quarta-feira, 9 de junho de 2010

Um crescimento chinês? :: Affonso Celso Pastore

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Com uma taxa de investimentos de 20% do PIB, chega-se a um crescimento sustentável um pouco superior a 4,5% ao ano

No último trimestre o Produto Interno Bruto brasileiro cresceu 2,7% em relação ao trimestre anterior. É uma taxa anualizada de 11.4% ao ano. Este é o quarto trimestre consecutivo de aceleração do crescimento. Há apenas um ano amargávamos uma recessão, mas a recuperação foi rápida e intensa, e com este resultado o PIB brasileiro já está 3,7% acima do pico prévio atingido no último trimestre de 2008.

As recessões nos Estados Unidos, Europa e Reino Unido foram bem mais longas, em torno de um ano ou mais, mas em todos eles o PIB ainda é inferior aos valores de antes de iniciada a recessão.

Temos que festejar este resultado. É a primeira vez na história recente que é possível administrar à economia uma dosagem adequada dos instrumentos fiscal e monetário, sem criar novos desequilíbrios e expor o País a uma nova crise.

Tudo isso é fruto de termos abandonado aventuras heterodoxas na execução da política econômica, comprometendo-nos com o câmbio flutuante e com as metas de inflação e de superávit primário.

A fonte propulsora desse crescimento tem sido a expansão da demanda doméstica. O consumo das famílias ampliou-se, porém vem se desacelerando, com a sua taxa anualizada situando-se em 6% ao ano. Já a formação bruta de capital fixo cresceu pelo terceiro trimestre consecutivo a uma taxa anualizada superior a 30% ao ano.

As expansões do consumo e dos investimentos estão por trás da reação vigorosa da indústria, que neste trimestre se expandiu à taxa anualizada de 18,1% ao ano, bem acima do crescimento dos setores de serviços e agropecuário.

Os crescimentos da indústria e da formação bruta de capital acarretaram a expansão das importações, que superou o crescimento das exportações, fazendo com que a demanda externa contribuísse negativamente para o crescimento.

Mas esses números não se repetirão. Somente é possível manter taxas de crescimento acima dos níveis sustentáveis sem que a inflação se acelere enquanto o País estiver recuperando a capacidade ociosa gerada na recessão. Neste momento, contudo, a taxa de desemprego já atingiu seu nível histórico mínimo, e os índices de utilização de capacidade instalada na indústria já atingiram seus níveis históricos máximos.

Para induzir a expansão da demanda que tiraria o Brasil da recessão, o governo usou estímulos fiscais e monetários, levando a uma recuperação cíclica com o PIB crescendo acima das taxas sustentáveis. Com o fim da recuperação cíclica e o aparecimento de riscos de inflação, os estímulos fiscais e monetários têm que ser removidos.

É isso que levará à desaceleração do crescimento. O peso do controle da demanda suportado pela política monetária será tanto mais elevado quanto maior for a relutância do governo em cortar os gastos, que continuam se expandindo em proporção ao PIB.

A que taxa poderemos crescer daqui para frente? A taxa de investimentos está se recuperando, e até o fim do ano deverá atingir 20% do PIB. Com essa taxa, chega-se a um crescimento sustentável do PIB um pouco superior a 4,5% ao ano. É para essa taxa que convergiremos nos próximos trimestres.

Mas por que não poderíamos atingir taxas de investimento mais elevadas? A resposta está no fato de que a elevação da taxa de investimentos em proporção ao PIB, no Brasil, não é acompanhada de uma elevação paralela das poupanças totais domésticas, requerendo a contribuição também muito elevada das poupanças externas, realizada através de déficits nas contas correntes.

Se por um passe de mágica o governo conseguisse elevar a taxa de investimentos a 25% do PIB, seria possível crescer em torno de 5,5% ao ano ou talvez um pouco mais, mas os déficits gerados nas contas correntes não encontrariam a contrapartida e fluxos de capitais para garantir a sua ocorrência.

A aceleração do crescimento, preservando a estabilidade macroeconômica, requer uma segunda geração de reformas, dentre as quais estão os estímulos fiscais ao aumento das poupanças domésticas, do setor público e do setor privado.


Affonso Celso Pastore é economista e ex-Presidente do Banco Central

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