DEU NO CORREIO BRASILIENSE
Diz a sabedoria mineira que “eleição, como mineração, somente depois da apuração”. São comuns os casos de eleições surpreendentes, cujos resultados desmentem reputados institutos de pesquisa, autorizados analistas e doutores em ciências políticas.
Getúlio Vargas foi deposto pelos militares em 29 de outubro de 1945. À frente dos sediciosos encontrava-se o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra durante o Estado Novo. O ex-presidente viu-se remetido à estância da família, em São Borja, onde permaneceu confinado.
Como candidatos à Presidência da República, se apresentaram dois nomes, com chances de sucesso. Pela UDN, concorreu o brigadeiro Eduardo Gomes, herói da Força Aérea e de quem a propaganda dirigida ao eleitorado feminino dizia: “Vote no brigadeiro; é bonito e é solteiro”. Como adversário, o próprio Dutra, do PSD. Outros dois surgiram, mas na posição de figurantes: Yedo Fiúza, do PCB, e Rolim Telles, pelo PAR (Partido Agrário Nacional).
Contra o general dizia-se ter sido coautor do golpe de 37 e ministro da Guerra de Getúlio. Não bastasse, Dutra era calado e não irradiava simpatia. Logo estava convertido em motivo de desespero para desanimados companheiros de campanha.
A eleição de Eduardo Gomes parecia inevitável, e a UDN já se considerava detentora do poder. Em 27 de novembro, contudo, no derradeiro comício realizado no Rio de Janeiro, cinco dias antes das eleições marcadas para 2 de dezembro, foi lida breve mensagem de apoio de Getúlio a Dutra, em nome da defesa dos direitos outorgados às classes trabalhadoras. A carta, conhecida como “ele disse”, conseguiu o que parecia impossível: a súbita transferência de milhões de votos, que deram a vitória ao general, tido, até então, como derrotado.
Em lance marcado pela ousadia, o presidente Lula assumiu a paternidade da candidatura de Dilma Rousseff. A confiança ilimitada — para não dizer arrogante — na vitória resultaria não do perfil da ex-ministra-chefe da Casa Civil, pouco conhecida e inexperiente em disputas eleitorais, mas da presença de Lula à frente do governo; da aliança celebrada com o PMDB (a quem foi ofertada a Vice-Presidência); do Bolsa Família; da melhoria da qualidade de vida das camadas populares; e, sobretudo, da capacidade do presidente de se conservar ligado às massas, dizendo-lhes aquilo que esperam ouvir, com palavras simples.
Em artigo anterior, previ a vitória de Dilma. Deixei, todavia, a ressalva de que o prognóstico poderia ser invalidado pela ocorrência de fato novo, capaz de neutralizar o capital político acumulado pelo presidente. Lembro-me das eleições municipais de 1988, quando candidatos dos grandes partidos foram derrotados por integrantes do PT, em consequência da morte de metalúrgicos confrontados com soldados do Exército, durante movimento grevista em Volta Redonda. Cidades como São Paulo, Campinas, Porto Alegre, tornaram-se palcos de repentinas guinadas do eleitorado, indignado com aquilo a que a imprensa denominou de massacre.
Pois bem, reconhecidas as diferenças entre personagens, situações e circunstâncias, em 2010 o fator determinante da mudança, no cenário eleitoral, tem o nome Dilma. Dilma Rousseff. Tão logo deixou a Casa Civil, para empreender carreira solo distante do padrinho, a candidata passou a dar demonstrações de não estar à altura do desafio representado pela disputa da Presidência da República, sobretudo tendo por adversário político experiente como José Serra.
A bipolaridade do pleito desfavorece a representante do Planalto e do PT, cujo atestado de pobreza política teria sido passado pelo próprio presidente que, segundo se divulga, recomendou-lhe a redução das aparições públicas, enquanto permanece imersa no aprendizado de construção de frases, articulação de raciocínio, clareza de exposição e postura diante das câmeras de televisão.
Como a excelente candidata Marina Silva não dispõe, até onde se sabe, de meios para enfrentar as gigantescas despesas impostas por disputa de caráter nacional, e o independente Ciro Gomes viu-se privado, por razões metapartidárias, de concorrer à Presidência, a eleição caminha, de maneira inexorável, para a bipolaridade. O fator Dilma poderá determinar a eleição de José Serra. É aguardar e ver se Lula conseguirá, em cinco meses, repetir o prodígio realizado por Vargas, em cinco dias.
Almir Pazzianotto Pinto foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
Diz a sabedoria mineira que “eleição, como mineração, somente depois da apuração”. São comuns os casos de eleições surpreendentes, cujos resultados desmentem reputados institutos de pesquisa, autorizados analistas e doutores em ciências políticas.
Getúlio Vargas foi deposto pelos militares em 29 de outubro de 1945. À frente dos sediciosos encontrava-se o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra durante o Estado Novo. O ex-presidente viu-se remetido à estância da família, em São Borja, onde permaneceu confinado.
Como candidatos à Presidência da República, se apresentaram dois nomes, com chances de sucesso. Pela UDN, concorreu o brigadeiro Eduardo Gomes, herói da Força Aérea e de quem a propaganda dirigida ao eleitorado feminino dizia: “Vote no brigadeiro; é bonito e é solteiro”. Como adversário, o próprio Dutra, do PSD. Outros dois surgiram, mas na posição de figurantes: Yedo Fiúza, do PCB, e Rolim Telles, pelo PAR (Partido Agrário Nacional).
Contra o general dizia-se ter sido coautor do golpe de 37 e ministro da Guerra de Getúlio. Não bastasse, Dutra era calado e não irradiava simpatia. Logo estava convertido em motivo de desespero para desanimados companheiros de campanha.
A eleição de Eduardo Gomes parecia inevitável, e a UDN já se considerava detentora do poder. Em 27 de novembro, contudo, no derradeiro comício realizado no Rio de Janeiro, cinco dias antes das eleições marcadas para 2 de dezembro, foi lida breve mensagem de apoio de Getúlio a Dutra, em nome da defesa dos direitos outorgados às classes trabalhadoras. A carta, conhecida como “ele disse”, conseguiu o que parecia impossível: a súbita transferência de milhões de votos, que deram a vitória ao general, tido, até então, como derrotado.
Em lance marcado pela ousadia, o presidente Lula assumiu a paternidade da candidatura de Dilma Rousseff. A confiança ilimitada — para não dizer arrogante — na vitória resultaria não do perfil da ex-ministra-chefe da Casa Civil, pouco conhecida e inexperiente em disputas eleitorais, mas da presença de Lula à frente do governo; da aliança celebrada com o PMDB (a quem foi ofertada a Vice-Presidência); do Bolsa Família; da melhoria da qualidade de vida das camadas populares; e, sobretudo, da capacidade do presidente de se conservar ligado às massas, dizendo-lhes aquilo que esperam ouvir, com palavras simples.
Em artigo anterior, previ a vitória de Dilma. Deixei, todavia, a ressalva de que o prognóstico poderia ser invalidado pela ocorrência de fato novo, capaz de neutralizar o capital político acumulado pelo presidente. Lembro-me das eleições municipais de 1988, quando candidatos dos grandes partidos foram derrotados por integrantes do PT, em consequência da morte de metalúrgicos confrontados com soldados do Exército, durante movimento grevista em Volta Redonda. Cidades como São Paulo, Campinas, Porto Alegre, tornaram-se palcos de repentinas guinadas do eleitorado, indignado com aquilo a que a imprensa denominou de massacre.
Pois bem, reconhecidas as diferenças entre personagens, situações e circunstâncias, em 2010 o fator determinante da mudança, no cenário eleitoral, tem o nome Dilma. Dilma Rousseff. Tão logo deixou a Casa Civil, para empreender carreira solo distante do padrinho, a candidata passou a dar demonstrações de não estar à altura do desafio representado pela disputa da Presidência da República, sobretudo tendo por adversário político experiente como José Serra.
A bipolaridade do pleito desfavorece a representante do Planalto e do PT, cujo atestado de pobreza política teria sido passado pelo próprio presidente que, segundo se divulga, recomendou-lhe a redução das aparições públicas, enquanto permanece imersa no aprendizado de construção de frases, articulação de raciocínio, clareza de exposição e postura diante das câmeras de televisão.
Como a excelente candidata Marina Silva não dispõe, até onde se sabe, de meios para enfrentar as gigantescas despesas impostas por disputa de caráter nacional, e o independente Ciro Gomes viu-se privado, por razões metapartidárias, de concorrer à Presidência, a eleição caminha, de maneira inexorável, para a bipolaridade. O fator Dilma poderá determinar a eleição de José Serra. É aguardar e ver se Lula conseguirá, em cinco meses, repetir o prodígio realizado por Vargas, em cinco dias.
Almir Pazzianotto Pinto foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
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