DEU EM O GLOBO
Legado de Lula e a campanha são discutidos no último dia do encontro
Arnaldo Bloch Enviado especial
CAXAMBU (MG). A discussão de ideias em torno do cenário eleitoral floresceu, enfim, no último dia do 34º Encontro Anual da Anpocs, que reúne pensadores de todo o país na tradicional mesa de debates “A conjuntura política e social”.
Presidindo a mesa, o secretárioexecutivo Cícero Araújo (USP) conclamou os participantes a comentarem a sucessão de Lula, evitando uma visão “do agora” e, em seu lugar, fazendo uma projeção dos desafios para o futuro governo.
Mesmo sem se furtar ao desafio, o cientista político Antonio Jorge de Almeida, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia), iniciou os trabalhos com um inspirado preâmbulo, bem focado no tal do “agora”: — O segundo turno esteve envolto numa aura de guerra santa. Em certo momento seria possível imaginar que Serra era candidato a cardeal presidente do Santo Ofício, e Dilma, candidata à sucessão de Irmã Dulce.
Para estudioso, Lula fortaleceu elites Especializado em estudos sobre hegemonia e contra-hegemonia, Almeida acusou o governo Lula de ter ajudado a fortalecer a burguesia e as elites industriais e financeiras do país.
— Lula não construiu, ao contrário do que dizem, uma nova hegemonia. Ele deu, sim, continuidade e força à maldita herança macroeconômica de Fernando Henrique Cardoso. Seus programas sociais, inclusive o Bolsa Família, em nada contrariam o grande capital. Não à toa, Delfim Netto disse que Lula salvou o capitalismo — afirmou.
Discursando na sua tradicional cadência, lembrando seus tempos de porta-voz de Lula, André Singer saudou o “alinhamento eleitoral” ocorrido no Brasil entre 2002 e 2006, que deslocou o eixo de apoio ao presidente da classe média para as classes de baixíssima renda, resultando na arrancada de Dilma.
— Basta ver a distribuição de votos: Dilma perde conforme aumenta a renda numa proporção que vai de 55% a 35%. Com Serra ocorre o oposto: perde votos à medida que a renda diminui, numa faixa de 33% a 55%.
Na visão do economista José Eli da Veiga (único da mesa sem grau de cientista social), outro caso seria também se as pesquisas não tivessem derrapado na reta final do primeiro turno: — Os institutos de pesquisa no Brasil estão obsoletos. Há tempos que o Gallup migrou para a amostra aleatória. A metodologia das cotas tem base no censo de 2000! O erro foi grosseiro.
No Google insight, onde se pode ver o que as pessoas estão procurando na internet, no dia seguinte ao debate da Globo a linha de interesse por Marina se multiplicou por dez.
Veiga ataca Serra e Dilma por seu desprezo pela plataforma programática proposta por Marina, que poderia ter resultado num acordo com um dos lados.
— Eles rejeitaram demandas importantes como a do fim dos leilões para termoelétricas com uso de diesel e carvão, um crime de lesa-Humanidade — disse.
Alheio ao que poderia ter sido, Singer vê, no momento, uma profunda polarização social, “que não aparece na superfície, talvez só comparável à eleição de Getulio”, na qual estariam se digladiando pela tal hegemonia uma coalizão de modelo neoliberal privatista e outra, produtivista, de forte caráter reformista, que une a classe trabalhadora e os sindicatos.
— Esta classe dominante financeira está, inclusive, reagindo com muita energia à redução da pobreza. A coalizão rentista quer juros altos e o câmbio onde está. Mas não dá para fazer um estado de bem estar social com menos de 5% de crescimento ao ano...
Na análise de Singer, a depender de quem ganhar este cabo de guerra, o Brasil terá uma oferta de emprego qualificada rumo a um país com características, grosso modo, do modelo de tipo escandinavo; ou, então, uma sociedade agrária exportadora com uma diferença social muito mais expressiva. Neste terreno simbológico, ele observa que, num restaurante de classe média, “quem está sentado vota em Serra e quem está de pé, servindo, em Dilma”.
José Eli discorda: — Não é bem assim. Por exemplo, entre os recepcionistas e garçons aqui do Hotel Glória de Caxambu, muitos vão votar em Serra. Estamos em Minas Gerais...
Singer fez uma projeção entusiasmada sobre a erradicação da pobreza no Brasil: — Se continuarmos reduzindo a miséria assim, teremos, em 2016, apenas 4% da população abaixo da linha da pobreza.
O mesmo José Eli voltou a discordar: — Nesta cálculo não está o saneamento, tão importante quanto a renda para definir pobreza.
A falta de esgoto, área negligenciada tanto por Fernando Henrique quanto por Lula, produz parasitoses que afetam a inteligência de gerações de crianças, que crescerão com um déficit em sua capacidade, inclusive de gerar seu próprio bem-estar social.
Para criticar a retórica dos candidatos, Rubem Barboza Filho, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), evocou o já clássico discurso de Obama em resposta aos ataques do pastor Jeremya (“A more Perfect Union”). Para ele, os EUA conseguem usar sua tradição para construir uma narrativa histórica que leve o país a evoluir. Segundo ele, no Brasil inexiste esse “tempo republicano”.
— Nem Serra nem Dilma desconhecem a História do Brasil.
Mas vivemos, ciclicamente, num tempo monárquico. Não há uma luz, como a dos pioneiros e da Constituição para os americanos, que nos guie. Não há povo, República, nesta História ainda. Temos que reconstruíla de uma forma que fortaleça nossa cidadania.
Legado de Lula e a campanha são discutidos no último dia do encontro
Arnaldo Bloch Enviado especial
CAXAMBU (MG). A discussão de ideias em torno do cenário eleitoral floresceu, enfim, no último dia do 34º Encontro Anual da Anpocs, que reúne pensadores de todo o país na tradicional mesa de debates “A conjuntura política e social”.
Presidindo a mesa, o secretárioexecutivo Cícero Araújo (USP) conclamou os participantes a comentarem a sucessão de Lula, evitando uma visão “do agora” e, em seu lugar, fazendo uma projeção dos desafios para o futuro governo.
Mesmo sem se furtar ao desafio, o cientista político Antonio Jorge de Almeida, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia), iniciou os trabalhos com um inspirado preâmbulo, bem focado no tal do “agora”: — O segundo turno esteve envolto numa aura de guerra santa. Em certo momento seria possível imaginar que Serra era candidato a cardeal presidente do Santo Ofício, e Dilma, candidata à sucessão de Irmã Dulce.
Para estudioso, Lula fortaleceu elites Especializado em estudos sobre hegemonia e contra-hegemonia, Almeida acusou o governo Lula de ter ajudado a fortalecer a burguesia e as elites industriais e financeiras do país.
— Lula não construiu, ao contrário do que dizem, uma nova hegemonia. Ele deu, sim, continuidade e força à maldita herança macroeconômica de Fernando Henrique Cardoso. Seus programas sociais, inclusive o Bolsa Família, em nada contrariam o grande capital. Não à toa, Delfim Netto disse que Lula salvou o capitalismo — afirmou.
Discursando na sua tradicional cadência, lembrando seus tempos de porta-voz de Lula, André Singer saudou o “alinhamento eleitoral” ocorrido no Brasil entre 2002 e 2006, que deslocou o eixo de apoio ao presidente da classe média para as classes de baixíssima renda, resultando na arrancada de Dilma.
— Basta ver a distribuição de votos: Dilma perde conforme aumenta a renda numa proporção que vai de 55% a 35%. Com Serra ocorre o oposto: perde votos à medida que a renda diminui, numa faixa de 33% a 55%.
Na visão do economista José Eli da Veiga (único da mesa sem grau de cientista social), outro caso seria também se as pesquisas não tivessem derrapado na reta final do primeiro turno: — Os institutos de pesquisa no Brasil estão obsoletos. Há tempos que o Gallup migrou para a amostra aleatória. A metodologia das cotas tem base no censo de 2000! O erro foi grosseiro.
No Google insight, onde se pode ver o que as pessoas estão procurando na internet, no dia seguinte ao debate da Globo a linha de interesse por Marina se multiplicou por dez.
Veiga ataca Serra e Dilma por seu desprezo pela plataforma programática proposta por Marina, que poderia ter resultado num acordo com um dos lados.
— Eles rejeitaram demandas importantes como a do fim dos leilões para termoelétricas com uso de diesel e carvão, um crime de lesa-Humanidade — disse.
Alheio ao que poderia ter sido, Singer vê, no momento, uma profunda polarização social, “que não aparece na superfície, talvez só comparável à eleição de Getulio”, na qual estariam se digladiando pela tal hegemonia uma coalizão de modelo neoliberal privatista e outra, produtivista, de forte caráter reformista, que une a classe trabalhadora e os sindicatos.
— Esta classe dominante financeira está, inclusive, reagindo com muita energia à redução da pobreza. A coalizão rentista quer juros altos e o câmbio onde está. Mas não dá para fazer um estado de bem estar social com menos de 5% de crescimento ao ano...
Na análise de Singer, a depender de quem ganhar este cabo de guerra, o Brasil terá uma oferta de emprego qualificada rumo a um país com características, grosso modo, do modelo de tipo escandinavo; ou, então, uma sociedade agrária exportadora com uma diferença social muito mais expressiva. Neste terreno simbológico, ele observa que, num restaurante de classe média, “quem está sentado vota em Serra e quem está de pé, servindo, em Dilma”.
José Eli discorda: — Não é bem assim. Por exemplo, entre os recepcionistas e garçons aqui do Hotel Glória de Caxambu, muitos vão votar em Serra. Estamos em Minas Gerais...
Singer fez uma projeção entusiasmada sobre a erradicação da pobreza no Brasil: — Se continuarmos reduzindo a miséria assim, teremos, em 2016, apenas 4% da população abaixo da linha da pobreza.
O mesmo José Eli voltou a discordar: — Nesta cálculo não está o saneamento, tão importante quanto a renda para definir pobreza.
A falta de esgoto, área negligenciada tanto por Fernando Henrique quanto por Lula, produz parasitoses que afetam a inteligência de gerações de crianças, que crescerão com um déficit em sua capacidade, inclusive de gerar seu próprio bem-estar social.
Para criticar a retórica dos candidatos, Rubem Barboza Filho, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), evocou o já clássico discurso de Obama em resposta aos ataques do pastor Jeremya (“A more Perfect Union”). Para ele, os EUA conseguem usar sua tradição para construir uma narrativa histórica que leve o país a evoluir. Segundo ele, no Brasil inexiste esse “tempo republicano”.
— Nem Serra nem Dilma desconhecem a História do Brasil.
Mas vivemos, ciclicamente, num tempo monárquico. Não há uma luz, como a dos pioneiros e da Constituição para os americanos, que nos guie. Não há povo, República, nesta História ainda. Temos que reconstruíla de uma forma que fortaleça nossa cidadania.
Nenhum comentário:
Postar um comentário