DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Nosso Guia aderiu a um ceticismo em que se misturam ignorância, superstição e medo
Nosso Guia aderiu a um ceticismo em que se misturam ignorância, superstição e medo
Um vexame. Na semana passada um grupo de empresários estava reunido na antessala do ministro Guido Mantega para assistir ao anúncio das medidas do governo para estimular produção, consumo e pesquisa de carros elétricos no Brasil. Uma divergência com o comissariado do Desenvolvimento cancelou a cerimônia.
Logo depois, Nosso Guia deu sua aula: "É carro elétrico pra cá, carro elétrico pra lá, mas não se sabe ainda se alguém vai produzir em grande escala". O carro elétrico não é um zepelim.
Ele será produzido em grande escala. O que não se sabe é a partir de quando, mas o Nissan Leaf já está aceitando reservas nos iPhones 4, ao preço de US$ 32.800 sem rebates tributários, ou US$ 25.300 líquidos.
O bilionário Warren Buffett ensina que, diante de uma nova tecnologia, o bom negócio não é investir na novidade, mas fugir da velharia. No início do século 20, surgiram 2.000 fábricas de automóveis nos Estados Unidos e sobraram duas. O negócio não era entrar nesse mercado, mas sair do comércio de cavalos. O ceticismo e a inércia de Lula levam água para a defesa da produção de carruagens.
A reunião do carro elétrico foi cancelada por conta da bagunça de Brasília e porque o assunto está envolto numa mistura de superstição (não vai pegar), medo (daqui a alguns anos corre-se o risco de uma invasão de veículos importados, sobretudo chineses) e ignorância (o carro elétrico mata o mercado dos flex, o que é falso, os modelos híbridos podem reduzir em até 30% o consumo de etanol, mas abrem o caminho para a substituição do consumo de diesel nos ônibus).
Duas coisas parecem certas: dentro de 15 anos o volume de veículos movidos a eletricidade será significativo, mas, até lá, eles custarão caro.
Quem será o Henry Ford desse mercado, ninguém sabe, mas, sempre que o representante de uma montadora levantar dúvidas sobre a conveniência da entrada de novos concorrentes no mercado nacional, será bom lembrar que em 1903 a Associação de Fabricantes de Automóveis dos Estados Unidos tentou proibi-lo de fabricar seus veículos. Em 1952 a matriz da Ford achava que fabricar e montar carros no Brasil era "mera utopia". Hoje a indústria automotiva carrega 5,5% do PIB.
Nas discussões dos carros elétricos e dos seus modelos híbridos corre-se o risco de ficar entre a tanga e a tunga. A turma da tanga busca a preservação do status quo, até mesmo em nome da defesa de uma peculiaridade da produção nacional. No século 19, a originalidade nacional era a escravidão. No 20, mais precisamente nos anos 70/80, a ditadura inventou uma política de reserva de mercado para computadores.
A tanga produz ferros-velhos. A turma da tunga admite qualquer mudança, desde que a Viúva subsidie a produção do novo, protegendo o mercado do velho. Quando o governo subsidia os consumidores derrubando impostos, produz progresso. Quando subsidia empresas, engordando gatos, produz cartórios.
Lula, o metalúrgico, é um produto da clarividência de Juscelino Kubitschek. Lula, o Nosso Guia, arrisca tornar-se defensor de uma estrutura anacrônica. Se o Brasil não tivesse sofrido a praga da reserva de mercado dos computadores, poderia ter desenvolvido sua indústria 20 anos antes.
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