dormir" com ele. Foi o que bastou para que se fixasse no então candidato do PPS, de maneira irremediável, a imagem do político "destemperado". Ciro logo despencou nas pesquisas.
Autoritária, centralista e prolixa são qualificações com as quais a ex-ministra Dilma Rousseff chegou na campanha. O que se teme no PT, sobretudo agora quando algumas pesquisas indicam que ela ultrapassou José Serra nas intenções de voto do eleitorado, é que a ex-ministra caia numa provocação ou tenha uma reação pública que comprove o que sempre se disse dela. Ciro virou "case" de campanha: ele ajudou a confirmar que era verdade tudo o que diziam dele.
Dilma peca pelas suas virtudes, diz-se no PT. São essas virtudes que precisam ser agora fixadas no eleitorado: Dilma conduz, não é conduzida; às vezes fala demais não por ser prolixa, mas porque entende profundamente do que fala, e por querer explicar o que pensa acaba às vezes se confundindo e cometendo gafes. A sugestão aqui é "falar pouco para errar menos". Se conseguir atravessar a campanha sem tropeços que confirmem as coisas negativas que são ditas dela, Lula está convencido que vai "transbordar" sua popularidade e botar Dilma no Planalto. É mão de gente, claro.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras
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