terça-feira, 4 de maio de 2010

A crise só acaba quando termina:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Empréstimo-monstro grego não dá cabo da crise; BCE dá mãozinha a bancos; tumulto grego ainda pode se espalhar

Remendar AS contas de um país pequeno como a Grécia com US$ 145 bilhões, ou R$ 250 bilhões, é impressionante, embora nem isso assente a crise. Mas extravagante mesmo foi o fato menos notado de que o Banco Central Europeu resolveu aceitar os títulos públicos gregos como garantia mesmo que todas as agências de avaliação de risco chamem de "podre" a dívida da Grécia. Parece um assunto estrambótico, relevante apenas para "nerds" financeiros. Mas não é, não.

O Banco Central Europeu insinua é que pode imprimir dinheiro para tapar um rombo grego ou outros.

Do que se trata? Bancos emprestam dinheiro ao governo grego: compram títulos públicos da dívida grega. Usam esses títulos como garantia para o dinheiro que eventualmente tomam no BCE.

Em tese, se todas as agências de risco relevantes dissessem que esses papéis são "podres", o BCE não poderia aceitá-los como garantia. Teria de pedir mais garantias ou dinheiro aos bancos. Isso é problema. Reduz o capital dos bancos. Coloca-os sob suspeita. Etc.

Se a Grécia dá calote, os primeiros caloteados são bancos que compraram títulos, decerto.

Mas tais títulos estão no BCE. Se o BCE aceita papéis gregos "podres", pode ficar com a conta. Basta o BCE não exigir que os bancos privados fiquem com o mico, o que o BCE pode ter de fazer a fim de evitar "problemas sistêmicos". Isso é um cenário limite, de monetização da dívida grega. Mas, após a crise de 2008/9, essas probabilidades parecem menos remotas.

De imediato, o que o BCE está fazendo é evitar que os bancos gregos acabem no vinagre. Os bancos gregos são os principais detentores de títulos gregos. Se esses títulos não servirem para nada, como garantias para operações compromissadas com o BCE, podem ter "crise de liquidez". E até quebrar.

Enfim, a Europa faz gato e sapato de suas normas financeiras a fim de evitar o calote grego.

Que pode vir mesmo com a dinheirama ofertada.

A fim de receber o dinheiro, a Grécia terá de produzir recessão e crise social. Se conseguir cortar na carne econômica, pode não resistir politicamente. O tumulto social pode derrubar o governo. E o acordo financeiro com o FMI e a UE.

Os governos português e, em menor medida, espanhol já estão sendo discretamente instados a arrochar suas contas. Vão aguentar politicamente? A Espanha já tem 20% de desemprego. E se os mercados decidirem que pode ser uma boa ideia especular com a baixa dos papéis ibéricos? Isto é, demandando juros mais altos desses governos a fim de rolar as dívidas deles.

A crise da dívida europeia não acabou. Seu destino, em parte, vai ser decidido no conflito político e social grego. Por ora, apenas sindicatos de servidores estão em combate. Com a continuidade da recessão, mais gente pode entrar na liça. Se o governo e o acordo gregos caírem, vai haver confusão além das ruas gregas.

Os investidores, gente com dinheiro grosso, "os mercados", podem começar a pedir juros estratosféricos para financiar a dívida portuguesa. E daí? Portugal vai cortar ainda mais gastos para honrar o serviço da dívida? O quanto vai aguentar?

Vai pedir água? Se pedir, como a União Europeia negaria ajuda?

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