terça-feira, 4 de maio de 2010

Brasil tem problemas de liberdade de imprensa

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Análise apresentada pela entidade Repórteres Sem Fronteiras destaca que País sofre com decisões judiciais que limita trabalho da mídia

Wilson Tosta / RIO

Em um mapa da entidade Repórteres Sem Fronteiras sobre a situação da liberdade de imprensa no mundo em 2010, dividindo 175 países em um espectro de cores que vai do branco (boa) ao preto (muito grave), o Brasil aparece coberto de laranja claro (com problemas sensíveis).

O desenho foi exibido ontem pelo presidente emérito do Grupo RBS, Jayme Sirotsky, no seminário Liberdade de Expressão, e mostra que, se o País não chega ao laranja escuro (difícil) de Venezuela e Equador e está muito distante do preto da Arábia Saudita, está longe da liberdade clara de Canadá, Austrália, Bélgica, países escandinavos e outros.

Entre os motivos, decisões judiciais vetando reportagens - como a que há 277 dias impôs ao Estado censura em relação à Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. "Aqui são praticadas algumas formas veladas de censura e outras explícitas, com base em interpretações equivocadas da lei", disse Sirotsky, em sua palestra, intitulada O cerceamento às liberdades de expressão - visão histórica da evolução dos abusos pelo mundo, no evento promovido pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) e entidades do setor, no Dia da Liberdade de Imprensa.

"São decisões judiciais sob o argumento de que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, de proteção da intimidade. O ministro (do Supremo Tribunal Federal) Celso de Mello diz claramente que a nova forma de censura prévia é a tutela antecipada (contra reportagens) que alguns juízes estão concedendo." Sirotsky destacou a "inexplicável e longa" censura enfrentada pelo Estado, lembrou que a liberdade de imprensa é respaldada em tratados internacionais e na Constituição e classificou a situação brasileira como de "liberdade relativa".

Ele também criticou propostas de "controle social" da mídia, levantadas por representantes de partidos de esquerda e movimentos sociais, denunciando-as como tentativas de controlar a imprensa pelo Estado. "Ora! Controle social da mídia... São 8.621 emissoras de rádio, 497 estações de televisão, 3.079 jornais que circulam e informam no nosso País", disse. "A sociedade tem cada vez mais poder de fiscalizar e de usar as novas tecnologias para exigir qualidade, isenção e para produzir seus conteúdos."

Mesmo no campo da segurança física para jornalistas, a situação do Brasil não é a ideal. Até 2009, frisou Sirotsky, o País era um dos 14 piores locais para a imprensa trabalhar sob esse ponto de vista, de acordo com a organização Comitê para a Proteção de Jornalistas. Em 2010, o Brasil saiu da relação, devido a condenações de criminosos que mataram profissionais da área.

O problema é mais grave em outros países da América Latina. "Honduras chegou a ser considerado o país mais perigoso do continente para jornalistas, com seis profissionais assassinados somente em 2010", declarou Sirotsky.

Denúncias. Representantes de órgãos de comunicação da Venezuela, da Argentina e do Equador denunciaram no seminário iniciativas dos governos de seus países para limitar cada vez mais a autonomia de jornalistas e empresas jornalísticas.

Um dos exemplos foi o do presidente do canal venezuelano Globovisión, Guillermo Zuloaga, preso ao voltar ao país após participar de reunião da Sociedade Interamericana de Prensa (SIP) em Aruba, no Caribe, acusado de ter "vilipendiado" no encontro o governo do presidente Hugo Chávez.

Embora já libertado, o diretor da TV não pôde participar do evento de ontem, por estar impedido de sair da Venezuela, e foi representado pelo filho, Carlos Zuloaga. Venezuela, Argentina, Bolívia, Honduras e México são citados negativamente no relatório de 2010 da World Association of Newspapers and News Publishers (WAN).

Mediador de um debate que reuniu Zuloaga, Hernán Verdaguer, do grupo argentino Clarín, e Emílio Palacios, do jornal equatoriano El Universo, sobre O cerceamento às liberdades de expressão na América Latina, o diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, citou estudo do analista Andrés Cañizalez, que apontou um padrão comum de perseguição a órgãos de comunicação na América Latina. Segundo Cañizalez, esse padrão é formado por quatro fatores: valorização direta da comunicação do Poder Executivo com o povo; fortalecimento dos veículos estatais; formação e sistematização de novos marcos regulatórios para a comunicação; e o discurso agressivo dos governantes em relação à mídia.

"Eu chamaria a atenção para um aspecto adicional: o risco de, num país emergente como o Brasil, passarmos a confundir o conceito de progresso com apenas o progresso econômico", declarou Gandour. "Há o risco de a sociedade brasileira se deixar anestesiar pelo progresso econômico e deixar de zelar por todos os demais valores que devem sustentar a democracia. O convívio com o contraditório, a fluidez de ideias de várias formas, várias origens, têm que ser preservados." Segundo ele, o Brasil vive situação de plena de liberdade de imprensa, embora com problemas sensíveis e ameaças periódicas.

O ministro Carlos Ayres Britto, homenageado por ter relatado no STF a ação que resultou no fim da Lei de Imprensa imposta pela ditadura, atribuiu as decisões de primeira instância vetando reportagens a uma certa "perplexidade" de juízes com mudanças recentes.

"Estamos passando de uma cultura restritiva da liberdade de imprensa para uma cultura de plenitude da liberdade de imprensa. Então há um certo negaceio, uma certa perplexidade. É como está no livro de Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser. De repente, o que pesa sobre os nossos ombros não são as dificuldades de vida, e sim as facilidades da vida. Estamos hoje em pleno gozo da liberdade de imprensa e paradoxalmente nos sentimos mal", afirmou.

Além da Emerj, promoveram o encontro a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). a Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER) e o Forum Permanente do Direito à Informação e de Política de Comunicação Social do Poder Judiciário.

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