terça-feira, 4 de maio de 2010

O ''sequenciamento'' de Lula:: Editorial

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para atrair multidões às festas do 1.º de Maio, centrais sindicais promovem sorteios, contratam cantores populares e animadores carismáticos. É bem verdade que o fazem sobretudo com dinheiro alheio, desembolsado por estatais como Petrobrás, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES e espertas empresas privadas. Ainda assim, em retrospecto, pode-se argumentar que o gasto foi em ampla medida desnecessário. Afinal, quem conta com um dos maiores artistas de palanque do mundo, o presidente Lula, no auge da forma, tem sucesso assegurado, com a vantagem de que ele não cobra cachê ? apenas pede votos.

Desde que ascendeu ao Planalto, esta foi a primeira vez que Lula resolveu abrilhantar os shows do sindicalismo cujos resultados, por sinal, podem ser medidos pelo número de companheiros premiados com empregos na máquina federal. Mas este não é um ano igual aos outros. Em 2010, a prioridade confessa do presidente, "a coisa mais importante do meu governo", como não se pejou de dizer no congresso do PT, é fazer da ex-ministra da Casa Civil Dilma Rousseff a sua sucessora. Para tanto, ele irá a todos os palanques que estiverem disponíveis e aos muitos mais que continuarão a ser erguidos somente com essa finalidade. Trata-se, invariavelmente, de uma operação em dois tempos encadeados.

Um é o da autolouvação, encarnada no mote do "nunca antes na história deste país". O exemplo da hora é o de sua fala no espetáculo da Força Sindical, o primeiro dos quatro a que compareceu no sábado. "Eu duvido que em alguma parte do mundo um presidente depois de sete anos teve coragem de ir a um ato encarar os trabalhadores", vangloriou-se. O segundo tempo é o da pregação da continuidade, agora rebatizada de "sequenciamento", como disse no evento da CUT, logo se voltando para a candidata, num tom que escancarou a relação hierárquica entre criador e criatura: "Dilma, você ouviu o que eu disse?"

Ele se dá a requintes de atrevimento quando desmoraliza em sequência a legislação eleitoral, fazendo campanha antecipada com os meios ao alcance do seu cargo, pelo que já foi multado duas vezes ? outro ineditismo de Lula. "Quero que quem venha depois, e vocês sabem quem eu quero, saiba que vai ter de fazer mais e melhor", discursou na festa da Força, como se a omissão do nome não servisse de deixa para o coro entrar com o hit da temporada, "olê, olê, olá, Dilmaaa, Dilmaaa". Em outro momento, lembra que "a legislação não me permite falar de candidatos" ou que "só posso falar de candidato depois de julho". É uma fraude rudimentar. Lula age como o jogador que passa uma rasteira no adversário e de imediato ergue as mãos em sinal de inocência.

Já no pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, que antecedeu as comemorações do Dia do Trabalho, ele saiu-se com isso: "Algo me diz que este modelo de governo está apenas começando. Algo me diz, fortemente, em meu coração, que este modelo vai prosperar. Sabe por quê? Porque este modelo pertence ao povo brasileiro, que saberá defendê-lo e aprofundá-lo, com trabalho honesto e decisões corretas." O problema de Lula é que a sua escolhida não tem se mostrado capaz de induzir parcelas crescentes do eleitorado a tomar as tais "decisões corretas".
A dependência do padrinho-presidente só aumenta a propensão dele para o vale-tudo.

A citação do nome é o de menos. O que a lei visa a coibir, em defesa do princípio da oportunidade de igualdades entre os candidatos, é a subordinação das instituições políticas aos interesses eleitorais dos seus titulares e partidos. Isso inclui o chamado capital simbólico dos ocupantes de funções executivas: não é por deter o recorde brasileiro de popularidade política que Lula desfrutaria de uma atenuante para os seus delitos; ao contrário, a exploração eleitoral do seu prestígio agrava a transgressão. A oposição pode ficar rouca de tanto protestar. Mas ou o Tribunal Superior Eleitoral aplica ao presidente sanções proporcionais ao seu desdém pelas regras do jogo ou contribui para o escárnio.

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